quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Dia cinzento





Nasce cinzento o dia, refresca-se o ar afastando rapidamente o calor excessivo da véspera, agora tudo mais normal, mais aproximado do clima da época. O problema é que às vezes acontece o dia nascer cinzento, mas muito menos cinzento de que o que nos vai por dentro. Se o calor já lá vai, nada mais resta que encarar a realidade dos factos.
Como tudo na vida, um dia as palavras têm o sabor doce do mel e o perfume das flores e no dia seguinte tornam-se amargas e avinagradas, Umas vezes por influência das variações do tempo, outras porque dentro de nós se vão partindo em pequenos bocados, que nos deixam mais observadores do seu conteúdo, do modo como são utilizadas e muito mais, do modo como são ou serão interpretadas. Está na natureza das pessoas o que as palavras querem dizer, na entoação o sentimento que delas pretendem e entendem fazer, surgindo assim como um retrato de si próprios, que mais se revela nos momentos difíceis. Nada se esconde, ainda que usemos um verniz de grande qualidade ele estalará do mesmo modo. Amar o próximo, ser Madre Teresa, não é saudável, até porque a Teresa segundo parece não era flor que se cheire, e era tudo aparência. Tudo isto afinal porque o dia nasceu cinzento, por dentro e por fora.

dc

sábado, 3 de setembro de 2016

...que a dor se espalhe no pó




Anda a dor, passeando entre o coração e o cérebro, na procura de minimizar os estragos, tentando passar uma esponja na causa, no rio das lágrimas, assumir compreensão, entender a tolerância, enfim viver. Que razão nos leva a magoar quem nos “gosta”, quem em nos é presente, divide e aconchega? Para quê esperar a partida, para sentir que afinal queremos ficar... estranho amor.
É ácido o sabor amargo da perda que se nos cola como uma segunda pele, fechando-nos por dentro, com portas reforçadas de indiferença. Queremos que a dor se espalhe no pó, seja absorvida pelo ar, seja levada pelo vento, diluída em partículas que não magoem na passagem...Como um descarnar de emoções, um ficar limpo, necessário a novas partidas e encontros. É um querer renascer, mesmo que os anos estejam marcados no rosto e no calendário que inexoravelmente nos vai dizendo, que o fim cada dia está mais próximo, mas que cada dia vivido com intensidade, terá a duração dos tempos que os sonhos desenham.


dc

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

No a'mar me encontro




Olhava o mar no seu imenso azul, seu pensamento voava sobre as águas. Ali estava no limite sobranceiro entre o a’mar e a cidade. O mar, esse sempre a esperava, e ela sempre o encontrava, não igual, todos os dias com as marés se alterava, mas tinha aquela cor, aquele cheiro, aquela presença que sempre a acalmava e a deixava conversar, sem nunca interromper seu falar. O mar, aquele seu mar que sempre a ouvia sem a limitar, que as suas lágrimas colhia, o seu sorriso, a sua angustia, a sua alegria, ele era companheiro do dia à dia que quando ela precisava dele nunca se escondia, fiel na esperança que alimentava e quanta força lhe dava.
Olhou as flores, que naquele lugar habitavam, e pensou que também elas do seu mar gostavam, estavam ali presentes preenchendo aquele espaço, como se quisessem abrilhantar quem dali o observasse.
Retirou-se decidida, pronta a escrever um destino e a encontrar de novo o caminho, Força e vontade não lhe faltavam, agora, só tinha de esperar a melhor altura para viajar, não no mundo dos sonhos, mas e sim, para uma nova realidade.



dc

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Barba & Cabelo




Mãos ágeis se mexem, escova cabelo, cabelo escova, tesoura cabelo, cabelo tesoura. Das sua mãos rápidas certeiras, se vai moldando o cabelo, desenhando-lhe a forma. Já fora lavado escorrido, agora está pronto a ser invólucro do rosto, do que sentado na cadeira espera como milagre o resultado do seu trabalho. Cabelo espigado, gorduroso, fino, grosso, branco, loiro, castanho, preto...ruivo, não importa, das suas mãos, assim queira o cliente, nascerá e acrescentará, algo novo, à expressão do rosto, onde o cabelo habita, mesmo quando se reduz à simples nudez, de quem quer retirar qualquer vestígio da sua existência de pilosidade.
Horas a fio num repetir constante de gestos, de tesoura e cabelo, de escova e cabelo, e a criatividade, sem cansaço moldando cabeças, rompendo rotinas e amorfismo visual. Lava, dá-lhe cor, enrola, corta, apara, acerta, escova-o, acaricia-o, todo um realizar dos dias na profissão, que se alicerça no prazer e que todos os dias se reconstrói. Rostos que se querem escanhoados, barbas desenhadas, aparadas. Cabeças de pessoas diferentes, na escala social, na cultura, na profissão, todas tábua rasa nas suas mãos, todas florescem no seu trabalho.
Trabalho enriquecido pela escuta atenta, sem preferência de onde vem. Como que ruídos de fundo, na razão das palavras frases se soltam, fazendo cuidar seus ouvidos, perante politiquices, desmandos, enganações, traições, e muitas outras estórias cabeludas, entremeadas pelas piadas carregadas de humor, de um ou outro atirar de boca. Ali soube de acontecimentos antecipados, vidas sofridas, políticas descomandadas, amantes desconfiadas, cornudos empertigados, calotes imensuráveis, etc ..etc; tudo arrecadado na memória, com o cuidado das coisas frágeis. Tudo se faz dentro do “caldo”, em que se desenvolve o seu trabalho, e o confessionário, que alguns assumidamente procuram, para catarse, das suas preocupações.
Alindar a cabeça, aqui não se resume ao cabelo e barba, mas também à lavagem que por dentro se vai fazendo, com largas melhores no estado de espírito de quem procura a barbearia; uma autêntico anti-stress, um saco fundo em que se despeja tudo o que vai na alma. Ganha o barbeiro enriquecendo seu trabalho, ganha o cliente saindo aperaltado e evitando a consulta ao psicólogo..

dc



sábado, 27 de agosto de 2016

O TrEM da VIDA




Ficamos sentados à espera que aconteça, demoramos a perder as dúvidas e a encontrar certezas, quando damos por isso, o comboio já passou, Aí, só nos resta pegar na mala, regressar ao ponto de partida, e esperar que um dia, possamos voltar a uma outra estação, de mala cheia de esperança e, que desta vez, a escolha tenha sido feita no momento certo, que o horário se cumpra e que a viagem tão ambicionada se faça.

dc