sábado, 14 de março de 2020

VH+1- we love the…

No silêncio da casa, a música ressoa reflectida pelas poucas paredes ausentes de livros. A sua sonoridade adentra pelos pensamentos e traz emoções várias, transporta-me para a carruagem dum comboio de sons, numa viagem de um único destino sem paragens intermédias. Sinto que os olhos se fecham, as imagens desenham-se na mente de uma forma quase real. Por que não me deixar ir, como se de meditação se tratasse. O pensamento, viaja e cria cenas sucessivas, com gentes e lugares diferentes, numa vertigem de acontecimentos que parecem encaminhar-nos para respostas que de algum modo quero saber. Os acontecimentos e as frases visuais parecem querer mostrar algo imensurável, a tensão interna aumenta, mas algures no cérebro, como se existisse uma chave de código, condiciona o acesso, e estabelece o limite até onde ir. Surge a necessidade de abrir os olhos e rapidamente encontrar um chão, como uma espécie de apneia, ou um aviso de que estamos a passar os limites do que devemos conhecer, sobre nós, ou do mundo que nos envolve. Uma caixa de Pandora, que aberta irá trazer-nos para um mundo que nos modificará a existência.
Olhos bem abertos, uma sensação indescritível, assenhora-se do corpo, com a estranheza e um desconforto que me divide entre o que deveria ter descoberto e um medo fundo das consequências caso isso tivesse acontecido.
Viver o ser humano que somos ainda está longe do nosso conhecimento. Não falo, daquilo que alguns chamam de vidas passadas, mas sim da capacidade de armazenamento de conhecimento acumulado, que dentro de nós reside, e, parece impedido de surgir à luz do dia, temendo pela nossa sanidade, ou onde poderíamos chegar com tal conhecimento.


dc

quinta-feira, 12 de março de 2020

Aqui e só


Aqui só, sentada, na penumbra o silêncio e eu formamos o enquadramento necessário, para dar azo a imaginação, analisando e construindo projectos. Não existe calor nem frio, nem chuva ou sol, nem a brisa se sente, mesmo com as coxas desnudas. A percepção do corpo é mais nítida, a urgência de ti é maior e o diálogo abstracto vai procurando perguntas e respostas, sugestões e soluções, que mitiguem as razões da ausência, a distância que existe, o abraço que não chega e o cheiro das flores não surge anunciando a Primavera possível. O pensamento vai mais longe, do que este lugar onde me encontro, e vai-me mantendo no fio da navalha entre o estar ou partir.

dc

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Para além das palavras

Acordara para um rio de sentimentos, dos quais as lágrimas falavam. A sensibilidade era como humidade entrando nos ossos. Deixava marcas e um frio adentrando… enquanto as lágrimas corriam… como um estilete na ponta dos dedos, desenhando sobre a pele do rosto todas as memórias, para além das palavras.
dc


domingo, 23 de fevereiro de 2020

A memória do beijo acompanhava-o


Sentou-se no mesmo banco, onde sempre se sentavam, vendo as margens do mesmo rio. Agora só havia uma única sombra, marcando o chão cinzento. A cor ambiente, no entanto, era dourada, tão dourada como dourados eram os sonhos que naquele banco, foram tecidos, quase sem palavras. As pessoas circulavam de forma prazerosa, aproveitando a nesga de sol e calor que neste final de inverno começava a abrir as portas à primavera. Embora fosse Carnaval, viam-se grupos, talvez famílias, conversando e caminhando; homens e mulheres correndo ou andando de bicicleta, outros com os cães à trela. Havia pessoas sentadas em bancos conversando, ou simplesmente deixando correr os olhos pelo rebuliço e beleza que a paisagem lhe trazia. Ali estava ele, como era seu hábito. Os pensamentos vagueavam sobre o significado da frase que lera: guarde o melhor beijo da sua amada, na sua memória, para a ele recorrer para lhe adoçar e tornar mais fácil superar a angústia e a saudade. O sol ia caindo e a sua luz reflectia-se na água. Levantou-se, seguiu pela margem, caminhando em direcção ao pôr do sol, captando as sombras de outros, os sorrisos alheios, o contra luz nas árvores, o desenho dos barcos parados, balouçando nas águas. Havia um ruído de fundo e uma brisa mansa, que lhe trouxe um sorriso aos lábios. A memória do beijo acompanhava-o.

