sábado, 6 de dezembro de 2025

Sabendo o impossível


Sabendo o impossível, mais difícil é poder revelar, o que dentro se desfaz todos os dias. Gostaria que fossemos mais do que um olá. Que nos pudéssemos ver e conversar, que não estivéssemos tão longe um do outro, não pela distância, mas pelo tempo que cada um tem para usar aproveitando para se abrir ao conhecimento. Não é preocupação, se a tua atenção se prende na minha figura, ou forma de estar, porque amar pode existir mesmo, que só de um lado, no segredo daquilo que no outro motiva. Amar, pode ser também a capacidade, de deixar que o outro possa ser feliz com as opções que faz. Diariamente confronto-me com as tuas frases, que pretendem ser mensagem, mas são demasiado abrangentes, ou ambíguas, para que entenda o teu querer e quais os objectivos desse fraseado. Por vezes sorris e respondes, outras vezes, ficas longe como se não existisse quem te escuta, ou lê. Tento entender nesta modernidade, mais propriamente estas tecnologias de comunicação, em que o importante é nos mostrarmos como se fossemos pessoas felizes. Na verdade, são infindas as situações em que a fachada, é só a cara da casa reconstruída por dentro, ou que esconde as ruínas do coração dilacerado por emoções várias.

 

dc

 

sábado, 29 de novembro de 2025

Nem sempre o humor é fácil

Nesse vazio de gargalhada plástica, de frases incoerentes, imagens disparatadas semelhando humanos, a música vai mediando, entre os pensamentos desconexos e a realidade que magoa e traça sulcos, nesses diferentes caminhos, onde o sangue corre nas veias e atinge o alvo. Raciocínio absurdo, porque não? A vida tem momentos tão absurdos, que nos faz ignorar perguntas, com medo da dureza das respostas. Nem sempre o humor é fácil, se fosse teria de vir acompanhado de cinismo, para poder dizer sem receio de magoar. O sorriso, ou a gargalhada esperta no comum, vem de ferir o outro, que não se apercebe da sua insuficiência e é motivo da piada fácil. Quase sempre esse humor fácil é fruto de um cinismo e ignorância. É uma história, fruto da escorregadela na casca de banana, ou da inocência de quem se revela perante o outro. A imagem, é o enquadramento de cena onde ele ganha os sorrisos alheios. Sim, aprecio muito mais o sorriso simples de quem nada teme, que não se gasta em gargalhadas de fácil cometimento. Sim, algo que sai de dentro, aquela a alegria que fluí do prazer de estar e viver o momento presente, mesmo que só, como aquela imagem brincalhona do gato, desfazendo o rolo de papel higiénico, ou espreitando com a curiosidade de quem se diverte, ou ainda da possível distração, de escovamos o cabelo com a escova de dentes, como espectadores do insólito.
Tudo, assim escrito, porque sendo sábado eu sorrio, agarrando a hipótese talvez ridícula de que um dia será possível, que o prazer do sorriso inocente, livre, sem constrangimentos, aconteça sem que não sejamos um avatar que quis esconder a realidade.

dc


domingo, 23 de novembro de 2025

Olho sem ver, leio sem ter letras


Sei que risco e desarrisco, correndo o risco de nunca acertar, mas que hei de eu fazer, se até tenho receio de começar. A página de papel, em branco, implica a escolha do que escrever, as letras a desenhar, a criatividade do gesto, o cheiro do papel e da tinta nas letras a escorregar. Por fim, palavras alinhadas, pensamentos desalinhados, como possibilidade. As palavras dizem, expressam(?) o que parece certo, e encontram-se alinhadas como se tudo convergisse, mas os pensamentos se contradizem, e nesse caminho do certo ou errado, tudo é desconcerto. Na verdade, penso que posso dizer-te o que penso, dizer-te, amo-te de modo intenso, com as palavras certas. Pode não ser ideia acertada, que perturbe o teu caminho, quando muito tens para andar. Eu, pelo contrário, caminho decrescendo, vou-me afundando diminuindo o tempo, para aqui restar. Nascemos distantes no tempo, em cidades equidistantes, no entanto, próximos no entendimento, ou se calhar nem isso, porque amar é um sentimento sem explicações datadas no tempo, é um lugar de dois, que é, ou será, bom enquanto durar.
Então em que ficamos, como dar o primeiro passo além da escrita. Não me quero calar. Não dizer, é ficar sem saber, se foi errado, ou não, se nem sequer começamos a dizer o que cada um pensa. Volto ao princípio, risco e desarrisco, esmago folhas de papel, escolho nova caneta, até penso usar um pincel, que em tempos usava para desenhar letra, apreciando as cores à mão na paleta, do mesmo modo, assim ia desdobrando, entre pensamento e objecto no decorrer da execução, fosse em tela ou cartão, esperando que a resposta fosse dada pelo coração. Fico por aqui, neste texto com este sarilho, que nem sei resolver, tanto o que me adentra consome. Olho sem ver, leio sem ter letras, e penso sem parar no que tenho que riscar e arriscar.

