terça-feira, 20 de novembro de 2018

Há dias de manhã ...




O dia só podia trazer luz e força. Os projectos, que povoaram a noite, apontavam um caminho com solução à vista e até o timing certo para tudo se realizar. O sol trazia a luz e calor na manhã de outono, a ideia de desejos realizados trazia o optimismo. No entanto, há sempre um, mas, que estica a sua perna à nossa correria e nos faz espalhar pelo chão. A vida, essa tal coisa, que justifica tudo, que nos mantém à superfície da terra, nos surpreende, nas suas láminas frias e afiadas, nos golpeia, destruindo todo o sonho, todo o projecto, toda a crença e nos deixa com feridas, que curadas deixarão cicatrizes profundas e que matando por dentro, nos definham. Então pensamos e justificamos que isso é crescimento. Crescimento? “Há dias de manhã em que um homem à tarde não pode sair à noite nem voltar de madrugada

dc


domingo, 18 de novembro de 2018

Bocas de Espuma




Na promessa, não se contém, e do amor diz que é para sempre.
As mãos dadas celebram a união, comunicam-se no silêncio
O areal extenso é testemunha de um beijo que se prolonga
Bocas que parecem desfazer-se em espuma, no roçar e pousar dos lábios
O pôr do sol no horizonte coloca no mar as suas cores quentes.
No areal, as sua pegadas deixam o trilho num caminho sem fim à vista.

dc


sexta-feira, 16 de novembro de 2018

A coisa (des)necessária




Antes que a mente se perca, no desvario de sentimentos, adopto o silêncio conveniente, para não sentir, a ausência inconveniente.
O silêncio é a minha escolha, quem decide pela ausência é uma outra.
Talvez estejam ambos certos, cada um quer a sua preferência, seja qual for o julgamento e proveniência.
Há coisas que se podem dar como certas, é sempre melhor a duvidosa solução, de que a dor permanente da indecisão.

dc



quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Adormecemos a contar beijos




Na noite que chega, eu abraço-te, estás segura nos meus braços, como se eles fossem seu abrigo. O Seu corpo treme quando sente os meus lábios nos seus. Aproximo a minha boca do seu pescoço, que beijo enquanto acaricio o seu cabelo. Eu sinto pela pele como se as minhas mãos estivessem sempre nela. Num registo quente da urgência de nos possuirmos, antes que noite nos leve para os sonhos. Não hesitamos em procurar um pelo outro, um sobre o outro, no beijo molhado, nas línguas ousadas e nos olhar. Sem pressa, ousamos explorar, todos os lugares onde a boca anseia e a onda de prazer nos leva. Vamos nos desfrutando, até que a explosão dos sentidos chegue, uma espécie de vulcão em erupção inunda-nos marcando os lugares do corpo. O sono vem e prolonga nos sonhos o que foi vivido. Adormecemos a contar beijos.

dc

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Gestos e palavras



Na míngua da materialidade dos gestos, dos sons, do olhar, olhos nos olhos, dos cheiros e das formas, recorremos às palavras e estas em alguns casos excessivamente superlativas, em outros se perdem num relato incompleto dos sentimentos. As palavras e frases, mesmo que ricas de expressividade, apagam-se, ou podem ficar eternamente esperando, a sua leitura. Escrever e ler, conhecimento da língua, exigem ginástica mental, interpretação de pontos de vista, o que se pretende quando se escreve, resumindo uma forma intelectualizada de conhecimento e reconhecimento. Não que seja mau, mas traz demora ao sentir.

“Ao sair de casa deixou um papel escrito, despedindo-se, “até mais logo, meu amor”, colocado na mesa visível da sala. Teria preferido que ao sair tivesse-me acordado, e mesmo de olhos pouco abertos, saber-lhe-ia melhor, aquele beijo nos lábios, aquele abraço que traz o fresco da manhã, o cheiro e calor do corpo, mão em concha na face, numa carícia cheia de ternura. Isso sim, seria um registo mais profundo, preso à pele, marcando os sentidos para o correr das horas. Não foi sua a escolha, podia até parecer falta de reconhecimento, mas aquelas palavras escritas, não substituíam o sentimento de falta e um vazio inexplicável, que nem a riqueza das palavras superava. Talvez só a sua silhueta no contra luz da porta num aceno, fosse mais plena, pensou para si. Sempre dizem que “uma imagem vale por mil palavras”

As palavras serão talvez melhor registo de memórias interpretadas. Uma estória, uma herança de gestos que se imaginam, ou uma explicação de de sentimentos, mas tantas vezes perdem o significado fechando-se, em si próprias.

dc

"Se olharmos as coisas de perto, na melhor das hipóteses chegaremos à conclusão de que as palavras tentam dizer o que pensamos ou sentimos, mas há motivos para suspeitar que, por muito que procurem, não chegarão nunca a enunciar essa coisa estranha, rara e misteriosa que é um sentimento."


José Saramago