segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

POR ESTE MUNDO ACIMA

“Por este mundo acima”, atirou-me do meu mundo abaixo. Tal e qual o Eduardo, também eu choro por tudo e por nada, e ao ler o livro, não raras vezes aconteceu.
Choro pelas muitas Sofias deste pais; por faltarem mais Eduardos no mundo presente; por haver poucas Patrícias e Sebastiões, mas muitos canastrões da literatura a vender “uma espécie de livros” e porque afinal, é preciso estarmos na eminência de desaparecer, ou de desaparecer este nosso mundo, para nos apercebermos quanto é importante dizer, eu amo-te, gosto de ti, adoro-te.

Li o livro e senti o vazio de uma cidade, de um mundo, sem que precisasse de uma descrição exaustiva, as palavras e os protagonistas colocaram-me lá.

Vivi intensamente um Eduardo, uma Sofia com um passado pesado e um Pedro, que nem sabe porque razão por vezes é mau, mas que se não encontrasse um “Eduardo”, talvez fosse vitima das circunstâncias.

É um livro de fé e confiança no ser humano, de que é possível de entre os escombros de uma sociedade, encontrar formas de vida, até por vezes mais solidária.

É assim que eu vejo o livro, certamente diferente de muitos outros e ainda bem, mas paciência eu sou como Eduardo, também as lágrimas por vezes me correm no rosto sem saber o por quê?

PRIVATIZE-SE A PUTA QUE OS PARIU


JOSÉ SARAMAGO, sempre atento produziu este texto que está mesmo, mas mesmo adequado, aos tempos que correm ...em especial em Portugal.

Privatize-se Manchu Picchu,
Privatize-se Chan Chan,
Privatize-se a Capela Sistina,
Privatize-se o Partenon,
Privatize-se o Nuno Gonçalves,
Privatize-se a Catedral de Chartres,
Privatize-se o "Descimento da Cruz" de António da Crestalcore,
Privatize-se o Pórtico da Glória de Santiago de Compostela,
Privatize-se a Cordilheira dos Andes, z
Privatize-se tudo,
Privatize-se o mar e o céu,
Privatize-se a água e o ar,
Privatize-se a justiça e a lei,
Privatize-se a nuvem que passa,
Privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos.
E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar,
Privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional.
Aí se encontra a salvaçãodo mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.

[José Saramago - Cadernos de Lanzarote, Diário III, p. 148]

SURGINDO DA NOITE ESCURA

Surgira da noite escura, partilhando um espaço de vida, outrora morto, afagando seu ego, elevando a espiral do seu sorriso e deixando no ar um mar de sonhos e esperanças.
Todos os dias, são salpicados por histórias várias de apelo à resistência e à confiança, de que o caminho, embora difícil, não impedirá que cheguem ao objectivo. Não ficara claro se foram talhados um para outro, mas uma coisa é certa, se se encontram nesta etapa da vida, no cruzamento inóspito, das estradas percorridas ao longos dos anos, é porque teriam de fazer um percurso juntos, não sabiam quanto nem em que direcção, mas teria que acontecer.


Vivenciaram-se. Agora restam, trocando lágrimas de alegria, porque se sentem gratos, no chegar ao fim do dia.

sábado, 7 de janeiro de 2012

FUNERÁRIAS AO PODER

Quando estamos doentes as defesas físicas e mentais estão abaixo de zero. Sentimos que não somos ninguém, o nosso corpo não nos obedece. Tomamos os remédios recomendados, mas o mal demora a desaparecer e em alguns casos, não há solução. Por muito que os médicos, familiares e amigos dêem conselhos, ou nos animem, nada é suficiente.

Um simples gripe acompanhada de febre, deixa-nos como se fossemos moribundos, suados, mal cheirosos e a delirar. Ficamos sem apetite e dormimos como se não o fizéssemos, como se existisse uma cortina de ferro sobre os olhos, os ouvidos com sons de um exército a marchar e acompanhado do martelar das batidas do coração. São vinte quatro a quarenta oito horas de loucura, que mal sentimos melhoras quase nos apetece dançar de alegria.

Pior, pior é quando não é gripe, porque aí tudo se torna mais estranho e ficamos ensimesmados, no que poderá ser, ou não ser, e embora não tenhamos febre, as preocupações aumentam.

Em tudo isto, se formos mal acompanhados pelos médicos, ainda mais descaímos e a doença parece tomar conta de nós.

Muitas vezes a doença é acompanhada de solidão, ausência de amigos e família, aí então, sentimo-nos a maior merda do mundo. Somos derrotados pela doença e pelas condições psicológicas que acentuam todos os contornos que a envolvem.

Este retrato mal amanhado, do modo como muitos vivemos quando doentes, for vivido e sentido, dentro das novas medidas assumidas pelo governo, considerar-nos-emos, abaixo de zero ao quadrado e desesperados. Com medicamentos não comparticipados, taxas moderadoras mais elevadas, centros saúde fechados nos feriado, ou fim de semana, consultas externas com meses de atraso, cirurgias para o dia de “São Nunca”, que mais irá acontecer? Só podemos ficar mais doentes.

Aconselho o governo a promover as agências funerárias, dando-lhes condições de implementação rápida, se possível à porta dos hospitais, e com apoios financeiros, para que os utentes comecem cedo a pensar na partida para o outro lado, porque neste já os senhores do governo nos fizeram a folha.


sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

FALAR da NOITE..


