quarta-feira, 19 de junho de 2024

Pode ser...

 


Pode ser, o começo de uma qualquer perturbação mental, princípio da senilidade, alzheimer, o esgotamento das alternativas, ou até a incapacidade de tolerar, a inconsciência que nos rodeia perante o caos que se instala. Cansa abrirmos a boca, como peixes fora de água, para questionar as anomalias sociais, políticas e culturais que se propagam pelos média, acompanhadas pelos dislates de governantes que se manifestam afastados das vontades do povo. É como se ninguém nos ouvisse, como se o som não se propagasse. Sentimo-nos uns inúteis, perante as chamadas cabeças pensantes de hoje, estas possuídas de ideias feitas, vivendo a sociedade com uma espécie de dissonância cognitiva, que vão vomitando, como verdades absolutas. É como se tivéssemos nascido numa outra galáxia e estes daqui não entendessem a nossa linguagem. Caímos nessa armadilha, que o cérebro sustenta, quando se nos empecilha o discernimento de tal acontecimento, paralisado pela dúvida e sem argumento para avançar. Vamos caindo na modorra de não exercer o raciocínio, deixando que as sinapses não existam. Um modo letárgico de navegação à vista, abandonando-se ao marear à-toa.

dc

 

 


sábado, 1 de junho de 2024

Maio já lá vai

Maio se finda, trazendo algum calor que tanto desejamos e precisamos. O verão chega a passos acelerados, para nos fazer esquecer o rigor do inverno, com a sua chuva e frio necessários, para a evolução das espécies, no entanto, para nós pobres mortais, um quanto exagerado que foi, nos faz apreciar, com mais fervor, este sol que nos aquece e ilumina, de tal sorte, que os olhos brilham, os sorrisos aparecem, o modo de vestir se altera e até o prazer das verduras no prato e a riqueza das frutas, nos alegram. A natureza, e as suas diferentes virtudes, nos lembra que a Terra é um belo lugar para se viver e só o egoísmo e brutalidade dos homens que a agridem e desrespeitam a podem provocar, e a que vá encontrando meios para se defender. E acaso essa bestialidade humana se descuidar, “nuclearizando” e destruindo a sua forma de vida como a conhecemos, ela sempre encontrará forma de se regenerar demorando o tempo que for necessário, sem esperar pelo reaparecimento da raça humana.
Recomendo que aproveitem a natureza. Não embarquem, em ódios de alguns humanos, que se julgam capazes, pelo seu poder, causarem a degradação da Terra e a da sua natureza, sendo eles os únicos sobreviventes, comprando um bunker, ou fazendo uma viagem espacial temporária. 


dc


terça-feira, 28 de maio de 2024

A voz da memória


Há memórias que lentamente se vão esvaindo, ao longo da vida. Vão-se transformando em resumos cada vez mais curtos e longínquos. Essas memórias, construidas, nas mais diversas circunstâncias da vida, feitas de momentos alegria e felicidade, desenhados e escritos na mente, com imagens, desejos e vontades. Todas elas, trazem algo de precioso, que em algum momento tentamos reviver. Uma paisagem, uma flor, uma brisa, um lugar à beira-mar, um passeio pela mata, um melro negro de bico amarelo, um peixe vermelho, a revolução com cravos, a luta contra os diabos, o amor na revolução, os olhos comunicando, um beijo com paixão, um abraço, as falas havidas, a criança que nasce, o primeiro choro; os cheiros, ah… esses tão difíceis de cativar na memória. E por fim, a voz, por de mais escutada, que se sobressai entre todos os ruídos e nos afasta da cegueira do esquecimento.
Quando o som da sua voz chegou, não ouvi, escutei, com todo o meu corpo, e todas as memórias regressaram, e recolocaram-me no mesmo sentir. Não me lembro bem do que conversamos, estava somente atento às memórias que se iam redefinindo, trazidas naquele momento à superfície. Findo o telefonema, olhei para aquele objecto tecnológico, e pensei, afinal, há memórias que se podem reciclar. Tiramos-lhe, os agravos e desacertos, e tornam-se mais leves e agradáveis, até se lhes pode acrescentar mais esta, que agora se escreve, ao arquivo central, das emoções.


dc

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Meditar de fato-macaco


Está sentado no banco do jardim. Veste uma espécie de fato-macaco escuro, com marca de uma empresa, no peito do blusão, que parece ser de uma oficina mecânica, talvez a mecânica seja a sua profissão. À sua frente, e nas suas costas, estão os prédios da cooperativa, que tem um nome sugestivo “Gente do Amanhã”. Não é a primeira vez que por ali está. Aquele é o lugar, que parece ter sido, escolhido para se isolar e fazer o seu almoço. Ele chega, encosta a bicicleta no gradeamento, e ali, longe de restaurantes acessíveis, e possíveis, tira a sua bucha e com ar meditativo inicia o seu repasto. O seu olhar, abrange a zona ajardinada e a parede do prédio à sua frente. É um olhar vago, como que perdido, entre a mastigação e os pensamentos que o assaltam, naquela meditação procurada. Os pássaros, sentem-no e na ânsia de encontrar pequenas sobras, rodeiam-no de forma agitada, em diferentes pio, pios. Os melros, que abundam naquele lugar, percorrem a zona relvada, movimentando-se na procura de galhos e comida. Nem a sua graciosidade, motiva a sua atenção. Nada parece afastá-lo daquele ar vago. Está, como se procurasse encontrar a explicação, para aquele seu, estar ali. Fica-me a dúvida, se a razão de estar ali, tem a ver com uma razão de ordem económica, ou simplesmente, foi uma forma por si escolhida de encontrar a própria paz. No meio de toda a luta diária, dos dias de hoje, encontrar paz, e recuperar o equilíbrio, é quase obrigatório, para sobreviver.
O primeiro de Maio, dia do trabalhador, celebrou-se há alguns dias, muito há ainda para lutar. Questiono-me: será que ele pensa, na gente do amanhã? Terá ele algum dia ouvido, ou lido, o poema de Vinicius “Operário em construção”?


dc
………

     Um silêncio de torturas 
     E gritos de maldição 
     Um silêncio de fraturas 
     A se arrastarem no chão. 
     E o operário ouviu a voz 
     De todos os seus irmãos 
     Os seus irmãos que morreram 
     Por outros que viverão. 
     Uma esperança sincera 
     Cresceu no seu coração 
     E dentro da tarde mansa 
     Agigantou-se a razão 
     De um homem pobre e esquecido 
     Razão porém que fizera 
     Em operário construído 
     O operário em construção.

