sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Nudez adivinhada


As sinuosas linhas do corpo, sobressaem no agitar do vestido, o sol as insinua em contraluz; sem ser o seu propósito, ele faz acontecer, lembra o não observado. Desvia-nos a atenção, da beleza do rosto e das palavras que da boca se soltam. O agitar do tecido, que envolve o corpo, vai nos sugerindo uma dança, abstracta, um agitar de sedução, um encantamento, vontade de descobrir e conquistar. Uma fuga da rotina plasmada, que gera indiferênça. É uma nudez adivinhada, erotizando a mente.

dc


sábado, 30 de setembro de 2023

Outono?

No findar do mês, com o Outono marcando os dias, não ainda, pelo excesso de folhas caídas sobre a superfície dos chãos, antes por este calor inesperado, que traz sorrisos e fadiga ao corpo. Há que aproveitar para nos adaptamos à diferença, fazendo memória e reescrevendo a estória, que define as estações do ano, com as emoções que evocam. Os pássaros, ainda estão pelos beirais como se não quisessem partir, as gaivotas, continuam frequentando os areais, e o pôr-do-sol, ainda é bem visível no horizonte, com seus tons quentes, na variação de tons laranja e vermelhos intensos. Quase nos sentimos flutuar, em vez de caminhar, como se fosse presente a ausência de gravidade. É estranho, o modo como o clima nos dias de hoje, se torna tão imprevisível, e nos impede as rotinas das diferentes estações climáticas. Os tons ocres, estão afastados dos nossos olhares, os azuis predominam, os brilhos da claridade, sustentam uma atmosfera, extra-sensorial, que vai modelando relevos nas figuras, que ao nosso redor, habitam. Os sorrisos desenham os rostos, os cabelos, soltam-se na brisa leve, as roupas fluidas na leveza dos tecidos, e o odor da maresia, vai-se misturando com perfume doce que vem da terra ressequida. Do mesmo modo, o amor rejuvenesce entre os seres, os amantes vão retardando a calmaria outonal, intensificando as suas vivências, aproveitando-se com frenesim deste novo instante que a natureza os presenteou. Fica a dúvida, se é um fenómeno transitório, e que tudo beneficia, ou se é mais uma partida, que as variações climáticas nos pregam para sabermos, o quanto mal tratamos a Terra.

 

dc


Nasce o sol dentro de mim..

 

Nasce o sol dentro de mim, sempre que te vejo, com os olhos de quem ama. Quando a carícia, inesperada, dos teus dedos, roça a minha face logo antes de me beijares, e sinto o teu corpo contra o meu, sem lugar a dúvidas, ou incertezas, como se quisesses adentrar-te, construindo um corpo único. Nesses instantes, o teu calor é intenso. Os teus lábios, tem o sabor do mel quente, das noites de inverno. O perfume do teu corpo inebria-me e se realça de tudo o resto, marcando o ar que respiro. É tão doce, a ternura que acordas em mim, que me sinto pleno, capaz de suportar e superar todas as esquinas e arestas que a vida me coloca.

dc


terça-feira, 19 de setembro de 2023

Na periferia do corpo...

 

Não fui capaz de a cumprimentar. Ela condiciona o meu raciocínio. A minha admiração, ao vê-la, tolhe-me, deixa-me envergonhado, tímido, como naquele caso, onde bastaria estender a mão, ou dar-lhe um beijo na face. Falta-me o atrevimento necessário, para ultrapassar a periferia do corpo e acalentar no conhecimento possível. É bem possível, que ela me tenha olhado pelo canto do olho, esperando um gesto meu, na sequência do aperto de mão, que dera ao nosso amigo comum. No entanto, eu nem sequer tinha elevado o olhar, para enfrentar o seu, pois sabia que não resistiria ao seu brilho e cor clara, aquele cabelo que lhe moldava a expressividade do rosto e toda a beleza estética que emana. Da minha boca só saíram frases incoerentes, numa tentativa vã de esconder toda a minha sensaboria, perante alguém cuja presença parece fluir, como é natural nas pessoas dotadas. Eu, felizão, de a saber ali tão perto, com a consciência de que seria o mais próximo que estaria, nunca seria capaz de ultrapassar a periferia do corpo e chegar ao âmago de si própria. Ela sorriu, com a boca e os olhos, e eu, quase fugi, de passo apressado. Ela nunca saberia do alvoroço que me causava, nem como me sentia incapaz de manifestar.

 

dc


sábado, 16 de setembro de 2023

Tenho palavras guardadas na boca


Tenho palavras guardadas na boca, para respeitar o silêncio. Poderia eu soltá-las, mas mais do que o ruído que elas trariam, temia, aquilo que provocariam. Na verdade, é necessário conter-me, para a fazer a mastigação necessária, e assim evitar engasgos de maior. Por vezes, a dureza da verdade que possam trazer consigo, ou até, pelo contrário a doçura de que se alberguem, pode criar roturas, mágoas, afastamentos, dependendo de quem inadvertidamente as ler, sem saber se lhe estão destinadas ou não. Tantas, são as vezes, que queremos cativar, alertar, mimar, chorar ausências, e no destino exacerbam frio vinagre, erosão maior, pela imprecisão do que foi interpretado. É difícil dizer, mesmo quando apessoados saberes, parecem ilustrar inteligência, na realidade, acabarão por ser funestos se a sensibilidade de outrem estiver longe, quando se diz.

dc


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Tarde, sempre tarde



Apercebeu-se, no virar da esquina, quão precário é o tempo existir. Sentiu um arrepio, no corpo, sentiu a dor das horas perdidas sem substância. O encantamento desfez-se, ficaram somente resíduos de escassos momentos em que valeu a pena. Faz medo, o lado obscuro do outro eu, que sempre esteve na sombra. Não chegarão, no fim que se avizinha, a justificação, de algumas indecisões, ou a tentativa frustrada de recuperar o tanto que se não fez. Seremos sempre um corpo abandonado, debaixo da cama de flores com que nos despedimos.

dc


sábado, 19 de agosto de 2023

O entardecer é um suspiro

 

O entardecer é um suspiro. Corro para ver o Sol, antes de ele partir para outro lugar. Depois fico-me, sentado, usufruindo o bater das vagas no lençol de areia. Tudo o mais é silêncio. As gaivotas já se despediram do dia, e, algumas, estão em grupo pousadas no areal, talvez preparando o sono, quem sabe. Só na minha cabeça, as engrenagens, da vida activam, os diferentes sentidos. As minhas mãos, vivenciam o toque da areia, que escorre entre os dedos; os meus olhos, procuram gravar as cores que marcam o céu e desenham o horizonte; o meu coração baixa as batidas, e a respiração torna-se compassada, lenta absorvendo todos os odores que me chegam. A emoção toma todo o meu ser e uma paz estranha, mas deliciosa, se apodera de mim, sem permissão para interrupções. O mar, está ali, com a sua canção de embalar, para que tudo esteja certo, para que tudo dê certo. Tudo adentra, o frio não existe, a angústia se foi, a serenidade se implanta, o presente torna-se intenso, único, autêntico.

dc