terça-feira, 18 de julho de 2023

DEIXAR IR

 

As raízes que me prendem, são as memórias tardias e os laços com a terra de nascimento. Pouco mais resta, que me mova a emoção e me traga à superfície, nem para respirar depois de uma apneia, forçada, para encontrar o silêncio no meio deste mundo caótico. Assim fujo de qualquer contacto mais físico, mais terno, mais humano. A intenção é deixar ir, sem a percepção dos acontecimentos, sem o stresse do tempo. Como se tivesse calçado os chinelos velhos de imensas caminhadas, que sabem o caminho, mas estão gastos, pela incerteza e desconfiança. É um “arrumar das botas”, fixando o olhar e o pensamento nas leis da natureza, para que ficar mais perto do estado límbico, com serenidade e em paz.

 

dc

terça-feira, 4 de julho de 2023

Desabafo

 

Sim, sei amigo/a-anónimo é isso mesmo, ausente de sexo, ou de nome, é verdade que “o que autor precisa é de amor”. Sim, chega de textos lamechas, de memórias, de estórias de não amor. Tem toda a razão, se assim o diz, por si, fala toda a sua experiência nessas coisas. Você sempre amou e foi amado, sem dúvidas, nem precisa de ler poetas ou romancistas, ou até de perceber dessa história de casamentos falhados, de divórcios inesperados, de pais separados, de filhos não amados. Você, anónima/o é a sabedoria e experiência em todas as tonalidades e emoções. Já sentiu borboletas no estômago, frio na espinha, saudade, dor pela ausência… Ah! Não? Pois, você é alguém experiente nesse seu o amor total, essas banalidades de artistas e amantes, não contam no seu vocabulário. Você amou, e, logo foi amado e morreram felizes para sempre. Nunca houve falta de dinheiro, nem casa sonhada, passeios imaginados, nada lhe foi sonegado, nasceu de cu virado para a lua. Que bom! Não sabia que a felicidade é algo tão perene em quem ama, que nem se apercebe, que a tal literatura, os teatros, os filmes, esculturas e pinturas, que plasmam nas paredes da sua casa e nos muitos lugares, são apenas fétiches de uns desmiolados, são simples adereços, como a mesinha de cabeceira no quarto, onde guarda os preservativos invioláveis por desnecessário uso. Ah? Também não é bem assim… Não me diga é tudo amor. Sim, o único que só você conhece, que nem precisa de momentos outros nas suas emoções que lhe permitam distinguir aquilo que agora diz sentir. Pois, bem senhor anónimo, estou grato por ter-me alertado e fazer-me entender o seu ponto de vista, mas se tivesse um nome seria mais fácil, pôr o nome aos bois, não acha? Aproveito para dizer, que já alguém famoso disse, em relação à leitura, que o importante era que as pessoas lessem, nem que fossem coisas “da bola”, ou estórias da carochinha. Eu penso o mesmo em relação à escrita, ninguém tem de ler os devaneios do autor mal-amado, mas foi a custa desse treino, que fui ganhando alguma habilidade para juntar palavras, por isso, deixe-me deliciar com as minhas dúvidas, incertezas, dores e lamechas, sou um ser imperfeito que precisa de um pretexto para sobreviver, que se chama, amor.

 

dc


quinta-feira, 15 de junho de 2023

Sonho inconveniente


Não consigo entender, porque não abandonas os meus sonhos.

Porque não viajas, num mundo só teu,
onde o tempo permite o teu egocentrismo manter-se.
Deixa-me, no meu só, que escolhi.
Eu fujo de ser pertença, de quem, vai e vem,
plantando incertezas e distância.
Quero manter a dignidade do amor que tive,
embora de curta duração, foi mais do que pleno.
Procurei e encontrei-te no tempo certo.

Dei, sem retribuição, oferecendo-me por inteiro
agora, sai, faz do mesmo modo, o teu caminho a sós,
deixa que as rugas me apareçam. Permite que a natureza

cumpra o seu papel e que o corpo se vá adaptando,

à espera, e que seja a paz, o elemento de apoio para o fim do caminho.

 dc


segunda-feira, 22 de maio de 2023

como caminhar sobre flores

 

Num olhar de relance, descobri o desenho da coxa, subtilmente a surgir entre o pano do vestido, sinto nela o desafio. Desvio o olhar refugiando-me nos teus olhos, que possuem um brilho malicioso de descaminho, destacando-se no teu rosto. Os teus lábios entreabertos, carnudos, pintados de vermelho, desenham a boca, meio húmida, apetecível provocação para ser beijada. Acedi ao desafio e foi assim, como caminhar sobre flores, que os meus dedos começaram, a percorrer o teu corpo, seguindo o rasto dos meus lábios, que iam depositando beijos, sobre a tua pele quente, indo ao encontro do prazer, onde o fazer do amor é forte e etéreo.
O tempo deixou de contar, até ao momento em que regressaste ao mundo dos vivos. O teu corpo rodou numa espiral de si, deixando no ar de um rasto perfumado de erotismo. Colocas o pé no chão, em passo largo, como que bailando, alongando os braços sobre a cabeça voluptuosamente, deixando uma aureola desenhando teu lugar no espaço, afastaste em direcção à luz que te submerge. De mim, sai um suspiro sufocado, algo desconhecido se abala dentro de mim, solto um uau de espanto, trazido à superfície, naquela angústia de não ser poeta para descrever em palavras a riqueza do sentimento que se apodera de mim. Deste forma, às palavras da poesia que não fui capaz de escrever.

