sábado, 30 de setembro de 2023

Nasce o sol dentro de mim..

 

Nasce o sol dentro de mim, sempre que te vejo, com os olhos de quem ama. Quando a carícia, inesperada, dos teus dedos, roça a minha face logo antes de me beijares, e sinto o teu corpo contra o meu, sem lugar a dúvidas, ou incertezas, como se quisesses adentrar-te, construindo um corpo único. Nesses instantes, o teu calor é intenso. Os teus lábios, tem o sabor do mel quente, das noites de inverno. O perfume do teu corpo inebria-me e se realça de tudo o resto, marcando o ar que respiro. É tão doce, a ternura que acordas em mim, que me sinto pleno, capaz de suportar e superar todas as esquinas e arestas que a vida me coloca.

dc


terça-feira, 19 de setembro de 2023

Na periferia do corpo...

 

Não fui capaz de a cumprimentar. Ela condiciona o meu raciocínio. A minha admiração, ao vê-la, tolhe-me, deixa-me envergonhado, tímido, como naquele caso, onde bastaria estender a mão, ou dar-lhe um beijo na face. Falta-me o atrevimento necessário, para ultrapassar a periferia do corpo e acalentar no conhecimento possível. É bem possível, que ela me tenha olhado pelo canto do olho, esperando um gesto meu, na sequência do aperto de mão, que dera ao nosso amigo comum. No entanto, eu nem sequer tinha elevado o olhar, para enfrentar o seu, pois sabia que não resistiria ao seu brilho e cor clara, aquele cabelo que lhe moldava a expressividade do rosto e toda a beleza estética que emana. Da minha boca só saíram frases incoerentes, numa tentativa vã de esconder toda a minha sensaboria, perante alguém cuja presença parece fluir, como é natural nas pessoas dotadas. Eu, felizão, de a saber ali tão perto, com a consciência de que seria o mais próximo que estaria, nunca seria capaz de ultrapassar a periferia do corpo e chegar ao âmago de si própria. Ela sorriu, com a boca e os olhos, e eu, quase fugi, de passo apressado. Ela nunca saberia do alvoroço que me causava, nem como me sentia incapaz de manifestar.

 

dc


sábado, 16 de setembro de 2023

Tenho palavras guardadas na boca


Tenho palavras guardadas na boca, para respeitar o silêncio. Poderia eu soltá-las, mas mais do que o ruído que elas trariam, temia, aquilo que provocariam. Na verdade, é necessário conter-me, para a fazer a mastigação necessária, e assim evitar engasgos de maior. Por vezes, a dureza da verdade que possam trazer consigo, ou até, pelo contrário a doçura de que se alberguem, pode criar roturas, mágoas, afastamentos, dependendo de quem inadvertidamente as ler, sem saber se lhe estão destinadas ou não. Tantas, são as vezes, que queremos cativar, alertar, mimar, chorar ausências, e no destino exacerbam frio vinagre, erosão maior, pela imprecisão do que foi interpretado. É difícil dizer, mesmo quando apessoados saberes, parecem ilustrar inteligência, na realidade, acabarão por ser funestos se a sensibilidade de outrem estiver longe, quando se diz.

dc


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Tarde, sempre tarde



Apercebeu-se, no virar da esquina, quão precário é o tempo existir. Sentiu um arrepio, no corpo, sentiu a dor das horas perdidas sem substância. O encantamento desfez-se, ficaram somente resíduos de escassos momentos em que valeu a pena. Faz medo, o lado obscuro do outro eu, que sempre esteve na sombra. Não chegarão, no fim que se avizinha, a justificação, de algumas indecisões, ou a tentativa frustrada de recuperar o tanto que se não fez. Seremos sempre um corpo abandonado, debaixo da cama de flores com que nos despedimos.

dc


sábado, 19 de agosto de 2023

O entardecer é um suspiro

 

O entardecer é um suspiro. Corro para ver o Sol, antes de ele partir para outro lugar. Depois fico-me, sentado, usufruindo o bater das vagas no lençol de areia. Tudo o mais é silêncio. As gaivotas já se despediram do dia, e, algumas, estão em grupo pousadas no areal, talvez preparando o sono, quem sabe. Só na minha cabeça, as engrenagens, da vida activam, os diferentes sentidos. As minhas mãos, vivenciam o toque da areia, que escorre entre os dedos; os meus olhos, procuram gravar as cores que marcam o céu e desenham o horizonte; o meu coração baixa as batidas, e a respiração torna-se compassada, lenta absorvendo todos os odores que me chegam. A emoção toma todo o meu ser e uma paz estranha, mas deliciosa, se apodera de mim, sem permissão para interrupções. O mar, está ali, com a sua canção de embalar, para que tudo esteja certo, para que tudo dê certo. Tudo adentra, o frio não existe, a angústia se foi, a serenidade se implanta, o presente torna-se intenso, único, autêntico.

dc


sexta-feira, 18 de agosto de 2023

com outros olhos...

