segunda-feira, 5 de julho de 2021

Também o medo

 


Os “mortos” colocaram as máscaras para se simularem vivos. No lugar dos olhos, existe um buraco fundo onde se escondem as palavras, que os mortos não pronunciam. Uma vida que se gasta na espera que o medo se vá, que morra, e as ausências se percam pelo tempo. Incapaz de enxergar o rosto dos outros, fica-se por um pensar tolhido pelo medo. Muitos se afastam, cruzam as ruas de um lado ao outro, mudam de passeio, fogem das pessoas. Fechados ao amor, perderam-se de abraços, de beijos e carícias, enleiam-se em cansaços, em correrias e regras absurdas sem sentido. Pensar é proibido, deram aos outros a força de decidirem por si, mesmo que com voz de falsete, ou em vozeirão de sabedoria feita que ninguém questiona. Pressinto o absurdo, a desculpabilização futura, quando o estrago se evidenciar na humanidade perdida, e os autómatos começarem a fazer sombra naquilo que fomos e não voltaremos a ser. É certo que a “normalidade”, será uma outra, como sempre acontece, até se tornar comum, convivermos pacificamente com aquilo que se alterou. As elites terão humanos ao seu serviço, médicos, “personal trainer”, massagem e empregados vários, os pobres terão robots, internet para se comunicarem e até fornicarem. Não estamos todos no mesmo barco, alguns têm o iate, muitos outros nem jangada. Entretanto, pacificamente, vamo-nos assumindo como responsáveis, censurando-nos a nós próprios, “cidadãos que se creem livres” adaptando-nos cada vez mais, à figura de não sermos ninguém, mesmo quando a nós, cabe decidir, a quem dar a força de decidir por nós. Aceitamos mutações e outras explicações para tudo, sem que se permitam a um fim, prolonga-se a agonia, não se vai do mal, vai-se pela cura. Se houver futuro, não telecomandado, talvez a verdade surja, caso contrário passará para as calendas gregas. Atordoados, pressionados com as falas mediáticas, que plantam o medo, passamos ao lado dos movimentos de nucleares exércitos, com nucleares engenhos que se passeiam a descoberto pelo espaço europeu, com beneplácito dos governos, em exercícios, sem aviso prévio, enchendo mares, calcorreando estradas, voando pelos ares, simulando o terror, fazendo-se salvadores de males maiores, relativizando o perigo e esquecendo o passado de Hiroshima e Nagasaki, e da actual Central Nuclear Fukushima cujo o acidente nuclear de grau elevadíssimo, cujos resíduos a deslocar para o alto mar, que podem pôr em causa a natureza e a vida das pessoas. Acredito na ciência que aprende com a natureza e nos ajuda, a com ela evoluirmos, mas não quando está contra ela e ao serviço de fins inconfessáveis. Também o medo terá de se ir. Só poderei dizer: não temo a morte, se me tiram o prazer de viver.

dc

 

     6. Apelar para as emoções
     As mensagens que são projetadas a partir do poder não têm como objetivo a mente reflexiva das pessoas. O que eles procuram principalmente é gerar emoções e atingir o inconsciente dos indivíduos. Por isso, muitas dessas mensagens são cheias de emoção.

     As terríveis 10 estratégias de manipulação massiva, reveladas por Noam Chomsky

     020-11-09

        A absoluta contaminação mediática pelas informações (e desinformações) associadas   à COVID-19, alimentando o clima de pânico entre as populações, tem ainda outro efeito perverso: omite às mesmas populações outras situações igualmente graves e que têm todo o direito a conhecer. Uma delas é a escandalosa decisão do governo do  Japão e da empresa que gere a central nuclear de Fukuxima de lançar no mar mais de um milhão de toneladas de águas radioactivas originárias dos reactores fundidos na catástrofe de 2011. Águas que entrarão na cadeia alimentar de milhões e milhões de  pessoas. Um acto criminoso que apenas engrossa essa pandemia esquecida: a de índole nuclear –civil e militar.

        Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

 

 


quarta-feira, 23 de junho de 2021

Ninguém sabia...

