quarta-feira, 17 de setembro de 2014

PRELIMINARES




Levantou as mantas da cama e foi entrando lentamente, sentindo logo o calor e o cheiro a lençóis lavados, misturado com o cheiro do perfume do seu corpo. Ouvia a sua respiração pausada, quase imperceptível. Esperou um pouco para se aquecer e se adaptar à cama. Novamente muito devagar foi encostando seu corpo ao dela, sentindo os seus requebros, enconchando, controlando a sua própria respiração para não a acordar, Só queria aproveitar-se da inocência do seu sono, para usufruir daquele aconchego, deliciando-se sentindo o prazer de estar ali. Uns minutos mais tarde, colocou seu braço esquerdo, por cima do corpo dela como se a abraçasse, e deixou-o ali somente pousado, não queria acordá-la, queria simplesmente senti-la, ainda mais, pele na pele. Ela mexeu-se ligeiramente, e ficou novamente dormindo e respirando um pouco mais forte. O prazer de a ter assim, encostando os seus lábios ao seu pescoço, sentindo o cheiro adocicado do seu cabelo e do seu corpo misturados entrando pelas narinas, faziam-no um homem feliz. Não resistiu e deixou cair o braço para dentro agora abraçando mais, Ela, na inconsciência do seu sono prende a mão e puxa-a mais para si, para o seu peito e vai saindo da sua letargia do sono, tendo a percepção da sua existência, boceja, roda devagar e beija-o na boca, primeiro leve e depois mais forte, encaixando-se nele e apertando-o fortemente...depois...depois não vale a pena contar, a estória era só deles e a assim ficou. No dia seguinte ao saírem de casa, de mão dada, os olhos brilhantes e sorriso maroto falariam por si.

DC

terça-feira, 16 de setembro de 2014

AS RUGAS TÊM ESTÓRIAS




Sinto a pele enrugada da memória dos tempos, as melodias de outrora são as marcas que nela vivem. Ao deslizar as mãos sobre o corpo, procuro encontrar em cada uma das suas rugas as estórias que se depositaram ao longo do tempo. Como se fosse um pergaminho carregado de relatos escritos.
Não vale a pena olhar o espelho, este mostra só o mapa, engana dando importância ao que não queremos, é melhor olhar por dentro a cada passagem da polpa dos dedos e trazer à memória os momentos mais felizes, e com eles a vontade de permanecer alegre, de espírito aberto, confiante e sobretudo rir.


DC

sábado, 13 de setembro de 2014

EM nome de UM CORPO


Vejo-te saindo da penumbra delineando pequenos pedaços de visibilidade. Hesitas em te revelares na totalidade, trazer ao olhar mundano os teus sentimentos e a verdade de ti. Ficas dividida entre o parecer e o ser. Esperas o momento próprio de decidires, se prolongas essa agonia, ou partes definitivamente para outras paragens, com um novo pensar, um novo olhar e um novo amar. Entretanto ficam pequenos pedaços visíveis apelando serem reconhecidos, deixando que uma nova mirada se prenda nos relevos do panejamento da tua vida, e te leve mais longe do que o agora em que te encontras.

E porque hoje é Sábado, dia em que tudo se faz na liberdade sentida depois da dureza dos dias, tens direito ao sonho e a te libertares.

DC


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O doce ENCANTO do que PASSOU



Porque não,
   se a tua boca me seduz, e me deixa enlouquecido?
Porque não,
   querer sentir o calor dos teus lábios quando me beijas?
Porque não,
   sonhar em labirintos de emoções que me deixam perdido?
Porque não,
   deixar que as lágrimas me corram de alegria se me desejas?

E porque eu sei

   que és um sonho acordado, que vai e não volta.
E porque sei
   que a tua presença na minha vida foi de uma intensidade louca
E porque sei
   que a probabilidade de comigo ficares é tão pouca,
Descobri porque não sei
   encontrar razões para calar a minha revolta.

Fica o doce encanto do que se passou

   nos dias que foram correndo
Fica a marca que nos enleou
   e no fez aproveitar todas as horas vivendo
Fica a certeza de que nem tudo acabou
   a vida também é memória acontecendo.

DC

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

então PARA QUÊ ACORDAR?




