sábado, 4 de agosto de 2018

Ao Nascer do dia




E porque hoje é sábado e o tempo é nosso, e para que a vulgaridade não se instale, revoluciona-se começando no nascer do dia, antes de haver lugar ao descanso. Prazeroso rosa carne, nesse centro do universo, na oralidade desse jeito de amar. Deixar a rotina do exercício samaritano, procurando outras formas de leitura e compreensão do corpo, enriquecendo a diferença, libertando os sentidos, alimentando trejeitos, arabescos, odores e zonas tórridas, aglutinando tudo desde a maciez aveludada que se degusta, à vibração da alma no cume materno.
E por gostar, se repete o ciclo do fazer, até que a exaustão nos consuma, e nos deixe letárgicos perdidos de memórias e tempo de existir.

dc



Recordar





Perante a mudez dos livros, que não lhe respondiam, embora companheiros nas horas de solidão e silêncio, decidiu passear pelos arquivos fotográficos, fugindo da inércia do sofá e das imagens da TV. Foi observando os vários arquivos e suas subdivisões. Ao fazê-lo reparou que “ela” se encontrava por lá, marcando seu espaço, em quantidade e variedade. No entanto, agora, não sabia como atribuir-lhe uma referência de identificação. As tomadas de imagem eram várias, umas tiradas perto, outras mais distantes, umas coladas a sorrisos, algumas nem por isso, umas mais vestida, outras menos. Algumas, conhecia a origem, fotografou-as ele, muitas outras, alguém terá sido, isso também não lhe importava, eram imagens. Nas imagens que ele fizera, sabia o que procurava, o momento que descreviam, a estória que contavam, ou se um simples registo do corpo, realçado pelos traços do lugar. Eram imagens pensadas para cumprir uma função, enriquecidas por uma hierarquia baseada na qualidade do registo e da motivação. A ideia era ficar com elementos de memória, que dessem suporte às vivências passadas, sem que a verdade e a realidade dos acontecimentos fosse perdida.
Manteve-as no arquivo. São resíduos contra a amnésia.

dc

terça-feira, 24 de julho de 2018

Interessante




“É quase uma epidemia ver tantas mulheres inteligentes e atraentes, solteiras”
  Este título "inspirou-me" esta conversa telefónica.


Ela:
< Conta-me coisas...que aches interessantes

Ele:
> Interessante, é estarmos aqui a conversar depois de tanto tempo...(respiração funda, pensamento retrospectivo)
> Interessante, é saber que estás bem.. ...(respiração funda, pensamento retrospectivo)
> Interessante, hoje, foi ter ido parque, caminhar pelo meio das árvores e estar 16 horas sem falar com ninguém;
> Interessante, é sentar-me no banco de jardim e perder a noção do tempo e espaço sonhar e perder-me no sonho;
> Interessante, é pensarmos o que cada um entende por interessante no contexto de cada um, ou no contexto comum entre nós... ...(respiração funda, pensamento introspectivo)
> Interessante, é eu pensar-te, desenhar-te no espaço e ter medo de perder as linhas e a cor... ...(respiração fundaaaaa, pensamento retrospectivooooooo)
> Interessante, é continuar a ter prazer na leitura, quando as coisas não se tornam interessantes.
> Eis algumas coisas, que partilho, talvez interessantes.

> E tu que tens de interessante para me dizeres?

Ela:
< Tu afinal o que esperas de mim?

Ele, pensando:
> Ufa, Isto é que é um monólogo interessante....




sábado, 21 de julho de 2018

A preto e Branco




Aquele exercício de olhar nos olhos, ao cruzar com as pessoas, para encontrar “aquele tal olhar”, que fosse além do ver, talvez fosse resultado de um romantismo empedernido, perdido, esperando que um qualquer brilho diferente, falasse da linguagem certa. Foi decorrendo o tempo. Se olhares aconteceram, não foram tão claros como julgava, ou então já não mobilizavam, nem estava mobilizado para que acontecesse. A época das aventuras, em que um piscar de olhos, era suficiente para motivar um novo romance, assumisse ele a versão de “sério”, ou colorido, com as cores do arco-íris na negridão do céu, já foram. Então acomodou-se, fechou a porta, passou a usar óculos invisíveis capazes de tudo uniformizar, num preto e branco sem meias tintas. Seus olhos deixaram de ser o anúncio de tristeza e da falta, ou de querer encontrar respostas que não cuidavam surgir; passaram a ser um espelho baço sem a alma dos afectos.
A estrada é a direito, sempre em frente, ao encontro do inesperado que possa surgir, ou não. Endurece-se no correr dos anos, o frio das emoções entranha-se até aos ossos, existir é um facto, viver não é uma certeza.

dc

quinta-feira, 19 de julho de 2018

O retrato



Eu olho e me prendo
Se olho meu peito se agita
Vejo tua boca me absorvendo
E toda uma vida me grita

Na rotina dos dias se repete
Tu na imagem me olhando
E eu da tua boca esperando
As palavras que não chegam

Quatro margens dum caixilho
Contêm a tua imagem
Nela teus olhos e seu brilho
São o que resta da nossa viagem

dc