dc


domingo, 9 de novembro de 2025

Arrisquemos

 

Sim, as lágrimas correm-lhe dos olhos, mas é no interior do seu peito que elas nascem. É ali onde elas se laboram, trazendo mágoa e tristeza. O mundo se derrete na mão dos poderosos e a gente humilde, planta-lhes aceitação fazendo-os mais fortes, tal a aprendizagem que a ignorância lhes permite. Tornam-se apolíticos porque se julgam incapazes de saber dizer, de si. Aceitam fácil, a vozearia dos farsantes, engravatados, e deliciam-se com o seu falar bonito, mesmo usando palavras que mal conhecem, em promessas dum futuro que anseiam, mas dificilmente se cumprirá. Acreditam, porque é mais fácil fugir do confronto, com quem os esmaga e explora. Sentem-se ignorantes incapazes de discurso, por inconsciência do quanto seria suficiente dizer-lhes da fome que os corrói, das casas miseráveis onde vivem, do embrutecimento, da falta de formação e cultura a que são devotados, não aceitando o engano de que o mundo de hoje é outro, que temos de estar a par da modernidade, das tecnologias e têm de se adaptar, como se hoje a exploração dos seres humanos, não tivesse requintes, tão, ou mais graves do que no passado. Sim, ele tinha de ficar triste, por saber que muitos no seio do povo, ainda acreditam que pôr uma cruz num papel e colocá-lo numa urna é suficiente para mudar o mundo onde vivem. Desconhecem, ou tentam não pensar, que os que, inventaram o uso do papel e da urna, são os mesmos que os enterram, na miséria dos dias e que os convencem que não há alternativa, desmobilizando-os, da sua força e capacidade para mudar o mundo, nas lutas e na conquista da rua, como palco do seu descontentamento. Temem os vermelhos e apresentam-lhes os laranjas, mas malaguetas vermelhas e picantes, não enganam e dão melhor sabor aos comeres, no entanto, as laranjas na sua cor vistosa, nem sempre são doces. Somos o povo que tudo conquista na amarra, porque nada lhes é dado, mesmo o que é seu por direito. O povo tem de confiar, pois, até o girassol de cor amarela e brilhante contém no meio o preto, onde se alojam as sementes, que trazem o futuro. Arrisquemos, onde nunca o fizemos por medo, temos do nosso lado a razão, para enfrentarmos essa gente, que sempre fez do povo o seu “putedo”.

 

dc

domingo, 12 de outubro de 2025

Não sobrecarregues o teu silêncio...


Não sobrecarregues o teu silêncio, experiencia-o e apreende, ele existe na construção do que és. Tudo o que ele começa por aportar, no correr da sua existência, vai-se diluindo, torna-se meditativo, preenchido por ideias e imagens, que não param no tempo, mas vão evoluindo de um ponto a outro, trazendo novas energias e melhores perspectivas. Escolhemos o silêncio, como necessidade intrínseca do próprio sujeito, ou como resposta de circunstância. Pode ser um silêncio a sós, ou, acompanhado, e neste último caso, é importante que exista espaço e respeito mútuo, entre quem o pratica e com quem se partilha, mais do que silêncio.

dc

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Um sorriso, além das palavras


