Quando se conheceram, já as rugas mapeavam o seu rosto e a
maquilhagem era insuficiente para o esconder. As coxas já começavam a ficar
roliças e pesadas, contrastando com o peito débil encimando o corpo. Coisa
pouca, perante o seu sorriso atrevido, o brilho dos olhos, cor de mar, o veludo
da sua voz e aquele perfume do seu corpo. “Pode-se dar tudo a uma mulher, menos
a idade”. Tudo nela ultrapassava o tempo, trazendo para o presente a vivência
duma navegação à vista em mar ondulante de delícias, e sonhos de voos errantes,
entre nuvens, sem destino. Na realidade parecia uma flor que se não deixava
morrer pelo estio, ou qualquer outra estação. Aparentemente frágil, tinha
expressões, físicas e faladas, de segurança e firmeza na realização dos seus desejos
e vontades. Com inteligência, verdade seja dita, usava o sorriso e a voz quente,
encaminhando as coisas para satisfação das suas vontades. Tinha um discurso
reduzido, pouca capacidade de partilhar intimidades, de dividir razões, ou
conversar sobre hipóteses nunca antes, por si, elaboradas. A aventura nela só
tinha um caminho, a descoberta do amor que queria. Como toda a rosa tem
espinhos, ela não era fácil, tinha de ser seduzida todos os dias. A sua rebeldia,
provocava insegurança e dúvida, assim mantinha o seu amado, sempre na
expectativa de que, um dia, tudo poderia dar certo. Era confuso, para os de
fora, perceber como se apaixonaram e evidenciaram momentos tão ricos de emoção,
durante longo tempo. Na verdade, durou o tempo necessário da realização total
do puzzle, as peças, desiguais, se encaixaram na reentrância, ou saliência de
uma e outras, desenhando a imagem final. O amar, acontece, sem haver uma
fórmula para dar certo, ou que explique que ambos se completam pela semelhança,
ou pela diferença. É bem provável, tenha sido a procura de encaixar as
diferenças, a motivação para se manterem, mesmo quando a distância ia
provocando estragos.
De repente o silêncio, o orgulho
sobrepôs-se, travando a iniciativa da descoberta do seu significado. Faltou maturidade
para o aceitar e incapacidade para avaliar e interpretar a importância que ali
assumia. Esperar, sem perceber a mensagem subliminar, é matar o que ainda
estava vivo e, assim, possível fecho de um ciclo. Sendo o silêncio a sua praia,
com ele se encontrava e reencontrava, sabia também que era melhor que o vazio,
o silêncio era reflexão, espera, acção sem palavras, ou gestos, era um
intervalo de preparação para o acontecer. Não era o vazio, era só ausência, o
vazio seria mais, o nada, a inexistência de si próprio, as emoções no limbo. Há
muito aprendera que tudo tem um princípio e um fim; no início tudo se diz e se
faz, tudo alimenta o prazer da descoberta, para que o romance se escreva, sem
falas perdidas. O fim traz a dor e alguém se pode machucar, isso torna as
coisas difíceis. Nesse momento,
faltam-nos as palavras para expressar o que sentimos, perde-se o discurso, as
palavras, não se tornam falas e morrem no pensamento. Fica impossível avaliar os factos da
rotura, porque a dor se sobrepõe ao demais.
dc