terça-feira, 23 de setembro de 2014

Um Verão sem glória.



O Setembro definha, perpassado pela chuva que presenteou os dias. Parte, é arrumando para um qualquer canto escuro da cave do calendário, marcando o ano que decorre sem que reste saudade. Fina-se, como um Verão sem glória.


O Sol não chegou para colorir os lábios de sorrisos, não descansou os corpos, alimentou as angústias trazidas nos cinzentos da economia de crise.


Eis-nos chegados ao Outono, sem que as folhas tenham conseguido ainda as colorações quentes das tonalidades terra. Não tiveram tempo de se fatigarem de existir nos galhos das árvores, nem obtiveram o bronzeado bonito de um verão quente e aconchegante.


As crianças que se estreiam nos caminhos da escola, sentem-se mais perdidas, pela insuficiência do mar e da areia da praia, pela ausência das brincadeiras no meio das matas e arvoredos, das brincadeiras no parque exuberante de um verão a sério. Também todas as outras gentes se sentem incompletas, fatigadas para recomeçar um novo ano, e mais inconformadas pelos sacrifícios a que têm sido submetidas pela governação da pátria.


Resta-nos encarar o espelho e observar o estafermo que se nos depara, afivelar um sorriso que nos faça rir por dentro, nos tempere os humores e alimente a força que nos faz acreditar, que ainda há muito coisa porque vale a pena lutar.

DC

domingo, 21 de setembro de 2014

NO PARQUE COM O AVÔ




“Estou esquecido no tempo, entrei num buraco negro, que me tornou invisível. Encontro-me por lá olhando para fora. Sou um voyeur, observo o mundo, como se fosse transparente, circulo por entre a chuva e caminho nas sombras. Enquanto deslizo a grande velocidade, ouço a gritaria dos meus parceiros do momento. Estão todos fora do meu mundo.” JD

Lá fora pressinto as conversas sobre nós, somos a novidade, a estreia, agora durante uns tempos seremos a razão das suas preocupações, a escola começou, já não faço parte dos “pequenitos”.

Imagino o meu avô sentando no banco do jardim, esperando, atento, que eu saia por um dos tubos.

Ele fica em silêncio, sem partilhar a conversa, está só comigo, não tem companhia, como os outros pais e avós, que vêm com os meus amiguinhos de ocasião ao parque. Deve estar a ler o seu livro. "Um olho no burro outra na albarda", diz ele.

Há pouco, enquanto comia ouvi a conversa dos adultos, embora para ao meu avô eu pudesse parecer que não estava atento. Falavam sobre nós, sobre coisas que nem sequer pensávamos. As senhoras e os senhores, comentavam a entrada dos meninos para escola e da primeira aula, das diferenças "comportamentos e rotinas que enfrentavam", e do cansaço deles e dos pais. Até diziam que os meninos ficam aborrecidos por terem de fazer os trabalhos de casa depois de tantas horas na escola, os meninos, dizem, se queixam que a  mochila é pesada, tem muitos livros. Há meninos que dizem não gostar da comida da escola, outros ficam com birras. É estranho o que eles tanto falam sobre nós. Eu ainda não pensei em nada disso, até já aprendi a escrever letras como na máquina, pequenas e grandes.

Eu gosto de vir ao parque com o meu avô, por vezes, escondo-me, gosto de sentir a sua preocupação, Mais tarde surjo-lhe de surpresa nas costas e ele ri-se, mas ao mesmo tempo, censura-me com o seu olhar e me avisa que não gosta que eu desapareça do seu horizonte. Eu sei que ele não gosta, assim como sei, que ele ouve e está atento ao que o rodeia, Fica arreliado, com as pessoas que falam dos filhos e das suas aventuras, o meu avô não gosta muito de “mimalhices”, diz ele. Quando ele fala comigo porque eu não faço a coisa certa – para ele claro – costuma dizer: “Dinis eu gosto muito de ti, mas o avô não admite certos comportamentos e fica aborrecido quando faltas ao combinado e te afastas sem avisares para onde vais!”. Ele às vezes até é fixe brinca comigo às escondidas, embora eu saiba que não gosta muito de o fazer, ele diz que está cansado. Ele também não gosta que lhe peça que me compre brinquedos ou "lambarices", eu sei disso, mas faço-o para que ele saiba do que gosto, e porque sei que mais tarde dá-me por vontade dele. Por vezes surpreende-me trazendo-me uma tablete pequena de chocolate..hum.. que bom.

Bem, vou mas é sair do tubo, o meu avô já deve estar preocupado.