Pensava ele. Não ignoro o seu sorriso, seria impossível, ele é uma brisa que chega para refrescar a canseira dos dias. É verdade que não o manifesto, que o vivo em segredo. Quando ele surge, na moldura do seu rosto, fico-me pelo silêncio deliciando-me com a sua leveza, com as linhas que o desenham na tua boca, com a doçura com que adentra em mim. Dizem, os artistas, os filósofos, os criadores, e muitos outros pensadores, que o amor não é, só palavras ricas de significado, é a disponibilidade para com o outro em diferentes circunstâncias da vida, na alegria que traz, no abraço prolongado que aconchega, na sua cultura, singeleza, beleza da alma, tantas e variadas emoções e razões. São eles que falam, quase sempre, menosprezando a materialidade do corpo no surgir de tais sentimentos. Talvez tenham razão. Para mim, tudo bem, é possível que alguém pense desse modo, mas não estou convencido. Não fosse aquele seu sorriso, a porta de entrada para o todo que representa, o resto seria insuficiente para chegar até mim, ele fala de dela, sem pronunciar qualquer palavra, ele é um dom raro de humana criatura. Aquele seu sorriso, foi o ponto de partida para a minha atenção, razão do meu entusiasmo de partir à descoberta, de todo o resto, que dizem, estar mais além do que é físico. Talvez tenham sido esses pensamentos, que o seu sorriso me desperta, que agora ao chegar da noite, com a chuva derrubando o silêncio, no seu cantarolar costumeiro a derramar-se sobre a terra, me sugeriu que a vida é construída, no meio de estações de tempo e de experiências. O seu sorriso, chegou como verão inesperado e tem-se mantido. Agora, que foi batizado pela chuva que anuncia, que o outono está à porta, fica-me a esperança de que se manterá na órbita do meu espaço, na sucessão das estações, evitando que o meu se definhe, pela sua ausência. É bom saber dela, seja na noite que chega, ou no dia que se inicia, com um sorriso que fala além das palavras.

dc



 

 

 

 

 

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Na moite escura


Na noite escura, o silêncio se apresenta, alvoraça o meu dormir e traz-me o acordar. É o espanto, é o vazio dum não existir, é um olhar fora do corpo, é um respirar paralisado, um espaço de tempo de ausência, com o suor e o calor do corpo assenhorando-se dos lençóis. A energia está lá, sem escala convencional fazendo afluir o sangue aos pensamentos e ao registo da caixa preta das memórias, trazendo-o da zona de morte do sono interrompido. Só eu sei do silêncio. Não há rastro de actividade, nem ruído. Aguardo no escuro, sem me atrever a abrir os olhos. Evito saber se é um sonho de desconcerto, ou uma realidade que me absorve sem permissão. Forço-me a abrir os olhos, e resulta num pestanejar de milésimos, onde entrecorrem múltiplas estórias, logo esquecidas.
A beira da cama, é lugar de ficar em perturbado raciocínio. Esticar os braços para o alto, sem crença em Deus a que apelar, é tentar a estabilidade, fugir da depressão, da raiva dos dias. A cabeça não se eleva, carrega a vergonha dum humano. Cheira a morte, lá longe, de crianças, mulheres e homens, que de braços estendidos, mãos em desespero buscam o pão e arriscam uma bala assassina. As lágrimas afloram os olhos, o sono mal acontecido traz a mágoa, a impotência, a angústia de como superar este inferno, este caos premeditado, trazido à sociedade.

O palhaço, que desonra quem o faz profissão circense, com máscara sua arrogante, ameaça todo o mundo, com voz de falsete, trazendo um sorriso amarelo aos submissos temerosos de desagradar. Procura colocar na sombra, a ignomínia dos seus actos de outrora. Usa o velho tempero, dos antecessores, para esconder a realidade, trazida pelo ricaço enforcado. Cria outra sombra, em proposta de Riviera de Luxo, sobre cadáveres inocentes.
Tombo-me sobre os lençóis, em peso morto, no desconforto de nada fazer, nem mesmo elevar a voz, ou mostrar a vergonha covarde de assistir sem me mexer.

 

dc

 

 

 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Um "nós" por DesAtar

Nem sempre falo, muito menos escrevo, da nossa estória vivida de norte a sul, e tenho saudades de teu chamego. Num suspiro solto, olho o céu azul, lembro as palavras doces em sossego, que nem as nuvens se atreviam a quebrar na rotina do enlevo. Na superfície curva mais além, no horizonte, os olhos se pousam e entre nós, respira o verbo amar, no trocar de discurso dos amantes sobre o carregado fundo azul. As nuvens são fáceis de volatilizar da nossa paisagem, não as queremos a perturbar-nos, sem lamento o vento as vai levar.

A verdade, é que não sei desatar este “nós”, que ficou ao longo do tempo travando, o desenlace.

dc

 

 

 

segunda-feira, 9 de junho de 2025

SobrePosição

A vida também é um cruzeiro, mas não de além-mar, é um caminho pela terra, onde também se pode navegar, ou naufragar. Criam-se expectativas, sonha-se o seu mar e todos os portos onde ficar. A terra que queremos ver, o povo do seu lugar, a companhia com que levamos e queremos amar. Toda a descoberta, é um caminho a crescer dentro de nós, a mente, sem esforço, apreende esse modo de estar, tem imagens gravadas, na memória de futuros no momento de recordar.
A impaciência, a imperiosa exigência, de antes o mar para navegar, não condiz com a vida, que na terra, nem o sonho deixa pensar. A vontade pode ser muita de cortar horizontes, mas a vida não é uma permuta, nem profícua em ingredientes, dando-nos a esse luxo. Temos de ter os pés bem assentes em terreno seguro, porque voar sem estratégia de como pousar, pode ser como um astronauta, na lua sem pousar.