Para quê te acordar, se a voz que ouves só interrompe o fastio do sono? Sim, para quê, para dar a notícia do nevoeiro matinal e da noite mal dormida, ou a perspectiva lamurienta do dia que nasce? Já passou o tempo em que o acordar ao som das minhas falas era um hino de alegria, só por si, o sol do dia que nascia. Agora só te sai de dentro, bem do fundo, a voz empastada que arrasta os pesadelos da noite mal dormida. Não queres ouvir nenhuma voz, queres tentar manter o fio condutor da razão do sonho, que nesse preguiçar se te arrasta debaixo da língua, não te deixando sequer concentrar nas palavras que ouves. Desconfias, porque razão aquela hora alguém te pode incomodar só para te desejar um bom dia e te espevitar, se nem estás curiosa de saber, o que as falas te trariam de novo para o aconchego do dia. É verdade que em tempos pensavas seria bom receber as falas maviosas ao acordar e estarias sempre disponível, mas com o decorrer dos tempos os objectivos foram-se alterando, e as frases deixaram de se encadear. É o ranço da rotina, que perfilha a ausência, que se vai assenhorando, deixando-nos inertes.
A crise, essa malfadada crise económica, que serve para congelar tudo o que a toca, embora seja real, serve para se parar na bruma, os sentimentos e os pensamentos e revelar todas as nossas fraquezas. Descobrimos afinal que fomos perdendo os valores que perfilhamos ao longo de uma vida, e percebemos que nos foram criadas necessidades materiais, mais do que as ideais, para nos amarrarem e subjugar, à casa, ao carro, ao telemóvel, a televisão e até às estantes carregadas de objectos inúteis. Afinal as emoções, os valores foram escorregando para o desespero do pagamento das obrigações diárias, das mensalidades a satisfazer no banco, e duma vez por todas sentir que sobra mês e falta dinheiro. Então para quê te acordar se já nem te revoltas?

DC

domingo, 31 de agosto de 2014

No Calor do GirasSol

 


O girassol sugere o sol e a sua luminosidade, A sua simetria, as suas pétalas douradas como raios de sol e suaves ao toque, o castanho da corola central com os seus estames, a grandeza do seu diâmetro e o pé elevado, fazem-no sobressair das demais plantas, dando-lhe um porte altivo e ao mesmo tempo elegante, fascinando quem o observa.
Quando olho um girassol, sinto uma espécie de calor interior reconfortante, numa proposta de meditação e regresso aos tempos ancestrais. Por isso, sempre que o observo procuro fixá-lo em imagens que vou captando através da máquina fotográfica, como se quisesse preservar a sua existência para os dias frios em que ele não está.

O Agosto finda sem que deixe grandes marcas do seu calor habitual, mas ficamos com o girassol para nos aquecer por dentro.

DC




terça-feira, 26 de agosto de 2014

Uma estória que aconteceu, ou podia acontecer



Havia momentos, estando em casa, em que via um filme com uma qualquer estória, só para amarrar o olhar, para que não se dispersasse observando o interior de si.

Preferia agarrar-se ao que ouvia e ao que via. São outros com o seu dizer. É um outro olhar sobre uma realidade acontecida, ou prevista acontecer, Uma leitura com imagens por vezes tão ricas, que nos deixam palmilhando caminhos, vivendo diferentes atmosferas sociais, amores incompreendidos, corpos, almas(?), vinganças, doenças, alegrias e cansaços, Tudo se abrange, naquele tempo em que se amarra, Afasta-se de tudo, mesmo quando o relatado tem um pouco da sua própria estória.

De quando em vez, inquieto, mexe-se e respira mais fundo quando a tensão aumenta ou tristeza se aproxima, porque a estória se perdeu da comédia, Aí, faz uma pausa para não lhe dar continuidade, não quer sentir o desconforto que se avizinha; às vezes, salta uns tantos fotogramas avançando, como se fosse um livro a quem deixamos para trás as folhas que não queremos ler.

As imagens se desvanecem, a estória contada fica pairando no ar durante algum tempo, é um momento único de silêncio, só a mente se agita como um olhar à procura de encontrar. Tudo foi absorvido como uma esponja, sem se preocupar muito em reflectir, agora vai espremendo lentamente como que anestesiado, Quer continuar amarrado divagando, flutuando, fugindo do seu mundo real, olhando sem ver, só ele e os seus amigos de todos os dias, preenchendo as estantes, os livros, nas paredes, as pinturas. As sombras das luzes baixas, alimentam os fantasmas projectados pelas sombras de uma estória que aconteceu, ou podia acontecer.

DC