sábado, 30 de junho de 2018

Olá avô!






Olá avô!
Aninhando-se no meu abraço. De Seguida, “As minhas bolachinhas?”
Como princípio de comunicação, desde o início das aulas, levava-lhe bolachas, de escolhas variadas, para não saturar, para aconchego do estômago e mimo. A primeira vez foi uma surpresa agradável, que o fez ficar de sorriso aberto.
O ano escolar agora findo, teve uma partilha entre nós, quase diária, aos fins de tarde na saída das aulas, quando o ía buscar. Foram momentos de aprendizagem muito bons para ambos. Umas vezes conversávamos divertidos, outras, na sua “idade do armário”, arrebitava-se e tentava ser esperto ( não digo, inteligente..), e aí, se entornava o caldo, e tinha de lhe fazer perceber que não era o amigo, sim o seu avô. Quando abusava nas divergências e atitudes menos correctas, fazia o favor de lhe passar a mochila para dele, ou deixava de conversar e logo ele se apercebia e começava a tentar solucionar a divergência. No entanto eram coisas de somenos importância, na maioria das vezes eram momentos muito curtos. Na maioria das nossas caminhadas até casa, conversávamos sobre as suas aulas e como lhe tinha corrido o dia e ele fazia o mesmo comigo, se eu não estivesse muito comunicativo, começava o interrogatório para saber o que me perturbava. Falávamos de algumas regras de adultos e crianças e entre si, assim como de outras mais ligadas às emoções, aos gostos e à diferença de valores entre nós. Em certos momentos colava a sua mão, pequena a papuda, na minha, para fazer a sua cena de equilibrismo na borda de cimento dos jardins de rua, e eu sentia um estranho prazer de o sentir confiante.
A escola colocava-lhe tarefas e eu no que podia ajudava. Construímos juntos, um presépio para apresentar, que o deixou inchado de orgulho. Abri-lhe uma página na net para escrever, os seus “blogs”, com a devida atenção, dos pais, a net para eles, tão cedo, assusta-me. No dia em que quis interferir no conteúdo, fez o favor de me chamar a atenção para que eu percebesse que a sua forma de escrever era a dele, e os conteúdos também. Tentei que escrevesse um diário, sempre era mais fácil do que ter acesso ao computador, para isso dei-lhe um livro em branco para nele escrever.
Agora no findar do ano escolar veio dizer-me que tinha um baile de finalistas do quarto ano, disse-me do tipo de roupa que ia levar e quis saber a minha opinião, ao mesmo tempo que me dizia que eu tinha de escrever uma frase para o livro de curso. No quarto ano já se fazem coisas destas? Fiquei admirado, dei a minha opinião sobre o que me parecia ser o melhor e mais adequado para ele vestir e trocamos opiniões e, mais tarde, escrevi a tal frase,
Enfim poderia estar aqui a descrever coisas, que só um avô babado pode escrever, mas também sei que com o correr dos anos muita coisa muda, por isso fico com o prazer de guardar para mim, como guardo os textos e desenhos que me dedica, como no meu mais recente aniversário. O neto não me envelhece, faz-me valer o tempo, me engrandece em conhecimento e me acorda para o muito que posso fazer para nos enriquecermos.

dc





sexta-feira, 29 de junho de 2018

Como dizer...




Se eu conseguisse explicar o teu olhar, o sabor da tua boca, as linhas do teu rosto, o ronronar do teu sono, a dança do teu corpo, o som da tua voz quando falas, a tua inteligência, a qualidade do teu raciocínio, os teus desejos e vontades, muito mais fácil seria perceberem o meu amor por ti.
dc

domingo, 24 de junho de 2018

Partir...