 

dc

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Às vezes acontece

 

A chuva batia, com força, contra os vidros, trazida pelo vento, como se estivéssemos em pleno inverno. Chuva, vento e frio, tempo ideal para aproveitar, para descansar.

Na cama permanece o calor dos corpos, que durante noite deram espaço e desvelo, aos desejos e instintos, ficando sadiamente reconfortados.

Na véspera, ela tinha chegado de avião, após uma viagem de mais de dez horas.


Ele tinha ido ao aeroporto, esperar a sua chegada. O seu rosto vinha marcado pelo cansaço, mas não o suficiente para que os seus lindos olhos, cor de esmeralda, perdessem o seu brilho, nem que o seu sorriso, deixasse de desenhar a sua boca carnuda, pintada com batom vermelho. Reparei nas suas calças e blusa, que embora simples, davam-lhe elegância e juventude. Eu estava, vestido em modo desportivo, polo e calças de ganga, e um ramo de flores com cheiro de primavera. Quando os nossos olhares se cruzaram e o reconhecimento foi feito, a mala que empurrava, assim como o casaco, foram largados, enquanto aceleravam o passo dirigindo-se um ao encontro do outro, até se abraçarem. Ele, eufórico, elevava-a no ar expressando o seu entusiasmo, beijando-se, pela primeira vez. A doideira concretizara-se, afinal não fora tempo perdido, algo acontecera que os fizera juntar-se, mesmo quando tudo parecia ser impossível.

Depois de um jantar simples, em lugar agradável, conversaram sem tempo, desatando nós, que pudessem trazer qualquer percalço, naquilo a que se propunham. Olhares se adentrando, à descoberta do que os animava, como se quisessem confirmar, quanto era real. Os dedos, mutuamente tocando as faces, como que desenhando e memorizando todos os pormenores e a tepidez da pele. O cabelo comprido dela, solto sobre os ombros, realçava-lhe o formato do rosto, belo, determinado, mostrando a alegria de estar ali. Os lábios eram macios, quentes, o seu beijo sabia bem.
Ao saírem traziam consigo o calor do ambiente vivido; não havia, como não confessar o efeito dum vinho generoso, que acompanhara a refeição.

A viagem até a casa tinha uma pressa desajustada, para quem quer registar e viver tudo em pormenor, mas havia a urgência, de estarem juntos em lugar mais discreto, onde pudessem estar à vontade, em intimidade.
Foi uma noite, onde não há palavras que a expliquem, as únicas palavras soltas, foram trocadas em momentos, onde os corpos falaram, as carícias se duplicaram até o prazer chegar, em plena realização dos sentidos.

O cansaço baixou-lhes a pálpebras, como persianas que tiram o sol dos olhos, o diálogo foi-se diluindo com as palavras se enrolando. Adormeceram abraçados, respirando pausadamente e sentido o cheiro adocicado dos corpos. O sono seria o complemento da certeza de que uma nova estória se estava escrevendo nas suas vidas.

A chuva fazia-se sentir....medo de abrir os olhos...temia que tivesse sido somente um sonho, do qual não queria acordar...

dc


sexta-feira, 23 de maio de 2025

Quem não queria...

 

Via o tempo a passar. Onde estava o tal amor indescritível de estória de filme, que ela desejava viver. Tinha esse sonho desenhado em imagens e pormenorizado, em todos os seus passos. Diziam-lhe: “o amor está dentro de nós”, mas, na verdade, não pensava assim, era fora de si que ele seria encontrado, e depois transportado para dentro. Na sua mente e na sua sensibilidade, convencera-se que só sentiria esse verdadeiro amor, quando um alguém especial lhe desse um abanão. Só assim acreditaria, ou saberia se ele estava dentro de si. Adorava os silêncios que sombreavam os dias, que lhe permitem pensar e olhar com alguma distância para o que a rodeia, no entanto, gostaria muito mais que esses silêncios fossem acompanhados por um coração vibrando com o seu, em sintonia. Vivenciar, de mãos dadas, com a energia desse sentimento, que adivinha, a faria tremer por dentro e arriscando, sem saber nem avaliar, o que de bom ou mau pudesse acontecer, sem preocupação com futuros.
Tantas vezes dava por si, olhando as mãos, imaginando a corrente de energia que poderia passar delas para outras que a elas se colariam, de dedos entrelaçados, como gavinhas no arame de suporte, ambos desfrutando o pôr-do-sol de um fim da tarde, sentindo afagos, beijos molhados e palavras ditas com o olhar...e o tempo a passar.

