A areia incrustou-se na pele
reformulando a superfície, como poros sobre poros. Já não importava, ele tomara
meu corpo no escaldante areal, do mesmo modo que de seguida me abandonara,
frio, violento, como se eu não fosse gente. Cumpria a tradicional brutalidade
de tempos idos, em que as mulheres não tinham direitos a não ser o de servir o
macho. Estávamos em pleno século XX, mas ele agiu possuindo-me com a força do "direito ancestral”.
Eu caminhava com as pernas tremendo e arrastando os pés no areal. A dor imensa não estava no corpo, mas na alma, tal era vergonha que sentia, por um dia ter aceitado aquele homem para parceiro de uma vida. Não se tratara de um acto de violência doméstica comum, do punho fechado, nem do sangue derramado, mas da posse sem consentimento do meu corpo. Sentia-me suja do seu cheiro, das suas manápulas, dos seus beijos sebentos, da sua força me penetrando.
Sentia-me desfalecer e pensava, naquilo que as pessoas diziam, no dia a dia, “a violência não leva a lugar algum”, então como poderia responder à ignomínia que tinha sofrido, naquela tarde domingueira em que seria suposto conversar para resolver desentendimentos e acabei sendo violada, era assim que eu me sentia. Fora a resposta de força perante o meu desentendimento sobre como víamos a nossa vida em comum, e a resposta ao meu desprazer de o sentir próximo de mim.
Um dia uma amiga dissera-me que o companheiro, quando ela se queixava de dores, lhe dizia “fazemos amor que isso passa”. Teoria de macho vulgar, que não entende que o amor tem sexo e deve ser bom, mas tem de ser partilhado com o mesmo querer e prazer de ambas as partes.
Nem sempre a violência doméstica é de um só sentido, mas o sentido mais comum é aquele a onde a mulher é usada para capricho de gosto alheio. Tu sabes do que falo porque és mulher, ele sabe do que eu falo, porque mesmo atrás das grades, nada seria suficiente para apagar os riscos profundos que me marcam por dentro para todo o sempre. A luta que hoje desenvolvo será sempre efémera, se me ficar pelo pensamento de que nunca voltarei à minha inocência e crença no ser humano, terá de ser antes um registo eterno, que servirá de suporte ao meu esforço, aliado ao de muitos outros homens e mulheres, para trazer a justiça e igualdade de direitos.
Eu caminhava com as pernas tremendo e arrastando os pés no areal. A dor imensa não estava no corpo, mas na alma, tal era vergonha que sentia, por um dia ter aceitado aquele homem para parceiro de uma vida. Não se tratara de um acto de violência doméstica comum, do punho fechado, nem do sangue derramado, mas da posse sem consentimento do meu corpo. Sentia-me suja do seu cheiro, das suas manápulas, dos seus beijos sebentos, da sua força me penetrando.
Sentia-me desfalecer e pensava, naquilo que as pessoas diziam, no dia a dia, “a violência não leva a lugar algum”, então como poderia responder à ignomínia que tinha sofrido, naquela tarde domingueira em que seria suposto conversar para resolver desentendimentos e acabei sendo violada, era assim que eu me sentia. Fora a resposta de força perante o meu desentendimento sobre como víamos a nossa vida em comum, e a resposta ao meu desprazer de o sentir próximo de mim.
Um dia uma amiga dissera-me que o companheiro, quando ela se queixava de dores, lhe dizia “fazemos amor que isso passa”. Teoria de macho vulgar, que não entende que o amor tem sexo e deve ser bom, mas tem de ser partilhado com o mesmo querer e prazer de ambas as partes.
Nem sempre a violência doméstica é de um só sentido, mas o sentido mais comum é aquele a onde a mulher é usada para capricho de gosto alheio. Tu sabes do que falo porque és mulher, ele sabe do que eu falo, porque mesmo atrás das grades, nada seria suficiente para apagar os riscos profundos que me marcam por dentro para todo o sempre. A luta que hoje desenvolvo será sempre efémera, se me ficar pelo pensamento de que nunca voltarei à minha inocência e crença no ser humano, terá de ser antes um registo eterno, que servirá de suporte ao meu esforço, aliado ao de muitos outros homens e mulheres, para trazer a justiça e igualdade de direitos.
dc
Nota:Não foi publicado no Dia da Mulher, pois penso que esse dia, mais do que nunca deve ser de celebração e e conquista de coisas boas e não de coisas tristes.