Viu-se isolada, suspensa aos
olhos de todos. Não se envaidecia, ou tinha desgosto, pela cor da pele, isso era o menos importante.
O seu corpo era como um cálice, que sugeria beber beleza, quando perante nós. Ela
sentia-se uma força da natureza, pela exuberância como desafiava todos os
obstáculos, resistindo ao abandono, ao desprezo, tantas vezes
revelado em alguns dos rostos, que com ela cruzavam. O nascimento humilde, não
a impediram de aprender com decorrer do tempo, mesmo sabendo-se efémera. Ela
sabia-se um marco temporário, na alegria de muitos outros, nada seria
suficiente para a travar, nessa capacidade de se dar aos que com ela conviviam.
Foi isso que o fez perder o tino, apaixonar-se loucamente, e permitir o
sustentar de um amor calmo, que só terminou com a sua morte precoce. Nunca
houve arrependimento, nem se mediu a eternidade do que existia. Enquanto durou,
foi para sempre. Nada podia ser mais intenso e belo, nada poderia ser
diferente, dois se amando de igual modo. Independentemente da tristeza, da sua
ausência, um sentimento de paz e amor ficara-lhe nas veias, dando-lhe a
capacidade de sobreviver e ajudar outros a acreditar, que a vida sempre nos
surpreende e não existem limites de tempo, ou espaço, para que isso aconteça.
segunda-feira, 7 de maio de 2018
Enquanto durou, foi para sempre
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Foto: Diamantino Carvalho
sábado, 5 de maio de 2018
Labirinto e silêncio
No silêncio que abraçamos, criamos
os nossos próprios labirintos, com sabedoria poderíamos dizer, ancestral,
confiantes de que, sendo seus criadores, seremos capazes de os atravessar, com mais,
ou menos facilidade. No entanto, mal nos precatamos, criamos um monstro dentro
de nós próprios. Estamos presos no centro, sem nos apercebermos como lá
chegamos, e como sair. Pior de tudo é que temos consciência, de partida, que a
mente nos atraiçoa e nos prega partidas, e como tal as pistas que aceitamos
partilhar e construir, na vã esperança de que se de ultrapassam, será só uma
questão de tempo, deixam de depender de nós e ganham vida própria. Mais difícil
quando não fazemos o percurso a sós e esquecemos, na euforia das emoções, que o
labirinto fora construído num roseiral, onde o cheiro, a beleza e a cor, nos inebriam
e escondem os espinhos. Assim, a chegada ao outro lado, à saída alegre e feliz,
depende muito da capacidade de se confiarem. Da tentativa de acerto e erro, de
ultrapassar os pequenos rasgões na pele, com os cuidados intensivos de quem
prefere a permanência das emoções pelo tempo fora do que ao inebriante e
efémero momento da paixão do começo.
dc
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Beethoven Silence,
Foto: Diamantino Carvalho
domingo, 29 de abril de 2018
Olhando as flores
Ali estava ela, na borda do
lago, altiva, brilhante na sua forma e cor, aprisionando a atenção dos olhares de
quem passava. Afastada de todas as outras, como querendo marcar a diferença,
com as demais. Aqueles que por ali circulavam, fitavam-na embevecidos e
seduzidos, mesmo sem saber-lhe o nome, ou, explicar a sua admiração. Ela existe à superfície da terra, com a sua beleza, para nos alegrar, trazer brilho aos
olhos, sustentar sonhos e prazer na forma dum sorriso. Ninguém se atreveria a
separá-la daquele lugar, ela fazia parte de um todo, maior que a nossa
individualidade, ninguém teria o desprazer de tomar para si próprio e
subtrai-la aos olhos dos outros.
Há seres que nascem com uma missão, desviá-los para outros caminhos seria insano. Não nasceram para pairar em ambiente estranho, ou acomodarem-se a uma rotina de amantes. Possivelmente quem dela se enamorasse a chamaria, de Minha Flor. Foi esta a leitura que surgiu no meu pensamento, quando deliciado, a observava sentada no banco de madeira do jardim. Ela ia comendo o seu gelado, acompanhada pelo piar dos pombos e o grito das gaivotas que, longe do mar, procuravam outros horizontes.