 

dc

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Dar um tempo

 

O tempo não se dá, essa é uma ideia que morre, mal se pensa que se pode dar tempo. Traz desde logo, em si, julgamento, em relação ao momento, por insuficiente, demasiado, perdido, tudo isso, mesmo sem saber em relação a quê, e porquê? Afinal que tempo se dá, se interrompemos o tempo, que só existe no conhecimento, ou reconhecimento, da sua presença. Na realidade dar um tempo, é uma forma subtil, de fugir à responsabilidade do que se assumiu, ou não assumiu, de analisar, ou não analisar, talvez até, fugir à oportunidade de esclarecer, das vantagens, ou desvantagens, de “perder” ou “ganhar” tempo, ou o que implica essa decisão. Se dar tempo, tem como objectivo a qualidade de viver o tempo, desperdiça-lo é impedir de viver e aproveitar todos os milésimos de tempo presente, antes de ser passado.

Dar um tempo, será uma afirmação inconsequente, cujo o efeito, à partida é uma objeção, baseada no medo, nas circunstâncias sentidas e vividas, impondo o facto consumado, a um desentendimento, ou instabilidade emocional, no presente, com consequências no futuro próximo.

dc


domingo, 11 de maio de 2025

Porque a vida acontece.

 

Começou com um quero, com a força, dos sorrisos carregados de promessas, que se perderam fáceis de sentido, perante um simples grão de areia, trazido pelo vento no seu correr.
Foram pouco mais de setenta e duas horas, debruadas de palavras de encanto, criando cenários, colados num poderoso sentimento positivo, resumindo tudo, na força do eu quero(!) desenhando horizontes. Setenta e duas horas passaram até que o grão de areia, invadisse a consciência, e tomando-se de razão, impediu, a viagem ao LuAr em alto mar.
Desfeitas as perspectivas, que aquele mísero grão de areia interrompera, a única coisa que restava, era regressar à terra e não deixar que o fracasso do empreendimento, deixasse marca. Caminhar, seria o modo de procurar acalmar e encontrar respostas. Podia distrair-se olhando em volta, fixar-se em pequenos pormenores, esquecidos no comum dos dias. Entendera necessário, esse ir sem destino, para que a manhã se alongasse, afastando de si o fracasso da viagem e os seus fantasmas. Assim, o pensamento vagueava, sem se fixar demasiado na dor fininha, que adentrava bem fundo. Os pés pareciam fluir, de um passo ao outro, com firmeza, mantendo o equilíbrio do corpo, pronto a enfrentar o vendaval de agitada loucura e emoções. Sentia-se um monge de Shaolin, deslizando os pés sobre a folha de arroz, sem deixar rasto. Queria ser invisível, ao outro mundo que circulava perto, ganhando tempo e espaço para perceber, que ainda há a pessoas que acreditam no ser humano, nos seus erros e acertos, alegrias e tristezas, sem desistirem fácil do seu, quero, como desejo, como força de vida.
Porque a vida acontece.

dc

 


sexta-feira, 9 de maio de 2025

Ao primeiro acordar


A memória atraiçoa-me. Coisas boas ocorrem-me, encho o peito, a vontade de expressá-las em voz alta é enorme, no entanto, fogem-me as palavras, e pela boca, saem ruídos desconexos que ficam longe de expressar o que sinto, longe do que eu gostaria e deveriam ser.

O que dizer, do que sentia, ou explicar a doideira do que aconteceu, naquela conversa, que não era pensada interromper. Na aparência, as frases pareciam banais, o vocabulário, não fora escolhido, além do que seria normal(?), mas, suficiente libertador de pensamentos diversos, dúvidas sem resposta, descoberta de sentido das coisas, que agitavam as borboletas. Na verdade, tudo se foi desdobrando e ampliando, com as palavras, dizendo mais, nas entrelinhas, do que o sentido comum, colorindo sentimentos, vidas, sorrisos, mimetismo de sentires. Sem querer, foram colando as frases. No fim das falas de um, o começo das do outro, não havendo lugar a qualquer raciocínio consciente, que lhe tirasse a espontaneidade. A ânsia de dizer, antes que o sentir se perdesse, prevaleceu sobre o que foi escrito, sem julgar a justeza das palavras. O tempo decorreu, não havendo percepção da sua duração. Tanto foi dito, que o espanto, ficou adentrando, pela noite, até ao primeiro acordar, surgido do nada, que trouxe a insónia. O seu sorriso alimentava o sonho, e quase o via existir do outro lado. O primeiro pensamento do dia, trouxe-lhe à memória, o sorriso, e os óculos brilhantes onde se escondia o mundo, que tanto queria descobrir. E pensava: que seja bom enquanto dura, e que seja eterno.

