sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Na madrugada dos dias




Na madrugada dos dias, surgem as perguntas. Na mão que procura, o vazio das respostas. Já não sinto a tua respiração e o teu sono solto, nas minhas costas. Nem o calor, nem o cheiro, é uma ausência por inteiro. A saudade é dolorosa, e feita de muitos nadas que corporizavam a tua presença. Onde andas? Quantas vezes eu estou dentro do teu pensamento, ou nem sequer existo ainda para ti?
Cuido do cabelo, visto-me a preceito, pinto os meus olhos, retoco os meus lábios de vermelho vivo, como se esperasse encontrar-te, inesperadamente, nunca qualquer sítio, como acreditando que o acaso e a esperança se unam a meu favor. Tudo em vão, como sempre, acabo estagnada olhando o espelho, deixando as lágrimas correrem pelo rosto, transformando-o numa imagem de terror que transparece a minha alma.
Será que o amor terá de ser dor e arrependimento? Se calhar nem é amor, é um apego cínico que mexe os cordelinhos dos meus sentimentos, explora a minha falta de auto-estima, os excessos vários da vida quotidiana, que me criaram a convicção de que a tua presença é imprescindível para me libertar e sentir que estou viva. Esta carência permanente de sentir o afago dos teus dedos na minha face, como se limpasses todas as impurezas daquilo que são as vivências sociais e profissionais. A premência de sentir os teus lábios nos meus, como se me trouxesses à vida, depois do colapso.
As palavras insuficientes para explicar este meu sentir, são as únicas que permitem revelar-me e dizer de algum modo, que gosto de ti e que me apeteces.


dc

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

14 Fevereiro




Olho, esses teus olhos mareados e profundos, sinto-me diluir dentro de ti, como a água que bebes. Primeiro nos teus lábios e na tua boca por inteiro, depois, escorrendo por dentro até chegar bem fundo, espalhando-me fazendo parte de todo o corpo, transformando o nosso ADN. Fazemos a osmose do encantamento, pele na pele, boca na boca, mãos nas mãos, cada vez mais um só corpo, um respirar, um falar da mesma forma e seu entender. Não quero perder essa vertigem que nos torna bioidenticos, encaixando todas as células e pequenos átomos como tivéssemos nascido de um mesmo ventre, mas não irmãos. Existes, como se não existisses, porque existimos um, no outro. Talvez a isto se chama amor.

dc

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

“Oh! Avô, é a vida”




Os anos passam a correr, de um momento para o outro, onze anos se passaram. Aquele bebé bolachudo de cabelo encaracolado, se transforma num jovenzito, que deixou o blá blá, e já tem resposta na ponta da língua. Agora não aceita com facilidade que coloquemos contenção, no uso dos telemóveis, no computador, ou nos tempos que perde a ver televisão. Se por acaso, fazemos qualquer referência de algum exemplo nosso, ou aconselhamos determinados comportamentos, ou a inadequação de determinados termos, sempre responde: “Oh! Avô, é a vida”, e depois usando uma certa ironia, brinca perante o meu olhar severo: “Oh! meu avozinho querido”, e abraça-me.
Temos alguns gostos em comum, cumplicidade e partilha de ideias, como passear à beira-mar, a paixão por tudo o que são canetas, lapiseiras, lápis de cores, aguarelas, enfim tudo o que dê para escrever pintar e desenhar. A fotografia é outro ponto comum. Gosta bastante de fotografar, o que fazemos a dois com alguma frequência. É um prazer apreciar o seu empenho na escolha do tema, tem qualidade nas opções, inconscientes, de elementos de composição, como enquadramento equilíbrio de cores e espaço, e até, na sua adaptação de cores para preto e branco.
Tirando aquelas “rajadas”, que me lembra que está na idade de quem quer sair do “armário”, no resto é dócil meigo, interessado e bom aluno.
Fazer anos, para ele, é uma alegria enorme pelo prazer de receber lembranças e ter gente à sua volta e o famoso bolo com velas. Com razão, é este o momento em que deve ter esse prazer de celebrar com empenho, lá chegará o dia em que fazer anos será bem “chato”, por que é mais um ano que se envelhece. Até lá, parabéns, importante é manter a alegria, empenhar-se na obtenção de saberes e o prazer de viver e conviver com família e amigos.
dc

