quinta-feira, 30 de abril de 2020

Sempre Abril

O dia decorreu chuvoso, como se quisesse impedir que celebrássemos o 25 de Abril, como se o tempo colaborasse com os fantoches que com o decorrer do tempo se tornaram políticos e oportunistas à custa do Abril de há quarenta anos. Os próprios jornais diários chamados de referência, signifique isso o que quiserem, que publicam notícias, embora pobres, que referenciam o dia sobre 25 de Abril, outros como fazem as notícias popularuchas, e nos digitais nem referências. Os desportivos intoxicam-nos, como é costume, com as estatísticas e disparates muito comuns, que nada falam do prazer do jogo, e que provocam a ira entre adeptos dos diferentes clubes envolvidos, com isso vão vendendo mais uns quantos jornais estupidificando as pessoas.

Querem apagar o 25 de Abril de 1974, à força, para que as novas gerações não saibam sequer a razão de hoje ser feriado, do que significou o fim da ditadura para muitos milhões de portugueses, e as diferenças verificadas desde essa altura. Não querem que se saiba nada daqueles que lutaram estoicamente, alguns com perda da própria vida, para que a liberdade fosse efectiva para todos. Que as condições de vida, social, económica e cultural, se alterassem, significativamente, para a maioria dos portugueses. Que esses que lutaram, e ainda hoje lutam, nada quiseram, ou querem, que não seja uma sociedade mais justa, mais humana, para todos.

Nos dias de hoje, os falsos “democratas” querem afastar das ruas e das lapelas os cravos, que foram referência de uma comportamento de gente séria, que não exerceu a vingança perante os exploradores e torturadores, mas que infelizmente não conseguiu perceber que ao aceitar a “democracia burguesa”, estava a permitir que os “senhores” que fugiram na revolução “com o rabo entre as pernas” regressassem e coadjuvados por oportunistas e vira-casacas sem escrúpulos, vindo a assumir novamente os lugares de antigamente e usassem novas técnicas de dominação sobre o povo.
O “Sorriso Democrático dos Exploradores”.

Hoje, os que sempre votam nos mesmos, dizem que devíamos regressar ao antigamente, que não acreditam nos políticos, e que tudo está pior, servindo dessa forma submissa os interesses de desgovernos e dos senhores do capital financeiro.
Sabemos que a luta é difícil, mas não devemos baixar os braços e deixar que tentem apagar da história as lutas do povo, nem permitir que os lacaios dos oligarcas e ricaços, voltem a assumir o poder, esmagando os direitos tão arduamente conquistados.


dc
(Texto escrito em 2015, mas sempre actual) 


quarta-feira, 29 de abril de 2020

Sonhar com um grande amor


Sonhar com um grande amor, por vezes é perigoso. É sabermos que fizemos do irreal a realidade que julgávamos certa, que acreditávamos no que queríamos ver, e não aquilo que nos era mostrado.

O ser humano tem uma capacidade e enorme de fazer cenários de acordo com as expectativas que cria para si próprio, e depois surpreende-se com os fracassos.
Talvez por isso, homens e mulheres, dos mais variados quadrantes sociais, culturais, políticos, vêm, leem, e falam de amor e tudo que ele envolve. Correm atrás do amor, para o receberem ou para o prodigalizar. Procuram-no como uma quimera, ávidos de sentir o tal sentimento, que na maioria dos casos desconhecem, mas tentam adivinhá-lo, nas diferentes manifestações. Às vezes descrevem-no de tal modo e dão-lhe tanto ênfase, que o tornam abstracto. Na verdade, tentam descobrir se de facto ele cria borboletas no estômago, se ele faz tremer, se o coração pula, ao ver a figura, ou imagem do objecto do seu amor.
Compram-se discos, livros, flores, oferecem-se prendas variadas, em dias procurados, ou em dias de êxito, compensando as ausências, ou as permanências menos certas.
Escrevemos, pintamos, trabalhamos, somos criativos e empolgámo-nos mostrando as nossas fraquezas, as nossas capacidades, debaixo da inspiração de um grande amor. Por vezes, ele só existe na imaginação, é musa de inspiração para toda essa criatividade, mas na realidade o objecto do seu amor, só existe na sua mente, ou estamos apaixonados e sós.
A realidade com a sua crueza mostra-nos o engano, a simulação, a inépcia, a incultura, a superficialidade, o mofo da mente, mesmo quando esta parece activa e moderna. Essa realidade encarrega-se de mostrar o apego, a dependência, a incoerência, como emoção que esconde o tal sentimento que ainda, na sua essência, não encontraram.
Quantas vezes o decorrer do tempo mostra, que aquilo que os unia era menor que aquilo que os aproximava. Quantas vezes perante o infortúnio se desmorona toda a expectativa criada em redor desse envolvimento emocional que se confunde com o amor.
O que parecia ideal, quando se distancia assusta-nos. Leva-nos a pensar que estávamos absorvidos por uma espécie de droga, que nos tirava o discernimento e cada vez mais nos impedia de raciocinar sobre o momento.
Será aconselhável a quem procura um grande amor, fazer como dizia um antigo professor que só casara acima dos quarentas anos: “Oh! Pázinho -tratamento carinhoso que ele usava com os alunos a quem respeitava - antes de casar escrevi uma carta à mulher, que era objecto do meu amor, dizendo-lhe que casaria com ela, se tudo o que pretendia e abaixo descrevia, fosse aceite por ela. Então enumerei, os vários itens, do que eu achava importantes para mim, para que fosse a minha mulher, e o que eu estaria disposto a fazer caso ela aceitasse. Ela aceitou e casamos”.
O seu casamento durou até à sua morte, já com quase oitenta anos. Era um casal amoroso, e de um entendimento ímpar.
Talvez para haver um grande amor, ou vir a ter um grande amor, fosse necessário, criar um caderno onde colocássemos as nossas vontades e desejos, uma espécie de deve e haver, onde os envolvidos deveriam expressar todas as seus valores, perspectivas, ambições, desejos, etc. do que querem para evitarem sofrer as decepções e não perderem tempo em “romances” de desgaste, como dizia a escritora, de roda-bota-fora.
De facto deve ser difícil adormecer e acordar, frequentar o mesmo espaço, com quem não se quer como companhia. O contrário também existe, e certamente, neste tempo de quarentena, talvez fosse o ideal para dizer, “ Agora, mais do que nunca, posso dizer valeu a pena termo-nos conhecido”.