dc

segunda-feira, 17 de março de 2025

Preso no horizonte

 

Resto, imóvel, preso no horizonte, onde aguardo o surgir. Medito, não sei, é uma letargia estranha que me atravessa, é um daqueles momentos em que há posteriori, dizemos que foram segundos, onde milhares de pensamentos ocorrem.

Sinto-me parado no tempo, isolado do mundano. Sinto-me água, brisa, cheiro, a ganhar alento, neste encontrar-me bem por dentro, bem no fundo. É incrível este sentir, que me liga à natureza, e me faz sentir ínfimo, perante a sua grandeza. Os meus problemas existênciais, são variados, no entanto, não tão graves, comparados com os demais, do mundo que me rodeia. Ladeado pelo mar de um lado e as árvores do outro, escolho a leveza da alma lavada, deixo a mente navegar sem amarras, livre para avançar na descoberta desse desconhecido, que tantas vezes o medo condiciona. Sem caminho, sem percurso destinado, ou a estabelecer, sinto uma energia e vontade que me torna capaz de recomeçar num qualquer outro lugar.

As gaivotas rareiam, sobre o mar calmo, os pássaros no seu voar chilreiam, como ensaiado coro, tudo combinado em baixa sonoridade. Da brisa, as árvores estremecem, num arrepiar de prazer, o ar traz-me o cheiro da terra, que se mistura a intervalos com o da maresia. Tudo é sereno neste meu estar. Não sei se o mundo finou, ou se fui eu que me isolei o suficiente. Na verdade, viverei do sol enquanto ele existir. Reconhecerei o vazio sem medo de o viver. Aquilo a que chamam civilização, não é um lugar de agrado, é somente onde me despejaram sem me consultarem, onde me emparedaram, com leis e absurdos, de mentes perversas que pensaram por mim, sem saber de mim, como se a natureza já não fosse suficiente para me fazer crescer limpo de invejas, materialidades e muitas outras coisas desnecessárias. Por vezes, temos de deixar de ser, para renascermos com outro espírito, com mais capacidade e resistência para sermos nós.

 