 

dc

domingo, 30 de abril de 2023

Atrás da cortina


Como um modelo simulado, vive atrás da cortina, dos sentimentos, das dores, das angústias, da espera eterna, daquele amor imaginado pressentido nos outros, como se fosse lei da vida, a eterna busca, do inexplicável caminho, ao centro do universo de alguém. Rígido, de forma morfológica tosca, com elementos básicos de sugestão, procurando encontrar no desenho dos dias, em mão suave, delineando o caminho desse sentimento criativo que alimenta a nossa existência. O espaço é sempre o mesmo, suficientemente terreno. O tempo que corre célere alimenta a angústia, de um objectivo, sempre longe da meta que anseia. Já sentiu o toque, o bafejar dos seus lábios, o brilho da promessa, mas a férrea distância, vai prolongando a tormenta do verbo existir, sem encontrar o mapa, que indique o caminho, adequado à realização do sonho, da alegria, da felicidade mesmo que temporária, de ser amado até ao limite das suas forças.

 

dc

quarta-feira, 12 de abril de 2023

A lei do piropo não me dizia respeito

Os olhos eram cinzento claro, brilhantes. O cabelo dela de um tom castanho claro, preso atrás na nuca, realçava-lhe o desenho do rosto, com um queixo ligeiramente quadrado, sem ser agressivo. O tom de voz era aveludado, o sorriso era suave e doce, cada vez que pedia desculpa, ou agradecia. O movimento dos lábios bem desenhados e carnudos, perturbavam a minha atenção. Trazia uma t-shirt branca e umas calças cor cinza escuro que lhe davam um ar conservador, sem esconder o corpo bem desenhado, de linhas escorreitas, a cintura desenhada desde o limite dorsal, numa linha suave, até ao cume das pernas. Ela começara a fazer exercício perto de mim, quando a olhei de soslaio, verifiquei que tinha uma aliança de casada no dedo. Pensei para os meus botões, “ainda bem que não me atrevi a avançar com algum elogio de admiração, ou tentei meter conversa de circunstância, para a conhecer melhor”. Na realidade, o ter aliança e ser casada, não impedia que apreciasse a sua beleza e sensualidade, ou que me sentisse tocado na minha sensibilidade. A lei do piropo não me dizia respeito. Ali a singeleza do pensamento, ao primeiro olhar, sem saber, o mais que, por trás de tal figura, pudesse existir. Era uma mulher bonita e digna de ser apreciada, casada, ou não. Ela continuaria a amar o seu amado, ou não, e eu, ficaria com os meus pensamentos, seduzido, respeitoso, grato, por se me permitir conhecer alguém, que me despertava para tal beleza. Naquele lugar, era comum encontrar corpos musculados, ou ginasticados, aquela mulher distinguia-se, mantinha a sua feminilidade, para além do exercício a que submetia o corpo. Sem falsos moralismos, a sua presença, era um bálsamo, para o pausar entre as séries de exercícios repetitivos.

dc

sábado, 8 de abril de 2023

Há momentos, tão sós..


... que até o respirar é falho de expressão. Interrogámo-nos, questionamos, razões e atitudes, as nossas e dos outros, e depois, depois pensamos se vale a pena tanta canseira, a imaginar mundos, onde tudo será diferente. Deitados, na cama de um hospital tudo se reduz a uma condição de dependência, de temor que o inesperado que possa a acontecer, menos da morte, que sabemos tão certa. Interrogámo-nos, do porquê, connosco, da doença ruim, da doença leve, como se houvesse leveza na doença. Que futuro nos espera após sair dali, não seremos mais os mesmos durante muito tempo. Enquanto ali estivermos, feridos, acamados, operados, ou com outro tipo de cuidados, sabemos quem zela por nós, naquele espaço, e quão mal tratados são, de reconhecimento de dedicação, de vida intervalada de urgências, sem rotinas, o inesperado é todos os dias. Nós, também absorvemos todas as dores que nos rodeiam, físicas e sociais, e aproximámo-nos com clareza, da insignificância que somos perante o mundo que nos rodeia. Quantas querelas com família, com vizinhos, por pedaços de nada, quantos ódios, quantos mandões e senhores de poder, dominam, e não são nada perante a doença, que rói por dentro e não tem tréguas, sem medir a classe social ou Poder. No serviço público, continuamos humanos, iguais, tratados por iguais, têm preocupação nos cuidados, são qualificados e dedicados profissionais. Ali, o salário conta, por menor, mas a vontade de ser presença é tão forte, que podemos dizer vale a pena o nosso SNS. Os defeitos que possa ter, são menores comparados com o valor que representam para o povo.

dc