dc 2012/2020




sábado, 11 de abril de 2020

Não era um patinho amarelo


Numa pausa da minha leitura, enquanto observava a natureza que me rodeava, surge ele do nada, saltitante, feliz, sem se preocupar com as coisas comuns, de nós mortais, nos dias de hoje. A pequena cabeça parecia ter antenas, movimentando-se olhando à esquerda e direita para cima e para baixo, como se fosse movida a corrente eléctrica. A minha presença certamente trazia-lhe curiosidade e talvez temor. Aproxima-se e afasta-se com rapidez, como se tacteasse a confiança. Ele desconhecia a palavra “Pandemia”, ou quarentena, nem saberia de muitas outras que falavam de morte e dor. Só conhecia as diferentes estações do ano, o passear nas nuvens, a nidificação, os seus predadores e a procura atenta de comida no solo. Também não sabia que aquele seu pular vagabundo, com pequenos passos rápidos, faziam-me ficar atento e deliciar-me com a riqueza e a esperança que me trazia, de que o mundo é muito mais que pequenas coisas, mesmo quando carregadas de morte e frustração. A sua roupagem preta, trazia agarrada a si um amarelo vistoso, que se apagava e surgia no meio das ervas e das flores. Captar a sua imagem no visor da máquina e registá-la, era uma missão difícil, que valia como memória para mais tarde recordar. Tinha consciência que por muito bela que a imagem fosse, ou o que relatasse, a estória que contaria visualmente, seria sempre insuficiente para contar o momento de “convivência”. Daquele instante curto de comunhão (minha, pelo menos) com aquela figurinha, tinha a certeza de que a imagem ficava aquém das mil palavras e das emoções sentidas. Não era um patinho amarelo de peluche, com amêndoas da Páscoa, na montra de uma qualquer loja, era sim a vida, em ponto pequeno, manifestando-se.

dc

sábado, 4 de abril de 2020

Entre os raios de sol, gozando as sombras



Calmamente, vestiu-se e saiu para colocar o lixo no contentor. Cumpriu as regras. Levava um pequeno frasco com gel de álcool, e "dodots" no bolso, para o que fosse necessário. Manteve a distância entre os poucos que se cruzavam consigo, não contactou nem foi contactado, passou entre os raios de sol, gozando as sombras. Como sempre trazia consigo uma capa com um bloco de notas e um livro, o de hoje, Se Esta Rua Falasse. Não parou no contentor mais do que o suficiente, fez-se distraído de si próprio e continuou, durante cem metros, na circunvalação, depois virou para a rua, que sabia deserta, quando a escola está fechada. Se aquela rua falasse, lembraria quanta vez por ali passou, procurando fugir da agitação dos dias e encontrar um pequeno espaço, onde a ambiguidade entre a cidade e o campo existia. Ele precisava de encontrar-se, abraçar a natureza com os olhos e os seus cheiros e não se perder, no medo, ou no pânico, de todos os dias, sugerido em imagens e textos nos média. Precisava do ruído silencioso da natureza. A dado momento, encontrou um muro de pedra, baixo o suficiente para se sentar à sombra de uma árvore e poder ler o seu livro. Tinha de parar um pouco os ruídos das mortes, da pandemia, do que fazem as elites financeiras, as vozes dos governos e acima de tudo mitigar, para si, a dor daqueles, que diariamente, de forma dura procuram cumprir solidariamente e tomar decisões para que todos outros fossem sobrevivendo.
Abriu o livro e lentamente enquanto dava um último olhar no ambiente que o rodeava. Entrou finalmente na leitura do livro. O romance não era de todo alegre, falava de amor, mas também de racismo e da injustiça social a que a sua negritude os condenava. Ele, preso por um crime que não cometera, ela, grávida, ambos esperando, ele a libertação, ela que a criança nascesse. A sua estória dava alento para acreditar que o amar se sobrepunha a todas as outras coisas. De vez em quando, levantava os olhos para uma pausa, olhava em volta, e recriava-se com o ruído do riacho, dos pássaros e da brisa que corria. Enquanto isso o tempo correu.

