De repente a dor inesperada que rói, que mói e destrói toda a nossa
integridade tira o discernimento, que nos rebaixa a condição de humano e nos
transforma num trapo. É uma dor que galga o nosso corpo rompendo, nos interstícios
da carne, comendo cada segundo de vida, diminuindo os amanhãs possíveis. Ainda
ontem o sorriso, se abria na face, os olhos brilhavam de amor e alegria e pelas
ruas descia e subia, saltitando nos passeios como quem baila num palco do
circo. Agora aquela dor excruciante surgia, lembrando, que a felicidade é tão
efémera. As férias recentes pareciam ter acontecido há dezenas de anos, a
alegria, o calor do sol, a maresia, eram coisas trazidas pela memória. A doença
não tinha cura, promíscua, invadia tudo sem dar cavaco, usava o seu corpo como
armazém de especiarias, onde se deliciava, no cheiro da dor, do sangue sorvia,
na vida que roubava. Na cabeça, a peruca era uma espécie de esconde, esconde,
de um tratamento sem resposta, uma identificação, de alguém que ainda tentava
lutar um pouco mais, mesmo no auge da incerteza. Sabe-se que quando ela ataca,
a notícia de existir é uma violência, é uma tortura em que não somos obrigados
a denunciar, mas a sentir.
Agora não adianta olhar para trás pensando no tempo perdido, nas ambições desmedidas, a luta pelo ter, que não se conseguiu, o stresse permanente do trabalho, do carinho que não se deu ao filho, à mãe, aos amigos, enfim ter vivido. Tudo relembra a presença que não fomos. Tudo se torna tarde de mais e as dores relembram a cada segundo, nos intervalos de calmaria em que a morfina permite o descanso do corpo, que temos de viver cada segundo, cada hora, cada dia, como a última oportunidade de ainda pudermos sorrir. Transformámo-nos num paliativo, que estorva a uns, causa a dor a outros, até que para todos, o alívio é que acabe depressa, para que termine a tortura, mesmo quando o amor é imenso. Isto não significa, que não existam muitos que batalham, enfrentam, como nunca fizeram na sua vida. Alguns vencendo a doença, outros conseguindo num curto espaço de tempo, dar tudo o que têm, para que as lembranças fiquem nos outros pelo melhor bocado que deram de si. Tudo isto vivido com intensidade, com problemas psicológicos, económicos e familiares à mistura, que torna a tarefa, daquilo que chamam esperança de vida, nestas circunstâncias, parecer uma blasfémia. Somos cada vez mais um corpo sem controlo possível, vivendo a imprevisibilidade do que lhe acontece, onde a idade não conta, nem a classe social.
Agora não adianta olhar para trás pensando no tempo perdido, nas ambições desmedidas, a luta pelo ter, que não se conseguiu, o stresse permanente do trabalho, do carinho que não se deu ao filho, à mãe, aos amigos, enfim ter vivido. Tudo relembra a presença que não fomos. Tudo se torna tarde de mais e as dores relembram a cada segundo, nos intervalos de calmaria em que a morfina permite o descanso do corpo, que temos de viver cada segundo, cada hora, cada dia, como a última oportunidade de ainda pudermos sorrir. Transformámo-nos num paliativo, que estorva a uns, causa a dor a outros, até que para todos, o alívio é que acabe depressa, para que termine a tortura, mesmo quando o amor é imenso. Isto não significa, que não existam muitos que batalham, enfrentam, como nunca fizeram na sua vida. Alguns vencendo a doença, outros conseguindo num curto espaço de tempo, dar tudo o que têm, para que as lembranças fiquem nos outros pelo melhor bocado que deram de si. Tudo isto vivido com intensidade, com problemas psicológicos, económicos e familiares à mistura, que torna a tarefa, daquilo que chamam esperança de vida, nestas circunstâncias, parecer uma blasfémia. Somos cada vez mais um corpo sem controlo possível, vivendo a imprevisibilidade do que lhe acontece, onde a idade não conta, nem a classe social.
dc