...partir tem a despedida, a marcação na pele, as horas, a saudade, o tempo de regresso, o recomeço, ou não, o ponto final, o anseio de chegada ao outro lado, o regresso se encontrada razão, o medo de perder, as memórias, as noites de insónia, o verão o inverno, o inferno. Nunca sabemos bem, se fizemos o melhor, perante o que vem a seguir, as dúvidas acentuam-se, acrescentam mais pensamentos, imagens, discussões reais e imaginárias, razões e não conformidades.  No calor dos acontecimentos reagimos, só reagimos, se analisássemos seria sobre a pressão do acontecido e não teríamos o discernimento para o fazer melhor opção. Sabemos que uns tempos depois surgem os arrependimentos, já não se avalia a verdade, são a solidão e o silêncio, a criarem-nos a conivência e conveniência de aceitarmos tudo, para acabar com aquela incerteza e vazio. Na realidade só o passar dos anos, muitos ou poucos, acompanhados pelo esquecimento que se vai plantando, permitirão a verdadeira consciência do momento, talvez uma leitura aproximada dos factos. Ainda assim com tudo isso, vou pela noite dentro procurando o aconchego das tuas mãos. No sonho, fico perdida nos teus lábios, quando acordo, o corpo suado do pesadelo da tua ausência.

A sala permanece silenciosa, nas paredes os quadros com pinturas e fotografias, e algumas centenas de livros, são a única companhia.
Na rua, os foliões dançam e pulam, é S.João. Ela só vê o alcatrão negro da rua que demarca o edifício, o resto é só ruído.

dc

terça-feira, 19 de junho de 2018

Tem dias assim




Tem dias em que as estórias não acontecem, ou passam ao nosso lado.
Tem dias em que as palavras não surgem, e aliam-se à falta de estória.
Tem dias em que se perdem amores, por faltarem as palavras para contar a estória.

Hoje não tinha argumentos para falar da minha estória, esclarecer as razões dela existir. A estória passou à história, mal o pensamento nasceu, perdeu-se no labirinto de explicações prováveis e logo foi passado. É isso que magoa, nem tempo houve para que fosse vivida, morreu ao nascer.


dc


domingo, 17 de junho de 2018

O tempo urge




Ao rosto acrescentou-lhe o sorriso, quase esquecido, arranjou os cabelos, vestiu-se de leveza e caminhou com os sapatos de tacão fino, arredondando a anca, pisando o solo como se flutuasse.
Na incerteza, não sabendo que caminho o outro escolhera, decidiu partir procurando um outro lugar e outras gentes, para encontrar na diferença a calma necessária, para traçar novos rumos, novas experiências e encontrar respostas, aos passos dados, às emoções. Manteve a porta escancarada tempo suficiente para que ele entrasse retomando o seu lugar, ao não fazê-lo, assumiu a sua confissão de desistência, passando uma esponja de tinta invisível sobre que existira. Da sua parte abandonaria a casa de ambos, fechando as portas e tomando rumo em direcção ao horizonte desconhecido.
Há situações que pedem tempo para madurar, entender e perceber, mas após isso, não se pode ficar na eterna esperança, fechando-se à possibilidade e oportunidade de algo de bom que possa surgir. Carpe diem

dc

terça-feira, 12 de junho de 2018

Fragmentos




Só lhe conhece o sorriso, nada sabe da tristeza que o fez sumir.

Os olhos brilham como se tivessem mais para dizer. Segundo parece, foi um sorriso emprestado num momento agradável. Agora, só existe um retrato que esconde a desilusão, e um certo vazio para lá do visível, numa espera que não sabe de quê.
As lágrimas foram embora, levadas pela noite que findou um dia atípico. Amanheceu o novo dia. Meio aturdida ainda pelo sono, que lhe anestesiou os sentidos, sente um resíduo de sonho que não sabe definir. A mensagem no telemóvel alerta-a para sorrir. Está certo, fá-lo-á mesmo que se revire por dentro, com a certeza de que a figura meio tonta que fará, a divertirá, e tudo será melhor sem o peso da penumbra que passeia pelo meu pensamento. 


dc