Amanhece-me o corpo com o calor. A preguiça que a noite trouxe, contamina o cérebro enublado, trôpego de gestos, sento-me na borda da cama, absorto tentando encontrar o caminho. Primeiro, saber do lugar onde me encontro, depois encontrar a coragem para me mexer e erguer o corpo. Obra difícil. Sabe bem, estar assim, olhando os pés sobre o tapete, ainda sem os chinelos, que onde ajudar no caminho. É interessante como os dedos dos pés, nesta altura do dia, são motivo de atracção, mexemos um e outro como se quiséssemos através deles chegar ao cérebro emaranhado da noite que findou. Nem reparamos, se os pés são feios ou bonitos, mexemo-los simplesmente como se estivéssemos a tocar piano com eles. O vizinho do apartamento ao lado bate a porta dentro de casa, e as paredes, de cartão, fazem nos crer que está a acontecer na nossa cabeça. Fico desperto e começo a insultá-lo baixinho: como é que um cabrão destes, acorda tão cedo em plenas férias, e entra no mundo dos outros com esta bestialidade. Na verdade tenho de agradecer-lhe, deu-me o gás necessário para conseguir levantar-me e lentamente descer as escadas a procurar solução para a modorra que me trava os gestos. Coragem, penso eu, o dia está por tua conta, só tens que vestir uma coisa qualquer, umas chanatas nos pés e ir para a cozinha preparar o pequeno-almoço, depois, lá vais tu para a praia, tomar o teu sol, meter esse corpinho na água do mar, fria o suficiente, que parece que estás no Ártico. Regressas à toalha de banho, anteriormente estendida, que te espera, e começas a tua rotina de leitura, intercalada com um fechar de olhos, malicioso, que engana quem passa. Arregalas os olhos de vez em quando, com os passantes, que de calções ou biquini se vão mostrando e voltas à fluidez da pasmaceira da praia. Ler, fechar os olhos, ver quem passa, ler fechar os olhos e ver quem passa. Intervalo para molhar o corpo, que o sol é muito forte e voltar a pôr o protector(?) solar. Assim vai passando este ramerrame do ínicio das férias. Entretanto, lá chegará a hora ir almoçar, acompanhada de conversa ligeira e algumas vezes divertida, abrindo a porta à respectiva sesta, e por aí vai o correr do dia. Férias são férias. Até no lavar dos cestos é vindima e mais nada.
dc