dc


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Dia de São Valentim..talvez

Chegou na esplanada e sentou-se numa das várias mesas. Levantei a cabeça, olhei de relance e vi-a. Cabelos com madeixas, loiro e castanho-claro, esvoaçando, um sorriso bonito com um trejeito meio irónico. Os olhos eram grandes, esverdeados, desafiadores, quase falavam. Tentei regressar à leitura, mas não consegui, aquele rosto, pairava na minha mente. Já vira aquele rosto e aqueles olhos em um outro lugar. Tirei os olhos do livro e observei-a, agora com mais atenção, num fogacho fez-se luz. Aqueles olhos e aquele rosto, tinham-me ficado na retina uns dias antes, quando subindo as escadas para o meu apartamento, no regresso do ginásio, deparei-me com ela varrendo as escadas. Ao ver-me, para eu passar, parou o que fazia, olhou-me com aqueles dois lagos, como se quisesse que neles mergulhasse. Tal foi a intensidade daquele olhar, que o retive durante o tempo em que tomava o duche e prolongou-se até este momento tomando café na esplanada. Procurei voltar à leitura, quando ouço uma cadeira a arrastar-se, e, julgando eu ser a da mesa ao lado, elevo os olhos e vejo-a, a sentar-se na minha mesa e ficar em silêncio, mantendo o sorriso. Ficamos os dois calados, os nossos olhos se fixando, um no outro, descobrindo o insólito da situação. As palavras não surgiam, a boca estava seca, as mãos quase largaram o livro, entretanto ela cruzava as pernas, que se pressentia debaixo das calças justas, serem exuberantes. Ali estava ela como se fosse algo normal sentar-se à minha mesa. Não resisti, não interrompi o mutismo dos dois, mas ganhei coragem, levantei-me, coloquei suavemente, mas com firmeza, a minha mão sobre a dela e procurei que se levantasse. Sem trocarmos uma palavra, somente as mãos se deram, ela seguiu-me sem questionar.
O meu apartamento ficava a pouca distância e para lá me dirigi. Enquanto caminhávamos ia observando o seu perfil elegante, pernas compridas numas calças de ginástica, justas, um top branco que deixava ver uma parte da barriga lisa. No seu rosto, não havia qualquer vestígio de tensão, na sua boca o sorriso acompanhava a ironia que se via no fundo dos olhos. Abri a porta de acesso às escadas, parei no hall de entrada, virei-a para mim, olhando-a bem dentro dos seus olhos, beijei-a, sentindo os seus lábios macios, quentes e ligeiramente molhados. Foi como se o mundo tivesse parado naquele instante e tudo o que nos envolvia desaparecesse, éramos só nós. Uma eternidade depois, recuperamos a ideia de subir as escadas. Coloquei a minha mão nas suas costas e enquanto subimos as escadas, íamos fazendo paragens para nos beijarmos e nos tocarmos, como dois amantes generosos a usufruir ao segundo. Abri a porta, entramos de roldão no apartamento e ela sem hesitar deixou-se ir, como se dona da casa fosse. Espantava-me o seu silêncio, o sorriso, agora interrogativo, mantinha-se na boca entreaberta, onde o batom quase desaparecera, e o seu olhar de água ficara mais intenso, como se lesse as minhas intenções. Aos tropeções, as peças de roupa voando em todas as direcções, estatelámo-nos na cama, ainda por fazer, do meu quarto. Começamos a sinfonia de outono, inverno, primavera e o estralejar da consumação do calor de verão. Não houve palavras, que pudessem ser registadas, nenhum de nós estava capaz de o fazer, mesmo nos ouvindo, sentíamos a urgência dos corpos se doarem. A sua boca era doce, tinha um hálito quente, que se sentia na agitação da língua, enquanto as mãos faziam conversa, procurando as palavras sobre a pele dos corpos, o seu rosto ia mudando de expressão a cada momento, do espanto ao gozo.
Não sei o tempo que decorreu até sossegarmos e sentir a sua cabeça sobre o meu peito e os seus lábios roçando a minha pele a cada respiração. As nossas pulsações diminuíram o seu ritmo. Sentia o cheiro a lavado do seu cabelo, ainda húmido; um perfume suave emanava do seu corpo. A mão aberta, de dedos esguios, repousava sobre o meu estômago, os seus pés, perfeitos de unhas pintadas de um vermelho bonito. O seu peito não era muito grande, mas perfeito, esmagava-se sobre o meu. Absorvido pelo que via, arrepiei-me ao ouvir as primeiras palavras, surgirem da sua boca, num tom meigo e rouco, como perguntando e sabendo a resposta: poderíamos ficar para sempre ligados, como a tua pele que agora se cola na minha, não?… Será isto o amor à primeira vista? Estou aqui como sempre fosse este o meu lugar, conhecemos os nossos corpos como se tivéssemos o seu mapa colado na memória dos dedos, no prazer das trocas de carícias, nos cheiros partilhados, na calma que agora nos acalenta, distante do mundo lá de fora.
O calor do seu hálito fazia-se sentir sobre a minha pele, enquanto falava, perturbando-me o raciocínio. Levantei-lhe o queixo, os meus olhos mergulhando nos seus, ao encontro do que neles se revelava. O presente, era a marca indelével do futuro.


dc

 


quarta-feira, 16 de outubro de 2024

História Perversa

Sinto-me agredido, por essa vozearia, na comunicação pública. Sei, que trazem as palavras, constroem frases, cruas, duras, ensanguentadas que exacerbam as emoções. A mente se desgoverna sem freio, vai em direcção a um lugar indescritível, talvez pelo terror do que se lhe apresenta, talvez pelo medo de se conscientizar, que afinal é realidade, não um pensamento, ideia ou sonho. Uma rede estruturada, de comandos subliminares, transmitindo, de fora para dentro, tenta influir, no que a mente elabora, para que ela por si só, vá ao encontro do caminho que lhe destinam. Sinto que ela tenta tocar o meu íntimo, e então me apetece perder a humanidade. Cortar definitivamente com essas gentes, que se me apresentam tão miseráveis, que vulgarizam a vida, tomam misseis ao pequeno-almoço, drones como aperitivos, arrotos ao almoço e no desenrolar da janta, bombas neutrónicas como sobremesa, nesse espaço de descomando da humanidade. No meio disso tudo, corpos inocentes caem na terra, tal qual adubo, satisfazendo estômagos milionários insaciáveis.
Quanta vergonha, conseguirei aguentar, para que se não solte o verbo, ou a fúria embraveça o gesto?


dc


sábado, 12 de outubro de 2024

Lágrimas

As lágrimas nem sempre são de dor, raro são de alegria, reflectem diferentes formas do nosso humano reagir. As mais das vezes, correm pelo rosto sem lhe encontrar sentido para que aconteçam, brotam como um fio de água, na superfície dos sonhos, e se transformam num rio caudaloso, que vai deslizando e construindo as suas próprias margens. As lágrimas são o aglutinar do cimento com que nos tornamos humanos, são retrato da personalidade de quem as produz, são libertação do mundo interior, que se solta e escreve uma linguagem inesperada que prescinde das palavras.