DC



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

PRELIMINARES




Levantou as mantas da cama e foi entrando lentamente, sentindo logo o calor e o cheiro a lençóis lavados, misturado com o cheiro do perfume do seu corpo. Ouvia a sua respiração pausada, quase imperceptível. Esperou um pouco para se aquecer e se adaptar à cama. Novamente muito devagar foi encostando seu corpo ao dela, sentindo os seus requebros, enconchando, controlando a sua própria respiração para não a acordar, Só queria aproveitar-se da inocência do seu sono, para usufruir daquele aconchego, deliciando-se sentindo o prazer de estar ali. Uns minutos mais tarde, colocou seu braço esquerdo, por cima do corpo dela como se a abraçasse, e deixou-o ali somente pousado, não queria acordá-la, queria simplesmente senti-la, ainda mais, pele na pele. Ela mexeu-se ligeiramente, e ficou novamente dormindo e respirando um pouco mais forte. O prazer de a ter assim, encostando os seus lábios ao seu pescoço, sentindo o cheiro adocicado do seu cabelo e do seu corpo misturados entrando pelas narinas, faziam-no um homem feliz. Não resistiu e deixou cair o braço para dentro agora abraçando mais, Ela, na inconsciência do seu sono prende a mão e puxa-a mais para si, para o seu peito e vai saindo da sua letargia do sono, tendo a percepção da sua existência, boceja, roda devagar e beija-o na boca, primeiro leve e depois mais forte, encaixando-se nele e apertando-o fortemente...depois...depois não vale a pena contar, a estória era só deles e a assim ficou. No dia seguinte ao saírem de casa, de mão dada, os olhos brilhantes e sorriso maroto falariam por si.

DC

terça-feira, 16 de setembro de 2014

AS RUGAS TÊM ESTÓRIAS




Sinto a pele enrugada da memória dos tempos, as melodias de outrora são as marcas que nela vivem. Ao deslizar as mãos sobre o corpo, procuro encontrar em cada uma das suas rugas as estórias que se depositaram ao longo do tempo. Como se fosse um pergaminho carregado de relatos escritos.
Não vale a pena olhar o espelho, este mostra só o mapa, engana dando importância ao que não queremos, é melhor olhar por dentro a cada passagem da polpa dos dedos e trazer à memória os momentos mais felizes, e com eles a vontade de permanecer alegre, de espírito aberto, confiante e sobretudo rir.


DC

sábado, 13 de setembro de 2014

EM nome de UM CORPO


Vejo-te saindo da penumbra delineando pequenos pedaços de visibilidade. Hesitas em te revelares na totalidade, trazer ao olhar mundano os teus sentimentos e a verdade de ti. Ficas dividida entre o parecer e o ser. Esperas o momento próprio de decidires, se prolongas essa agonia, ou partes definitivamente para outras paragens, com um novo pensar, um novo olhar e um novo amar. Entretanto ficam pequenos pedaços visíveis apelando serem reconhecidos, deixando que uma nova mirada se prenda nos relevos do panejamento da tua vida, e te leve mais longe do que o agora em que te encontras.

E porque hoje é Sábado, dia em que tudo se faz na liberdade sentida depois da dureza dos dias, tens direito ao sonho e a te libertares.

DC


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O doce ENCANTO do que PASSOU



Porque não,
   se a tua boca me seduz, e me deixa enlouquecido?
Porque não,
   querer sentir o calor dos teus lábios quando me beijas?
Porque não,
   sonhar em labirintos de emoções que me deixam perdido?
Porque não,
   deixar que as lágrimas me corram de alegria se me desejas?

E porque eu sei

   que és um sonho acordado, que vai e não volta.
E porque sei
   que a tua presença na minha vida foi de uma intensidade louca
E porque sei
   que a probabilidade de comigo ficares é tão pouca,
Descobri porque não sei
   encontrar razões para calar a minha revolta.

Fica o doce encanto do que se passou

   nos dias que foram correndo
Fica a marca que nos enleou
   e no fez aproveitar todas as horas vivendo
Fica a certeza de que nem tudo acabou
   a vida também é memória acontecendo.

DC

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

então PARA QUÊ ACORDAR?




Para quê te acordar, se a voz que ouves só interrompe o fastio do sono? Sim, para quê, para dar a notícia do nevoeiro matinal e da noite mal dormida, ou a perspectiva lamurienta do dia que nasce? Já passou o tempo em que o acordar ao som das minhas falas era um hino de alegria, só por si, o sol do dia que nascia. Agora só te sai de dentro, bem do fundo, a voz empastada que arrasta os pesadelos da noite mal dormida. Não queres ouvir nenhuma voz, queres tentar manter o fio condutor da razão do sonho, que nesse preguiçar se te arrasta debaixo da língua, não te deixando sequer concentrar nas palavras que ouves. Desconfias, porque razão aquela hora alguém te pode incomodar só para te desejar um bom dia e te espevitar, se nem estás curiosa de saber, o que as falas te trariam de novo para o aconchego do dia. É verdade que em tempos pensavas seria bom receber as falas maviosas ao acordar e estarias sempre disponível, mas com o decorrer dos tempos os objectivos foram-se alterando, e as frases deixaram de se encadear. É o ranço da rotina, que perfilha a ausência, que se vai assenhorando, deixando-nos inertes.
A crise, essa malfadada crise económica, que serve para congelar tudo o que a toca, embora seja real, serve para se parar na bruma, os sentimentos e os pensamentos e revelar todas as nossas fraquezas. Descobrimos afinal que fomos perdendo os valores que perfilhamos ao longo de uma vida, e percebemos que nos foram criadas necessidades materiais, mais do que as ideais, para nos amarrarem e subjugar, à casa, ao carro, ao telemóvel, a televisão e até às estantes carregadas de objectos inúteis. Afinal as emoções, os valores foram escorregando para o desespero do pagamento das obrigações diárias, das mensalidades a satisfazer no banco, e duma vez por todas sentir que sobra mês e falta dinheiro. Então para quê te acordar se já nem te revoltas?

DC