dc

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Nem tudo são rosas

De repente a dor inesperada que rói, que mói e destrói toda a nossa integridade tira o discernimento, que nos rebaixa a condição de humano e nos transforma num trapo. É uma dor que galga o nosso corpo rompendo, nos interstícios da carne, comendo cada segundo de vida, diminuindo os amanhãs possíveis. Ainda ontem o sorriso, se abria na face, os olhos brilhavam de amor e alegria e pelas ruas descia e subia, saltitando nos passeios como quem baila num palco do circo. Agora aquela dor excruciante surgia, lembrando, que a felicidade é tão efémera. As férias recentes pareciam ter acontecido há dezenas de anos, a alegria, o calor do sol, a maresia, eram coisas trazidas pela memória. A doença não tinha cura, promíscua, invadia tudo sem dar cavaco, usava o seu corpo como armazém de especiarias, onde se deliciava, no cheiro da dor, do sangue sorvia, na vida que roubava. Na cabeça, a peruca era uma espécie de esconde, esconde, de um tratamento sem resposta, uma identificação, de alguém que ainda tentava lutar um pouco mais, mesmo no auge da incerteza. Sabe-se que quando ela ataca, a notícia de existir é uma violência, é uma tortura em que não somos obrigados a denunciar, mas a sentir.
Agora não adianta olhar para trás pensando no tempo perdido, nas ambições desmedidas, a luta pelo ter, que não se conseguiu, o stresse permanente do trabalho, do carinho que não se deu ao filho, à mãe, aos amigos, enfim ter vivido. Tudo relembra a presença que não fomos. Tudo se torna tarde de mais e as dores relembram a cada segundo, nos intervalos de calmaria em que a morfina permite o descanso do corpo, que temos de viver cada segundo, cada hora, cada dia, como a última oportunidade de ainda pudermos sorrir. Transformámo-nos num paliativo, que estorva a uns, causa a dor a outros, até que para todos, o alívio é que acabe depressa, para que termine a tortura, mesmo quando o amor é imenso. Isto não significa, que não existam muitos que batalham, enfrentam, como nunca fizeram na sua vida. Alguns vencendo a doença, outros conseguindo num curto espaço de tempo, dar tudo o que têm, para que as lembranças fiquem nos outros pelo melhor bocado que deram de si. Tudo isto vivido com intensidade, com problemas psicológicos, económicos e familiares à mistura, que torna a tarefa, daquilo que chamam esperança de vida, nestas circunstâncias, parecer uma blasfémia. Somos cada vez mais um corpo sem controlo possível, vivendo a imprevisibilidade do que lhe acontece, onde a idade não conta, nem a classe social.

dc

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Borboletas

Olhou a data marcada nos registos e ficou-lhe a surpresa. Cinco anos passaram desde que se abraçaram, beijaram e fizeram amor. Era tempo de apagar as imagens guardadas no disco rígido da memória, que impedem o evoluir para outro estado de pensamento. Elas são uma espécie de nevoeiro que impede a visibilidade do que acontece no presente, fechando a porta à vida e à oportunidade. Apercebia-se como era um lugar-comum, as pessoas fixarem-se em determinados momentos da sua vivência, como se nada mais existisse, para além desse mundo pequenino onde habitavam as suas emoções. Era imperioso sair do buraco negro onde se metera, onde perdera referências, tinha de ir ao encontro de jardins com outras modulações e espelhos de água de íris intensa. Abrir-se a outros sons, a cheiros diferentes, deixar-se sentir as gargalhadas que como pássaros voavam até si e, sobretudo, sorrir aos sorrisos que com ela se cruzam, aos olhares que se lhe insinuam, à estética das palavras que se apressam a chegar aos seus ouvidos.

É certo que a borboleta já saiu do casulo e vai voando, pousando na boca, nos cabelos, no ombro desnudo. Transpira liberdade, é o fim do condomínio fechado, dentro do peito, que um amor tardio fixara dentro de si. Mas, há sempre um, mas que nos diz, que tanta racionalidade é um subterfúgio para disfarçar as emoções que ainda estão inscritas na pele. As cicatrizes demoram muito tempo para que sejam absorvidas e se transformem numa simples cor rosada sem importância, ou simplesmente a memória de algo irrepetível.

dc

domingo, 9 de fevereiro de 2020

"Tenho saudades tuas"

Sim! Como se explica o inexplicável, se de repente desapareceste e a promessa de voltar, nunca foi cumprida? Amizade, companheirismo, seja lá o que for, devem ter, pelo menos, a capacidade de se expressar, não por mensagens que morrem no visor do telefone ou computador. As saudades que dizes sentir, são o sinal de algo que cresceu dentro de ti, viveu contigo nas partilhas, afagos, atenções e alentos. Se o mundo não acabou, a vida não é só trabalho, o descanso nem sempre é só dormir, por que razão te falta o tempo para uma caminhada, terminada com um café tomado numa qualquer esplanada junto ao mar, ou ao rio? Se calhar, até um qualquer lugar com um silêncio envolvente, seria suficiente, desde que nos permita falar de voz baixa com sorrisos entrecortando frases, olhos nos olhos sem o medo do que cada um diz. As saudades de ti são muitas, a disponibilidade sempre foi total. Só não posso interferir vontade de outrem, ou trazê-lo à força para matar as saudades que o dizem consumir ( afinal a saudade é de ambos).
Sim tenho saudades, também de ser importante nessas tuas saudades, de sentir que fiz parte de um período difícil de ultrapassar e, viver na pele como se em mim fosse, as tuas dores e dramas. Estou sempre onde estive, no mesmo lugar, onde de porta aberta às tuas falas, fui escuta atenta, colaborador no desbravar de teorias e factos emocionais, em momentos da alma que precisavam de encontrar soluções de maior conforto ao coração que no peito tremia, e na barriga fazia-te sentir borboletas pelo amor que te fazia sofrer. A saudade não se mata, atenua-se mesmo quando o tempo de permanecer é constante. Aparece quando te aprouver.

dc