Não lhe apetecia interromper a leitura. Até que, do nada, surgiu um carro da polícia, que parou perto de si, ao princípio pensou que pudesse ser por sua causa, mas não, foi para interpelar um motociclista que ia em sentido contrário. Nessa altura apercebeu-se do tempo decorrido, era o momento de regressar, antes que a via principal começasse a ter movimento demais. Mais uma vez, dando passos controlados, observando quem vinha, fugindo de contactos, como um detective, que não quer ser descoberto.
Furei a quarentena, pensou, mas não coloquei ninguém em perigo. Só tinha acontecido,
porque na sua mente se confundiam inverno e primavera, a esperança se resumia ao findar dos dias deste  seu entardecer da vida e perante este presente sobreviver à maldade de alguns homens, que destroem o nosso mundinho, plantando um vírus mortal.
A atitude assumida não foi a mais correcta, mas entre isso e o risco de ficar louco, ao fim destes dias todos, fechado em casa, arriscou. Agora com as pilhas carregadas, é como se tivesse tomado a primeira parte de uma vacina e pronto para nova etapa de sacrifício.

dc


Entre os raios de sol, gozando as sombras (imagens)

"Precisava do ruído silencioso da natureza. A dado momento, encontrou um muro de pedra, baixo o suficiente para se sentar à sombra de uma árvore e poder ler o seu livro" dc

sábado, 14 de março de 2020

VH+1- we love the…

No silêncio da casa, a música ressoa reflectida pelas poucas paredes ausentes de livros. A sua sonoridade adentra pelos pensamentos e traz emoções várias, transporta-me para a carruagem dum comboio de sons, numa viagem de um único destino sem paragens intermédias. Sinto que os olhos se fecham, as imagens desenham-se na mente de uma forma quase real. Por que não me deixar ir, como se de meditação se tratasse. O pensamento, viaja e cria cenas sucessivas, com gentes e lugares diferentes, numa vertigem de acontecimentos que parecem encaminhar-nos para respostas que de algum modo quero saber. Os acontecimentos e as frases visuais parecem querer mostrar algo imensurável, a tensão interna aumenta, mas algures no cérebro, como se existisse uma chave de código, condiciona o acesso, e estabelece o limite até onde ir. Surge a necessidade de abrir os olhos e rapidamente encontrar um chão, como uma espécie de apneia, ou um aviso de que estamos a passar os limites do que devemos conhecer, sobre nós, ou do mundo que nos envolve. Uma caixa de Pandora, que aberta irá trazer-nos para um mundo que nos modificará a existência.
Olhos bem abertos, uma sensação indescritível, assenhora-se do corpo, com a estranheza e um desconforto que me divide entre o que deveria ter descoberto e um medo fundo das consequências caso isso tivesse acontecido.
Viver o ser humano que somos ainda está longe do nosso conhecimento. Não falo, daquilo que alguns chamam de vidas passadas, mas sim da capacidade de armazenamento de conhecimento acumulado, que dentro de nós reside, e, parece impedido de surgir à luz do dia, temendo pela nossa sanidade, ou onde poderíamos chegar com tal conhecimento.


dc

quinta-feira, 12 de março de 2020

Aqui e só


Aqui só, sentada, na penumbra o silêncio e eu formamos o enquadramento necessário, para dar azo a imaginação, analisando e construindo projectos. Não existe calor nem frio, nem chuva ou sol, nem a brisa se sente, mesmo com as coxas desnudas. A percepção do corpo é mais nítida, a urgência de ti é maior e o diálogo abstracto vai procurando perguntas e respostas, sugestões e soluções, que mitiguem as razões da ausência, a distância que existe, o abraço que não chega e o cheiro das flores não surge anunciando a Primavera possível. O pensamento vai mais longe, do que este lugar onde me encontro, e vai-me mantendo no fio da navalha entre o estar ou partir.

dc