Quando se levantou, toda ela se tornou visível, um rosto traçado na subtileza das nuvens, os olhos de um azul transparente e uma boca colorida pela doçura de uma cereja. O cabelo de madeixas, com o loiro claro sobressaindo, ficava-lhe bem. Sacudiu algo imaginário da saia, compôs a blusa caveada de cor branca, que deixava adivinhar os seios livres de espartilho. Nela a elegância sentia-se. Foi-se afastando deixando no ar o seu perfume, enquanto no seu caminhar, leve, como sobre papel de arroz, desenhava no ar volutas. Os que a observavam, ficaram-se, imóveis na paisagem, presos num intervalo do tempo.
dc
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Foto:Diamantino Carvalho
sábado, 28 de abril de 2018
Um corpo ao vento
Ele tinha ido definitivamente da sua vida,
agora restava-lhe a socialização com os outros, era o único sentido ainda
intacto. Nesse acto de socializar, mesmo sem encontrar rumo, disfarçava a sua
mágoa, as suas incertezas, Num contínuo palrar, sem dar tempo de escuta aos
outros, que sabia, por experiência, gostam de opinar, com seus palpites chamados
de racionais, todos tão sabedores de coisa nenhuma, sobre a linguagem dos
afectos. Afectos, que nos tornam humanos, e que, por vezes, pouco têm de
racionalidade.
Encontrar o norte, sem bússola, era tarefa difícil nesse seu divagar. Falar e escrever era um desabafo sem eco, ou resposta. Fez do trabalho profissional um escape, alienando-se de direitos, ficando só com os deveres. Agarrou-se ao silêncio, tornou vazio o diálogo dos dias. Viajou sem destino, aprendendo paisagens. Prendeu-se nas palavras que os outros escreviam, apreciou imagens que outros produziam, visitou livrarias e museus, passeou nos jardins, olhou de pensamento livre tudo aquilo que a rodeava, sem ajuizar, deixando-se levar pelo vento. Tarde ou cedo, acreditava, tudo aquilo que agora fazia era um aproveitar do tempo, um acumular de saberes e vivências, quem sabe uma porta para o futuro com uma razão para sorrir.
Encontrar o norte, sem bússola, era tarefa difícil nesse seu divagar. Falar e escrever era um desabafo sem eco, ou resposta. Fez do trabalho profissional um escape, alienando-se de direitos, ficando só com os deveres. Agarrou-se ao silêncio, tornou vazio o diálogo dos dias. Viajou sem destino, aprendendo paisagens. Prendeu-se nas palavras que os outros escreviam, apreciou imagens que outros produziam, visitou livrarias e museus, passeou nos jardins, olhou de pensamento livre tudo aquilo que a rodeava, sem ajuizar, deixando-se levar pelo vento. Tarde ou cedo, acreditava, tudo aquilo que agora fazia era um aproveitar do tempo, um acumular de saberes e vivências, quem sabe uma porta para o futuro com uma razão para sorrir.
dc
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Imagem net
domingo, 22 de abril de 2018
O domingo não era o seu melhor dia
A noite está negra sem o luar e céu brilhante
das noites de verão. Será a mente que o atraiçoa e existe luz fora de si, ou
está mesmo escuro? Sente cheiros, ouve ruídos, até sente a brisa que se arrasta
na pele da face, O absurdo é olhar e não ver. Nem as palavras, que sabe que
estão lá, tantas vezes surgindo alinhadas e expressivas, como gosta de ler nos
livros, nos jornais, ou até no monitor do computador. Nada, tudo negro, mesmo
de olhos abertos. O que se passa nesta noite escura, que se atravessa como um
labirinto sem que veja saída. Não cegou, mas não enxerga. Qual a razão desse receio
que fecha o cérebro ao conhecimento, ao acto de ver? A que se fecha ele, o que
não quer ver? Qual a razão da fuga à realidade, que o atormenta neste desafio
de viver, neste aterrar na crueza da vida que macera a pele e os ossos, porquê
se sempre tem sido isso mesmo? Que erros foram cometidos, quais os sonhos
corrompidos, quem magoou? Por que razão, o frio gelado desta escuridão o assola?
Dá passos errantes, naquele bosque de arranha-céus, sem saber onde parar, nem
como descansar, ou encontrar um colírio, que lhe permita novamente ver com o mesmo
olhar de outrora que lhe trazia as cores e os sorrisos. Talvez a cegueira
tivesse como razão, esse silêncio de raciocínios ininterruptos, num diálogo
surdo, entre ideias gastas e palavras sem sorrisos. A vida só lhe oferecera a
existência, ninguém lhe distribuíra à nascença o manual de instruções. Ao
contrário do que dizem, não tinha o destino traçado, todos os dias tinha de
desenhar e inventar as formas de resistir e sobreviver ao tédio. Na prática, o
que lhe estava a acontecer, não seria fruto do cansaço? A repetição dos raciocínios
e a cegueira se mantinha ininterrupta. Domingo não era o seu melhor dia.
dc
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Foto: Diamantino Carvalho
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