                 (última parte do poema "Operário em construção" de Vnicius de Morais)


quinta-feira, 9 de maio de 2024

Resistir, Resistir Sempre


Rasgões no corpo, bofetadas na face, buracos na alma, dor sofrimento, albergam o corpo frágil e diminuto, deficientemente alimentado, subjugado à lei do mais forte, que naquele momento é dominante. Dentro, bem fundo alimenta, neste resistir no presente, a vontade de superar, que resulte viver, e se prolongue na face da terra, o tempo suficiente, para dar a resposta adequada, a quem não respeitando o ser humano que é, viola todos os seus direitos, massacrando os seus irmãos, com a máquina de guerra, com a fome, a sede, retendo-os, a céu aberto, como alvos fáceis da sua brutalidade. As feridas são incuráveis. Em especial aquelas que deixam dentro de si, as lágrimas de milhares de crianças, mulheres e homens, o desespero dos sobreviventes, e daqueles que tudo fazem para manter vivas as suas esperanças para além da cura do corpo. Fica na memória o cheiro dos mortos e, um horizonte de terra queimada, mas também, dela nasce a certeza que um dia voltarão a fazer florescer pátria, livre da terra ao mar.

 

dc

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Faço-o porque gosto..


Perguntam-me porque escrevo, pois nem sempre a razão do que está escrito é explicita, nem o motivo da sua publicação. Se alguém entende, tudo bem. Faço-o porque gosto, e acima de tudo, faço-o porque que sei ser esta a única maneira de chegar até ti, e para que não seja um anúncio vulgar, nos perdidos e achados de um qualquer pasquim. Há os que questionam, ou procuram adivinhar, a todos, deixo-lhes a liberdade de pensarem e especularem, da qualidade. A ti, não preciso dizer que escrevo para ti. As minhas falas escritas podem ser entendidas, analisadas e até apreciadas por outros, mas só tu, sabes ler nas entrelinhas e deduzes, onde quero chegar, e o que pretendo que sintas. Eu próprio, quando escrevo, faço-o apelando ao teu sexto sentido, para me poderes entender, reconhecer, ou avaliar. Nas minhas palavras, reside a esperança, que o seu conteúdo, mesmo que a gramática seja menos correcta, sensibilize as tuas emoções, e adentre em ti. Sei, que não terão o calor da voz, nem verás o tremor dos lábios quando pronunciadas, muito menos o olhar da emoção, mas sentirás de certeza a vibração nelas contida. São tuas, mesmo que públicas, são tuas, mesmo que lidas por outros, são tuas e tenho orgulho de que revelem a dimensão do quanto eu gosto de ti. Não preciso de explicar a tempestade, se tudo o que ela realiza é suficiente para ser sentida. Muitas vezes, nem a palavra amor está presente, mas tudo aquilo que ele significa, tem a razão naquilo que eu sinto por ti.

 

dc

 

 

 

quinta-feira, 18 de abril de 2024

A natureza que motiva

Sempre vivi escondido da própria sombra. Nunca quis esta sociedade plástica, esta bolha onde vivemos, da qual somos parte, onde o individual se sobrepõe ao colectivo. Sei que perdi a oportunidade de ser eu, em algum lugar do tempo. Quando criança, adorava o contacto com os campos e as árvores que me fascinavam pelo seu porte e beleza. Gostava de olhar as fragas da montanha, naquela majestosa imponência, duma pintura abstracta, seduzido pelas linhas e contornos definindo diferentes volumes, pelo equilíbrio, a sua estética e força que emanavam e a sua integração no cenário da natureza. Sempre imaginei um calcorrear pela floresta, escutando o marulhar da água ao longe, nas ribeiras e quedas de água, como uma banda sonora, especialmente talhada pela natureza, com o coro dos pássaros e outras espécies da fauna que servem como sustento da diversidade. Imaginar-me, sentado no topo da montanha, com o silêncio ensurdecedor da magnitude da natureza, dominando a minha insignificância, e os meus olhos se movendo abarcando todo espaço até ao horizonte. Sentir a proliferação de cores, o fumo das casas que se desenha no espaço, concorrendo com as nuvens, evoluindo no céu com as suas diferentes formas, sugerindo animais, ou anunciando tempestades. Agora sou um não realizado, que vagueia nos dias, procurando encontrar o equilíbrio, para entender o que a sociedade me proporcionou e aquilo que perdi. Tentar perceber a minha dificuldade em entender as vozes dos homens e mulheres, que objectivam a vida, na materialidade do supérfluo. Perdi a oportunidade de me deixar esculpir por essa natureza, que sempre presente, se foi tornando distante, absorvido por uma ansiedade de comunicar, a outras instâncias do viver colectivo o quão, mais importantes do que o progresso assustadoramente dominado por gente perversa, afastada da humanidade e presa papel ouro, e viver de acordo com a marcha natural do mundo. Como alguém disse:

 

“Quando o mundo descobrirá que somos todos a mesma família”

dc