Elevo o som, fixo-me suspenso e esparramado no sofá, Deixo as teclas do órgão, soltarem-se debaixo de dedos céleres, Os violinos, os violoncelos com braços e mãos que se mexem agitados, fazendo arcos vogando sobre as cordas se apaixonando, se entrelaçando nas notas, construindo a música. Não me pergunto sobre o D minor, toccata, fuga ou um Opus qualquer, Não faço ideia do que será uma colcheia, uma semicolcheia um dó menor ou maior, a semifusa ou se confusa..., Sei que elas se conjugam harmoniosamente dançando umas com as outras, Cada instrumento, a sua sonoridade, e cada momento vai decorrendo, no desafio contínuo acelerando, ou diminuindo o ritmo da música, que se propõem chegar até nós.
Nem técnica, nem sabedoria erudita me definem, A música corre, desenvolve-se e entra pelos ouvidos, chega à mente, desta ao coração e à pele que se arrepia... As emoções acontecem de forma irresistível, fazendo-me gostar e permanecer atento, tentando descobrir no silêncio da escuta, as sonoridades abstractas que me abraçam, como se falassem dos diferentes sons da natureza e da humanidade.
Assim me recreei escutando, com medo de parar o encantamento, com medo de que os pássaros fugissem que os riachos desaparecessem, que a vida deixasse de acontecer e ficasse novamente perdido nos ruídos da cidade. DC
....de uma viagem, que não se sabe acontecida, ou restando ali no vazio perdida somente como sinal de ida sem regresso.
Naquela mala pousada no carril, ficou a angústia de não saber, qual a sorte que escolheste, se mudar de lugar, para me esquecer, ou ir mais longe sem tempo de voltar.
Resta-me agora sacudir o ar do teu perfume, lavar o sabor dos teus lábios com a chuva que se avizinha, e deixar que o vento que ocorre leve dos meus pensamentos as memórias de ti.
Resta-me agora deixar minguar a tua presença no meu corpo, fugir da sombra dos teus passos, e esperar o entardecer que me aproximará novamente desse horizonte longínquo, de um outro mundo por conhecer.
.... meu corpo nas águas, fugia da estreiteza da terra, Eu queria lavar, apagar a violência da tua posse, e a mágoa de sentir, ainda em mim, as marcas da tua passagem.
Olho o espelho irregular que me reflecte e não me reconheço, perdi meu rosto, desde que te vivera em mim, Restava a forma, o volume, a aparência de quem fora, Por dentro só a dor correndo no sangue, no ciclo infinito enquanto vida.
Serei mais uma caso de estatística, que não afastará teu cheiro, a pressão dos teus lábios sobre os meus, o peso do teu corpo e as tuas mãos imperiosas explorando e arrancando-me a roupa.
Odiei-te no primeiro momento por descobrires a minha fraqueza, enlouqueci de prazer e desejo quando me tomaste em pleno, tornei-me submissa, e acabei envergonhada pela cedência.
Lavo-me agora despindo-te da minha pele, liberto-me de ti, e afundo-me lentamente na água fria onde me deixo escorregar bem fundo na procura da paz que me roubaste.
A noite se aproximou lentamente do Dia e lhe perguntou: “Queres aparecer hoje, ou não? Está-se a fazer tarde e preciso de aclarar as ideias... O Dia meio incomodado, e de má vontade, entreabriu os olhos no meio da algazarra do despertador e disse-lhe: -“Tem calma e um pouco de paciência, Tenho de falar com o Sol, para saber se vem trabalhar hoje e se a minha amiga tarde tem o horário estabelecido, para quando regressares te entregar o serviço nocturno. Assim conversam e passam os dias, entretendo o meu tio Setembro, preocupados com o primo Outubro, que no cair da folha de Outono, estará muito atarefado a preparar o irmão Inverno, que se lhe seguirá na gestão, despindo de folhas as árvores e dando banho frio a todo o mundo. Tudo isto, antes que a madrinha Primavera se apresente ao serviço, com todas as suas forças, e comece a trazer há luz dos acontecimentos as novas cores, folhas e frutos nas árvores, que servirão de chapéu para nos proteger do sol, com que o seu afilhado Verão nos gosta de brindar.
Partimos dos milésimos de segundos para os segundos, horas, dias, meses, anos e séculos, entremeados pelas várias estações e os gritos de um mundo que julgamos conhecer.
Outono chega na repetição do ciclo, ainda sem folhas caídas, no entanto preparado para se despedir, com todo o cuidado, de um verão tardio que deixou nosso corpo torrado e terreno bravio de tanto secar.
....só o tempo e a distância nos fazem compreender até que ponto estamos errados, na análise das situações que nos envolvem. Por vezes forçamos o nosso próprio modo de estar e de sentir, com medo que se parta algo, que de algum modo julgávamos construir. Na verdade, não devemos recear dizer o que pensamos, nem aquilo que nos leva a agir. Em cada momento existe uma acção - reacção, que tem que ver, com a forma como cada um vê e sente as envolvências ou incidências do tema em si, e que envolve as partes. Como tal não se devem deixar iludir e procurar evoluir, não se acomodando.
Não se pode de facto querer que de um momento para outro, a mediocridade, e o raciocínio banal que nos enforma diariamente se altere, e passemos a fazê-lo de diferente modo. É necessário, antes de mais, predisposição e sentimento de necessidade em nós próprios, de o fazer. E de seguida fazer as escolhas de modo a que a nossa opção tenha desenvolvimento. Não é porque os afazeres, ou dificuldades económicas, ou outras, que nos demitimos de crescer e de evoluir intelectualmente, formando-nos e informando-nos daquilo que é mais importante, para obtermos conhecimento da sociedade.
Resumindo não basta, termos uma fisiologia atraente, tentarmos mostrar conteúdos conhecimentos, se não os alicerçamos em escolhas, que correspondem a uma evolução continua, da nossa forma de estar social e do nosso entendimento com o quotidiano que se nos deparara. No entanto, sabe-se que por comodismo e facilitismo as pessoas tendem a não se questionar quanto ao que fazem e o que valem. Deixam-se arrastar pelo laxismo desintelectualizado, alinhando na verborreia que impera nos media e nas conversas ocasionais que estes originam com o seu discurso.
DC
Quando a boca não consegue dizer o que o coração sente o melhor é deixar a boca sentir o que o coração diz. -William Shakespeare