 

Gostaria que me visse com outros olhos, que sem temer, se aproximasse, que desse um passo, para abrir a porta do conhecimento de si. Que proporcionasse um diálogo, de olhos nos olhos, sem restrições e preconceitos. Que quisesse descobrir o que os meus olhos dizem, quem sou e o quanto posso partilhar. Até seria bem possível, que servisse de gazua para abrir a minha caixa de emoções, há muito fechada, dela trouxesse à luz do dia algo de diferente, menos comum, mas real e humano suficiente. Com erros de percurso, com vitórias reduzidas, mas de algum modo vividas e duramente conquistadas, com força capaz, para que formado o par, contribuísse para derrubar obstáculos, libertar sentimentos, surfar na alegria e na felicidade possível. Nada se conquista, sem derrubar o medo de errar, superar as incertezas e confiar nas forças que nos suportam, acreditando que todos os dias serão diferentes, com tempestade e bonança, com frio e calor, com tristeza e alegria, mas, sempre com confiança, de que juntos somos mais fortes, para superar e alimentar o amor, que o sorriso ilumina, os olhos denunciam e o beijo acalenta.

 

dc


terça-feira, 15 de agosto de 2023

Upss...


Uma da manhã, o ruído acorda-me. Em apartamentos de férias, de gente pouco abastada, as paredes são de papelão e os ruídos acontecem como se fossem dentro do nosso espaço. Ouvia-se a água a correr de um chuveiro, e todos aqueles ruídos, que alguém habitualmente faz quando toma banho. Um pouco mais tarde o ruído da escova de dentes e água do lavatório a correr…

Ela entrou, com uma blusa preta e uma saia, cor branca, a desenhar-lhe o corpo, cabelo aloirado, com madeixas de cor clara e escura, preso na zona da nuca. Olhos verde-claro, boca carnuda, orelhas com brincos simples. Educadamente, levanto-me para puxar a cadeira onde para se sentar à mesa comigo. Uma ligeira vénia surgiu de si como agradecimento. Após a conversa, plena de lugares-comuns, entrecortados com sorrisos e gargalhadas, foi evoluindo aumentando a intimidade, até terminar com um beijo, ousado que ela se permitiu sobre a minha boca. A boca húmida, deliciosa, agradável, macia como veludo, fofa, adentrando mil emoções em mim. De seguida levantou-se, pegou na pequena bolsa e sugeriu ir maquilhar-se. Muito tempo depois, não tendo regressado, fui saber da razão da sua ausência. Procurei em todo o espaço, e não a encontrei, resolvi com calma, perguntar ao empregado do restaurante se tinha visto a senhora, que estava comigo. Fiquei a saber que afinal ela tinha saído, segundo parece de forma apressada, sem, como diz a estória, tivesse deixado um pequeno adereço que me fizesse encontrá-la. Umas semanas mais tarde, quando atravessava a ponte que une as duas cidades, vejo-a correndo sobre o tabuleiro superior da ponte, com os cabelos soltos, vestindo, já não roupa de férias, mas um casaco de pele, com lã branca a sair da gola e dos punhos. Parecia perseguir algo. Um grupo de pessoas, parado no passeio, travou-lhe a marcha e após conversa agitada com mãos e braços gesticulando, retomou de novo a correria, até que mais à frente, encontrou uma multidão de pessoas que se manifestavam, que a impediu prosseguir. Enquanto isso, eu corria no seu encalço e observava tudo de longe, assim vi o seu ar desanimado, como se algo tivesse impedido de atingir o seu objectivo. Levantou os olhos, ao ver-me aproximar-me, correu na minha direcção e disse-me: não preciso correr mais! Atirou-se nos meus abraços e deixou-se aconchegar, como se tivesse encontrado o seu lugar. Olhou-me, com os seus olhos, cor de mar, cheios de lágrimas, beijou-me e disse: eras tu quem eu procurava!

O apartamento de férias, dava para um corredor exterior do lado da rua, a sua entrada, ficava no lado esquerdo e no lado oposto, no fim do corredor, ficavam as escadas de saída para rua. Ao sair para a minha caminhada matinal, vejo o perfil duma figura de mulher, a sair da porta do apartamento pegado ao meu, só via, cabelo com madeixas, saia comprida e blusa preta. Instintivamente paro. Havia algo nela que reconhecia, rodou o corpo olhou-me e o espanto tomou-me…e despertei.

 

dc