 


.... quem era ela, nem ela sabia que ele a queria a ela, nem mesmo ele sabia muito bem, porquê ela. Ele queria dela, as mãos no seu rosto, os seus olhos dentro dos seus, as carícias das mãos dela, os beijos dela, todos seus. Ela existia em alguém à sua espera, como ele à espera dela, para se encontrarem nas circunstâncias de cada um, nas exigências em comum, no dois em um, ultrapassando obstáculos, quebrando arestas, passando nas mais estreitas frestas, neste nosso mundo diverso. Todos os dias ele procurava, o seu amor quase perfeito, adentrando olhos nos olhos, absorvendo o perfume do ar, observando o vestir e o jeito de andar no cruzar das ruas, no limiar dos passeios, entre o ruído da multidão, entre as sombras na escuridão. Acontecia que na rua, ao nela circular, por vezes, era tal a intensidade do seu pensar, que se surpreendia de não a encontrar e a poder abraçar. Nunca foram cachorros perdidos nas ruas, correndo a mitigar o cio, nem necessitados de edital colado ou agrafado em sítios variados, sabia que mais dia menos dia iria tropeçar, naquilo que os aproximaria. Sem recorrer aos mecanismos da modernidade, acreditou sempre que aquele sentimento tão profundo, dentro de si, teria de sair para o acontecer, sem procura ou anúncio a colocar. Talvez um sorriso, um acontecimento banal, fosse a porta para tudo se iniciar, e depois, muito mais a conversar, tocar e aprofundar, num melhor interpretar onde cada um queria chegar.

dc

Para trazeres seja o que for para a tua vida, imagina que já lá está
Richard Bach – Pontes Para Eternidade

  

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Na encruzilhada....


.... perversa da sua existência, os sinais se repetem e o medo da frustração, levanta barreiras e cria um impasse, na já difícil tomada de decisões. É a tal estória; queremos e não podemos, ou podemos e não queremos, sempre encontramos ou inventamos obstáculos para manter o nosso individualismo e não abrir as portas do que somos. A vontade de começar algo de novo e diferente é intensa, mas logo se esmorece, pela preguiça mental e comodismo individual, que se recusa a aceitar, que nem juntos os pauzinhos, são suficientes para construir um lugar para que a serenidade se evidencie e valha a pena acontecer. Na realidade nem repara que a imagem do seu reflexo, é vazia e incolor, e tira o brilho das coisas, que dentro de si elaboradas, pretendiam melhor destino. As desculpas são muitas e a oportunidade deixa de ser, afastam-se as perspectivas e antes de tudo começar, já findou. Esquece, que o que se passa na sua vida, é o resultado das suas escolhas e de acreditar, ou não, na sua própria capacidade de atrair e ajudar a que as coisas boas aconteçam e se realizem. E assim, é como um sonho que não se realiza ficando na beirada da consciência.

dc

 


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Esperar é ganhar(?) tempo



Encurtam-se-lhe as palavras, não fluem, travam pela falta de ligação. O vocabulário, é insuficiente, para efabular e transformar o texto em algo criativo que valha a pena ler. Tem vezes, que o discurso parece pronto para as falas, mas algo estranho, faz-lhe esquecer a ligação e o sentido. A voz some-se quando devia expressar-se, a escrita é ilegível, uma afasia doentia, troca os sentidos. Talvez o temor de ao escrever se desnudar perante os outros, revelando a personagem real, que é a sua “cara” ou a forma como percebe o mundo em volta, fora dos interesses materiais. Precisa de manter alguma da sua intimidade, emocional e fugir dos padrões comuns dos tempos modernos e digitais que tudo se diz, onde tudo se revela, tudo faz a notícia acontecer. Não fazer uma “selfie“ escrita, evitando o bullying mundano. Reservar-se ao silêncio, guardar a fortaleza que é o seu espaço de estar. Esperar é uma forma artificial de ganhar tempo para que a esperança se realize.

 

dc


sábado, 29 de maio de 2021

Uma estória de silêncio

Quando se conheceram, já as rugas mapeavam o seu rosto e a maquilhagem era insuficiente para o esconder. As coxas já começavam a ficar roliças e pesadas, contrastando com o peito débil encimando o corpo. Coisa pouca, perante o seu sorriso atrevido, o brilho dos olhos, cor de mar, o veludo da sua voz e aquele perfume do seu corpo. “Pode-se dar tudo a uma mulher, menos a idade”. Tudo nela ultrapassava o tempo, trazendo para o presente a vivência duma navegação à vista em mar ondulante de delícias, e sonhos de voos errantes, entre nuvens, sem destino. Na realidade parecia uma flor que se não deixava morrer pelo estio, ou qualquer outra estação. Aparentemente frágil, tinha expressões, físicas e faladas, de segurança e firmeza na realização dos seus desejos e vontades. Com inteligência, verdade seja dita, usava o sorriso e a voz quente, encaminhando as coisas para satisfação das suas vontades. Tinha um discurso reduzido, pouca capacidade de partilhar intimidades, de dividir razões, ou conversar sobre hipóteses nunca antes, por si, elaboradas. A aventura nela só tinha um caminho, a descoberta do amor que queria. Como toda a rosa tem espinhos, ela não era fácil, tinha de ser seduzida todos os dias. A sua rebeldia, provocava insegurança e dúvida, assim mantinha o seu amado, sempre na expectativa de que, um dia, tudo poderia dar certo. Era confuso, para os de fora, perceber como se apaixonaram e evidenciaram momentos tão ricos de emoção, durante longo tempo. Na verdade, durou o tempo necessário da realização total do puzzle, as peças, desiguais, se encaixaram na reentrância, ou saliência de uma e outras, desenhando a imagem final. O amar, acontece, sem haver uma fórmula para dar certo, ou que explique que ambos se completam pela semelhança, ou pela diferença. É bem provável, tenha sido a procura de encaixar as diferenças, a motivação para se manterem, mesmo quando a distância ia provocando estragos.

