quarta-feira, 9 de setembro de 2015

reamar tardio




Tapas-me a boca
com a marca do Outono,
e tocas-me o ventre
no calor de seu verão.
Beijas-me a boca
desaparece o inferno
e se treslouca
o sol de inverno.
Teu corpo é tempestade
que me assola
a bonança que trás o estio.
Alimentas minha fome
de esperança
neste reamar tardio.
Corro no fogo
que em ti acontece
e deixo-me queimar
nas chamas de novo.
Brisa, sol, vento,
gelo, água, fogo
tudo vale o momento
de te amar de novo.

dc

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Um dia, se não nos perdermos...


Só, como ele estará certamente, desde que eu vim para este outro lado do mundo. As noites e as manhãs se confundem, somente perante a chávena de café, reflicto os dias.

Penso na sua ausência que se vai adentrando em mim, e como esta sociedade que me rodeia me vai deixando cada vês mais desnuda de sentimentos, nesta confusão da sobrevivência diária, na qual a manutenção do emprego, exige de nós, não só trabalho, mas humilhação como seres humanos. Se a minha profissão é privilegiada e me permite ter trabalho, também é dura, porque além de cuidar dos doentes e suas doenças, me deparo todos os dias com a miséria humana, nas suas mais derivadas expressões. E falta ele, sempre, com o seu aconchego, o seu abraço que me tocava no fim do dia, e o beijo caloroso com que me recebia na porta do hospital.

Aqui desterrada, nesta terra de língua diferente, onde aprendo a comunicar, A seriedade das palavras me impedem a riqueza expressiva com que me entendia na pátria.


Nesta vida dura que tenho de suportar, tentando sobreviver. Tudo está difícil e trabalho a desoras para poder aguentar o meu lugar, nesta máquina trituradora da sociedade chamada de liberal. Uso o trabalho como terapia excessiva, para me atordoar e, por momentos, me esquecer que existes, em algum lugar ainda esperando por mim. Um dia, se não nos perdermos um do outro, espero relatar-te enfrente a uma chávena de café, toda esta dor de ter emigrado, para podermos ter uma vida em comum, e do quanto, em momentos como estes que agora descrevo no meu diário, a tua presença me seria mais do que necessária.

Espero sempre, que o pessimismo que me ensombra, nesta hora da madrugada, desapareça e que tudo o que sentimos não se perca na voracidade dos dias intensos, para podermos dizer que valeu a pena e nos voltemos a amar, com a mesma, ou mais, intensidade do que hoje...


Londres, Setembro XX



dc

domingo, 6 de setembro de 2015

As mãos. Porque hoje é domingo




Foi sempre assim, lembras-te? Nunca se percebia onde acabava um corpo e se iniciava outro, as mãos que se apertavam, ou soltavam, com a expressão das emoções e os cheiros somavam informação ao que fazíamos e como nos amávamos.

Era pouco o tempo de estar, mas longo o prazer naquele chegar de reencontro, como se fôssemos redescobrir cada poro da pele, cada pequena forma da morfologia do corpo, cada brilho do olhar, o sabor de cada beijo molhado ou simplesmente corpos se roçando ao de leve. No entanto eram as mãos se agitando, a melhor expressão e assinatura do momento, sondando cada espaço, como se cada toque farejasse cada pedacinho de nós. E eram elas, mais tarde, que nos amarravam um ao outro, um dentro do outro, cada um se perdendo no outro, cada vez mais fundo, mais longe, atordoados naquele retomar do tempo perdido. Nem mesmo, quando temporariamente saciados, elas se afastavam, permaneciam coladas, como se procurassem manter todo aquele momento, como prisioneiras presas por perpétuas grilhetas.

O domingo, habitualmente o espaço da partida até nova chegada, O silêncio marcava a angústia da despedida, os olhos brilhavam, mais do que nunca, e o beijo tinha o sabor da ausência que se avizinhava, a dor da distância. Por vezes, ficava-me a pensar de forma egoísta: “não deveria haver dias da semana, mas só domingos” ou então, “poderíamos ter o livre arbítrio, de alterar o que nos impede de que todos os dias sejam domingos”. É, o domingo era já no dobrar da esquina do tempo, mas parecia uma eternidade até acontecer..

Nesse fecho do dia, as mãos voltavam a se aprisionarem até ao adeus temporário, em que o aceno era o remate final.

dc

sábado, 5 de setembro de 2015

Limito-me a ser




Fecho-me na rede que cobre uma parte de mim, como se estabelece-se assim os limites de usufruto, ou descoberta, do que existe para além das aparências. Sem ser uma estratégia de provocação, em que o esconder pretende ser o contrário, eu revelo até onde vão os meus desejos e pensamentos. Rede e chapéu, não são mais do que adereços das dúvidas em que me escondo, em relação aos meus desejos, e ao que pretendo dos outros, na observação que possam fazer do que lhes é exposto. É evidente que a timidez existe, marcada por aquilo que faço, enconcho-me na forma, diminuindo a dimensão das coisas, para que não vejam mais do que pequenas nesgas de um corpo que permanece confinado aos limites do socialmente correcto. Perdi a oportunidade de declarar-me suficiente e livre, para ir mais longe que a limitação exposta. Limito-me a ser.


dc

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A vontade não morre




A neblina pousa nos ombros
com o peso do inverno.


O pio das gaivotas
morre nas folhas caídas.


O rio caminha desenvolto
prá foz das suas vidas.

A vontade não morre,
esperança, o que lhe ocorre.

Sem medo da partida
olha o mundo da sua vida.

Como tudo, não há tempestade
sem a bonança como realidade.

Senta-se, esperando o sol acordar
e com ele o prazer de viver e ficar.


dc


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Homem, não chora




Rios correm nos olhos do homem que não chora
Ele sabe que não volta àquelas margens
Ele sabe o que derruba na sua forte corrente
Ele sabe que a sua calma atrai a doçura e alegria do navegar
Ele sabe que vai morrer na foz, se o seu amor não voltar.

dc

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Assim, sem dares por nada

 

Assim parada no tempo
Assim olhando longe
Assim alojando a dor
Assim sem saberes
Assim ficando
Assim sem o teu amor


Ele partiu sem dar tempo
Ele partiu ainda só enlevo
Ele partiu quase em segredo


Assim, ele partiu, sem estares preparada
Ele, assim foi, deixando-te amargurada

E hoje, assim, sem dares por nada
Sabes que ele partiu e te tem amarrada.


dc