 

dc


domingo, 29 de setembro de 2024

O primeiro beijo

 

Tenho, a marca de água, na memória, daquele primeiro beijo, que me fez sentir as pernas incertas e quebrar a minha inocência. Inocência, porque ainda nem conhecia o que era beijar, muito menos, um beijo sensual de línguas que se cruzam. Somente, lábios sobre lábios, um beijo tímido, no medo ser rejeitado, antes de se realizar. A sua boca tinha um desenho harmonioso. Lábios carnudos, rosados, húmidos, suaves ao toque, e um sabor abstracto não explicável, mas apetecível, que me atraía, e me fazia repetir beijando, como se a repetição, ousasse, descobrir a magia, daquele momento, ou o sentimento daquele gesto. As minhas mãos seguravam o seu rosto, enquanto observava os seus olhos, no espaço entre cada beijo. Olhos, claros, quase cinza, que adquiriam um brilho tão intenso, que me enredavam, e punham o coração em sobressalto. Poderia eu, explicar todas essas reações, por ser o primeiro beijo, com o enlevo da experiência e da inocência, mas isso, seria desmerecer toda a magia do que acontecera.

 

dc


quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Afinal só quero ser

Eles não sabiam, também não haveria como saber, que dentro, sentia um vazio enorme, que a afastava das pessoas e marcava o rosto, fechando-o, numa espécie de indiferença, que não procurava. Tantas vezes tentou abrir-se num sorriso, ou expressar-se em falas alegres, ou pelo menos, assertivas, sem que isso lhe fosse possível. Os cantos da boca apontados para baixo, marcavam a sua expressão e transformavam a fisionomia do seu rosto. A sua aparência exterior, estava aquém daquele vazio que a preenchia. Não sabia como isso acontecera, nem sempre fora assim. Em tempos fora disputada por amigos e colegas, como companhia divertida, seja na mesa do restaurante, no café, em festas, férias, ou de tertúlias várias, em conversa e debate, fosse de política, ou outras actividades sociais e culturais. O que morrera em si, o que fora que adentrado no seu âmago, tirara-lhe a razão, até de comunicar. Não, não era um “retrato de boa rapariga”, sossegada, que procurava nos silêncios que a dominavam, como uma forma de estar, no meio do outros, isso ela sabia que não. Algo mais profundo aterrador, a submergia, num contínuo de instabilidade e insegurança. Sem a percepção, da razão do surgir das lágrimas, de forma extemporânea, dando lugar a um choro convulso arrasando todo o equilibrio interior. Sentia que cada vez era mais difícil. Quanto mais se fechava, mais longe ficava, de tudo que à sua volta existia, menos vontade de participar no que a envolvia.

Era sua preferência, fechar-se no seu mundo. Sentava-se numa esplanada, junto ao mar, cuja força e imensidão serviam de calmante. Assim, se ia distraindo, ouvindo as várias conversas que chegavam coadas pela brisa, ou observando as pessoas que circulavam à sua frente, lenta ou apressadamente e, em especial, os rostos que reflectiam muito do que as movia. Ouvindo e vendo tudo, sem filtro, nem julgamento, enquanto as gaivotas com os seus voos acrobáticos, sobre as águas a distraiam de tal modo que a convocavam para os seus voos aleatórios, em que as emoções se esmoreciam levando-a à sonolência. Em algumas, dessas ocasiões, tentava descobrir, donde tinha surgido tudo o que agora acontecia consigo, mas era tarefa difícil e enfadonha, recuar no tempo, vivendo e remoendo o passado, para saber deste presente. Era tarefa inglória, há coisas que acontecem fruto de circunstâncias, das quais é difícil discernir, qual a que despoletou tudo o que a abalava. Seria a mesma questão de procurar saber, o que surgiu primeiro, se o ovo se a galinha. Certo. Certo, é que cada dia que passava, se assenhorava de si a vontade, de se livrar de tudo o que a manietava, ser dona de si, e menos do mundo e das regras que lhe queriam impor de fora. Liberdade de querer ser quem era, com defeitos, insucessos, acertos e desacertos, virtudes ou não. Afinal, só quero ser.

dc