De repente o silêncio, o orgulho sobrepôs-se, travando a iniciativa da descoberta do seu significado. Faltou maturidade para o aceitar e incapacidade para avaliar e interpretar a importância que ali assumia. Esperar, sem perceber a mensagem subliminar, é matar o que ainda estava vivo e, assim, possível fecho de um ciclo. Sendo o silêncio a sua praia, com ele se encontrava e reencontrava, sabia também que era melhor que o vazio, o silêncio era reflexão, espera, acção sem palavras, ou gestos, era um intervalo de preparação para o acontecer. Não era o vazio, era só ausência, o vazio seria mais, o nada, a inexistência de si próprio, as emoções no limbo. Há muito aprendera que tudo tem um princípio e um fim; no início tudo se diz e se faz, tudo alimenta o prazer da descoberta, para que o romance se escreva, sem falas perdidas. O fim traz a dor e alguém se pode machucar, isso torna as coisas difíceis. Nesse momento, faltam-nos as palavras para expressar o que sentimos, perde-se o discurso, as palavras, não se tornam falas e morrem no pensamento. Fica impossível avaliar os factos da rotura, porque a dor se sobrepõe ao demais.

 

dc


segunda-feira, 10 de maio de 2021

A imagem desfocada


Em determinado momento descobrimos, que a memória de alguém outrora importante nas nossas vidas, ficou reduzida a um rosto, tudo o mais, já se diluiu nos interstícios daquilo que fomos acumulando, como conhecimento físico, ou das emoções que percorrem a pele e se dispersam em milhares de terminações nervosas. Na imagem desfocada da memória os traços evidentes foram-se esfumando; os seus lábios, a cor dos seus olhos, o realce e forma das pestanas e sobrancelhas, os fios de cabelo, castanho-claro, esfumam-se no emoldurar do rosto, a delicadeza do seu nariz, em contraste com as maças do rosto, suaves e rosadas de outrora têm um desenho difuso. É um rosto que funciona de forma subliminar, que vai perdendo a capacidade de se evidenciar no meio de muitos outros que circulam ao seu redor, perdendo a clareza da forma, para se distinguir, dos demais; é uma imagem suavizada quase sépia de uma beleza estranha, que evoca tristezas e ausências, sem a consciência do porquê. Possivelmente, aquele rosto trouxe-o dos sonhos, numa última tentativa de resistência, à perda definitiva, caso contrário lembrar-se-ia dele com maior rigor e definição, assim como do corpo e outras coisas partilhadas, que estavam ligadas ao passado.

dc



sábado, 8 de maio de 2021

A ver o rio

 

 

Cheguei e passeei-me pela beira rio, depois sentei-me e fiquei silenciosamente, observando os praticantes de exercício físico de fim de semana e de todos os dias, os passeantes, a sós, de mão dada, ou lado a lado conversando, e os que simplesmente, como eu, sentados, eram companheiros de partilha daquelas imagens, que se sucediam como um filme aos nossos olhos. Quanto a mim, fui seduzido pelas crianças na sua algazarra alegre, brinquei com eles nos baloiços, pesquei à cana, voei com as gaivotas, naveguei com os pequenos barcos de recreio, vibrei com a brisa que vinha do mar, banhei-me de sol e alonguei-me no horizonte que me trazia a outra margem fervilhando de movimento e cor. Uma certa leveza se foi apoderando de mim, fazendo-me esquecer das máscaras incómodas, o medo que ainda se sente, nos olhos escondidos nas olheiras profundas, nos desvios de trajectória ao cruzar dos caminhos. Fui para onde o pensamento me quis levar e quase me esqueci, que o tempo passava e tinha de regressar. O espanto da situação deixa-nos aturdidos, não sabemos se vivemos, ou se sonhamos, temporariamente ficamos fora do chão e uma paz interior se instala e um prazer estranho nos faz sorrir e caminhar de regresso, ao velho mundo que habitamos, com energia renovada.

dc