Dizem que a noite é boa companheira, ou melhor o dormir em cima das coisas. Nem sempre isto é verdade, por vezes a noite é povoada de fantasmas, de dúvidas, de angústias, que a escuridão adensa. Por vezes o nascer do dia, torna tudo mais leve e fácil de concretizar. Daqui, se me gera a dúvida. Será, que por causa das tais negritudes, que ensombram o nosso pensamento, depois o dia seguinte nos parece melhor, ou de facto, a noite é péssima companheira tornando tudo mais difícil e como consequência respiramos de alivio quando de manhã acordamos? Será essa a razão para que se diga que é boa companheira?
Uma coisa é certa, dizem os aturados especialistas que nos devemos “deitar com as galinhas” e acordar com o cantar do galo - que chatice se o galo está mal disposto, ou a galinha está com o TPM, porque de uma forma ou de outra somos prejudicados - , ou outra expressão bem popular “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”. Na verdade, existe algo de verdade nestas observações. A noite, normalmente, mesmo no centro da cidade, é mais silenciosa, como tal, permite um maior descanso e maior facilidade no adormecer e os ruídos de ambiente não continuam a martelar o nosso subconsciente enquanto dormimos.
No entanto, tenho para mim, que a noite, ou o dia, são espaços temporais, que têm características próprias, tornando-se escuros, claros, bons ou maus, dependendo da nossa personalidade, educação, cultura, daquilo que vivemos, como vivemos e do que gostamos.
Há momentos da noite que são lugar de veludo, deliciosamente sentido.
Há noites de amor, onde a seda da pele, o tacto, os cheiros, os sons, as palavras ciciadas prendem a nossa atenção e dão lugar ao sonho. Outras, não menos numerosas, em que o prazer das palavras, que se nos deparam aos olhos nos deixam extasiados na descoberta de outros mundos. E muitas outras, que tornam a música mais sublime, ou fazem, com que a viva voz, pela noite fora se diga da alma. 
Tem noites, em que nos revelamos, seres excepcionais, amigos incomparáveis, almas de aconchego. 
Viva a noite, que nos torna sublime o dia, para que este faça da noite um momento sublime.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

MASSAGEM

As mãos percorrem-lhe o corpo. Procuram acalmar-lhe o cansaço e as dores que o incomodam. Lentamente, quentes e poderosas, vão procurando nos interstícios de cada músculo, de cada ligação articular, de cada espaço da pele, acalmar a dor e o stress acumulado. Aqui são as mãos que falam ao corpo.

Não existe pensamento, só dedos que mexem, que pressionam, que afagam e um corpo esperançado no retorno ao bem estar. Toda a zona massajada começa a reagir, a realidade se esbate e uma espécie de limbo se instala.

Depois as mãos deslizam, se instalam na nuca percorrendo a zona da cervical, pressionando vários pontos dolorosos ali contraídos e vão caminhado em direcção ao rosto, sempre comprimindo as faces, as sobrancelhas, o lobo das orelhas, o queixo. A certo momento as mãos, em concha, sobre a face vão transmitindo calor numa sensação agradável que ao mesmo tempo nos transportam para longe e nos trazem a necessidade de ficar.

O tempo pára, e quando de repente nos apercebemos, abrimos os olhos, vemos a manta que nos cobre e que nada existe, somente nós.

Até uma próxima vez, tudo em nós está mais activo, mais disponível e renovado para enfrentar os dias.

Que pena não podermos todos ir à massagem!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

NO COMEÇO DO NOVO ANO


 
O mar na sua cor verde escura, realça o branco das pequenas ondas que de onde em onde se vão formando e desfazendo. A sua cor é reflexo do céu brumoso deste primeiro dia do ano de 2012.
As gaivotas, com a sua cor clara, pousadas nas rochas, criam uma pintura pontilhista na paisagem.
O vento sopra vergando as pequenas árvores que existem no limite do areal, como sempre acontece nas nortadas deste zona minhota.
Dentro do carro observo atentamente, quase sem perceber que o faço deixando-me levar como que hipnotizado, entrando num estado, em que a realidade e a inconsciência se tornam intermitentes.
As imagens misturam-se, tão depressa sentindo a pele da anca roliça, como de repente a espuma da onda que bate na rocha, metáfora de um orgasmo. De seguida, o silêncio das imagens, somente o ruído do vento e do mar, numa osmose perfeita, entre dois mundos.
O sorriso fugaz surge sugerido pela nuvem que no céu apareceu, rosto enquadrado pelo cabelo palha, como sendo escovado lentamente pelo vento que fustiga a costa. Tudo se desenvolvendo no mesmo momento. Nem nuvem, nem rosto. O stress vai-se diluindo e há uma paragem no tempo, entre a realidade e o inconsciente. O vazio.
A gaivota em voo picado sobre o areal, de repente se endireita e fica suspensa no ar pela força do vento. As asas, em ligeiro agitar, suspendem a imagem como se em pose para ser fotografada, do mesmo modo, o meu olhar fica parado e tudo na mente deixa de existir, só respiração, vento, mar e gaivota. O mundo, a vida, desaparecem fica só a terceira dimensão.

O novo ano começou e na realidade me perco, não sei onde estou.