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O tempo de amar



Parecia estúpido dizer, que as palavras de amor se afadigam na procura do lugar e tempo certo onde pousar. Havia uma razão para assim pensar. Elas não devem ser desperdiçadas em algo morto, insensível à sua força e ao que delas se depreende. Passaram milénios a  serem usadas e a ter expressão na boca, nos escritos das gentes e na mente de tantos escritores, que lhe davam quase sempre o lugar certo e o momento adequado a serem utilizadas. Não entendia porque se menorizam os tais escribas e superlativam os trejeitos materialistas e tecnológicos, onde as mesmas palavras se tornam mais frias e são distribuídas a granel, quase se perdendo, como anunciando um prematuro defunto. Agora já não se olha o mar e a sua linha do horizonte à procura duma resposta, fica-se pelas imagens, artificiais, plásticas, limitadas, de uma qualquer plataforma digital, imitações distantes, ausentes da dimensão real, dos cheiros, das texturas que não se tocam, onde as palavras vivem como hieróglifos. Quando as pessoas perante a realidade, já não caminham olhando na direcção dessa linha que faz divagar o pensamento, preferindo agarrar horizontes em imagens perdidas de sentimento, fica o amor desaparecido no buraco negro da ignorância. Assim, vai-se desfazendo o conteúdo, a sensibilidade e o amor das vidas a dois, das famílias, entre humanos e os próprios animais. Não falta até, quem escreva, como se de uma evolução se tratasse, dizendo que um dia no futuro próximo, será um mundo de homens e mulheres sós, onde as expressões de amor, faladas ou escritas perdem o significado e força de outrora. O tempo de amar é roubado, para sobreviver numa qualquer profissão que traga o pão à mesa, sustente os Big Brothers e as maleitas de uma sociedade que visa somente o lucro.
Todos sabemos que existem ciclos, mudanças, a que nos vamos adaptando e são inerentes à evolução do ser humano, mas há também quem se afadigue, a que aceitemos tudo, até um retrocesso, como sendo evolução. Também sabemos que nos procuram colocar num contexto diferente, falando da inevitabilidade disso acontecer, como se a evolução dos seres humanos, fosse destinada a matarem-se uns aos outros, naquele fatalismo do “sempre houve ricos e pobres”, ou “sempre houve guerras” e não a de construir algo melhor para si próprios. Ouvimos as pessoas dizendo aos que amam não terem tempo. A pais, filhos, avós, netos, amigos, e por aí fora, assoberbados com as tarefas que a sociedade lhes coloca nas suas diferentes áreas de acção, e eu pergunto-me: Se as pessoas não têm tempo para se dedicarem a viver e aos que amam, o quê e quem amarão elas, e de que vale viver a vida?

dc


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Pobre não escolhe como os demais




Importa onde e como se nasce
Ilha, favela, ou bairro de lata
Para concluir que a vida renasce
Só para alguns de fato e gravata

Crescemos na promessa
De que somos todos iguais
Na verdade é só conversa
Pobre não escolhe como os demais

Dizem que é o destino
Sempre houve pobres e ricos
Levando o pobre ao desatino
E com isso correndo riscos

Péssimo esse ficar
Sobre a terra tentando ser
Para ver tudo voar
Sem gozar o entardecer

Trabalhamos sol a sol
Toda a vida em seu correr
Terminamos embrulhados num lençol
Não tendo tempo para viver

dc



sábado, 19 de janeiro de 2019

O relógio não pára



O dia passa, o relógio não pára, se não decidimos a oportunidade também passa, fugindo-nos tempo de vivências, experiências e a própria vida.
Procuramos a perfeição de algo que só se mantém, exactamente pela sua imperfeição quase perfeita. A beleza exterior muitas vezes é o ponto de partida, mas se a beleza interior e outros pequenos nadas, não se revelam, tudo morre ao fim de pouco tempo de desfrute.
Esquecemos que seres dissemelhantes, encontram entre si um qualquer fio condutor que os mantém ligados à máquina do desejo, do amor e das emoções. Dessa imperfeição se alimenta a sua afeição e dedicação mútua. Amam-se, não por serem complementares, muito menos almas gémeas, mas por um sentimento que nasce sem que se saiba ao certo o que lhe dá origem e a vontade de permanecerem juntos, partilharem o caminho sem contar os anos, ultrapassando tempestades e bonanças. Seres que colocam acima de tudo o prazer de gozar a sua própria natureza e a beleza da vida na sua plenitude.

dc