Hoje só me resta o silêncio. Perdi-me, não sei encontrar as palavras certas para comunicar. Fico parado olhando o vazio esperando a centelha que me acorde da mesmice de todos os dias. O tempo passa sempre no mesmo ritmo e sensaboria, com as mesmas preocupações, os mesmos dissabores e a a mesma azia, tudo coisas requentadas pela repetição. Por vezes, sentado no velho sofá da casa, de perna cruzada, resto sem saber se vale a pena continuar, esperando que algo aconteça que me aqueça o coração e me conforte a existência. Olho os livros esperando que na lombada um título me desperte, que me projecte para a leitura de um outro pensar, que me ajude a recordar a razão pela qual estamos neste presente, que me acorde para a realidade e me faça acreditar que a vida é um conto com um final feliz.
Assim acordei neste dia enevoado de 2011 e não sei se isto tem cura, mas sei que a continuar assim ... só me resta a loucura.
Sim foi no final do verão, que tudo começou, Setembro era o mês.
De palavra a palavra, de conversa em conversa, de sinal em sinal, só a voz e entoação suave, ou agreste, simples ou complexa, mas voz que mexia na carne, agitava o sangue e se fixava. Era ainda uma sonoridade sem cheiros que marcassem memória.
De repente tornou-se corpo, imagem, vida, surgindo do fundo negro que desenhava a entrada do edifício. Chegara o dia em que todos os elementos se juntavam, voz e seus sons, imagem e seu real, cheiros e suas referências, beijos e seus desejos.
Dias foram poucos plenos e loucos. Umas vezes caminhado sobre o passado em ruas de outrora, outras restando no silêncio das paredes e alguns outros, somente dois perdidos em si mesmos, saboreando a doçura do instante.
Assim se iniciou o fim do verão e teve início o Outono macio suave deliciosamente modulado, emoldurando vidas, gestos, castanhos suaves e folhas que se desfaziam debaixo dos pés, como quisessem reformular um novo tempo.
No entanto seria o inverno que entrou até aos ossos arrefecendo o ar como a alma, que iria estragar o desenvolvimento da história tornando trôpegas as palavras tirando serenidade ao discurso deixando as frases marcarem silêncios.
A distância enrola-se nas ausências, o destino fica sem chegada, e a figura que emoldurou a entrada sobre o fundo escuro, fixou-se no nevoeiro da ambiguidade.
O que foi não voltou a ser e a morfologia dos acontecimentos se alterou deixando rastos de um crime que não aconteceu.
Há quem diga que devemos rir, e penso que sim, mas pergunto-me como fazê-lo se nos torturam a graça de viver.
Quem lhe dera que as palavras que escrevia tivessem a verdadeira leitura que as motivaram a ser escritas. Ele punha-as lá para que a mensagem chegasse, para que o desistente não desistisse, que o valente persistisse. Até pensava que depois de lidas seria mais fácil que sorriso surgisse, assim como quem está contaminado pela gargalhada forjada, que alimenta um sorriso como se inesperado.
Nada acontecera, e sempre se desvaneceram as palavras no pensar dos outros, no sentir de outros, longe daquilo que queria que elas e eles fizessem ao ler-lhe a alma, ajudá-lo a sorrir, a partilhar e a acordar as memórias.
Sim, derramou-se a escrever as palavras que transportam tristeza, que falam de dor, que pensam por todos mesmo sendo de um só. Porque não deixar que elas desabafem o que dentro precisa de ser desabafado, para que saindo do pesadelo possa realmente sorrir?
Não lhe censurem a rigidez, as posturas altivas, ou as frases construídas como se fossem muros.
As rugas na cara, as sobrancelhas franzidas, palavras azedas. São manifestações de limpeza, de afastamento, de ganhar distância da realidade crua que a todos vitima.
Talvez ele, porque mais sensível, ou nem por isso, pretende que as palavras ao serem escritas se esvaziem pelo conteúdo e permitam o tal sorriso, ou gargalhada, que afasta fantasmas e torna a vida mais bonita, mais sonora, mais enriquecedora, envolvida em beijos e carícias, em abraços e ternuras, distribuídos em larga escala como se a sorte grande parisse um outro ser e um outro mundo sobre os escombros.
Não quer que lhe leiam o passado mais do que ele próprio, pois dele tem histórias sobre histórias, que não deixam de doer.
“Quem diz a verdade não merece castigo”, diz o povo, então porque razão a verdade não pode fluir mesmo que exagerada na expressão do seu sentir.
Este texto é bem o reflexo da sociedade em que vivemos, poucos de nós temos capacidade para silenciar absorvendo a mensagem do outro. Não ouvimos construímos frases enquanto o outro fala para procurarmos superar o que ele disse... mas o quê se não ouvimos?
Do genial Rubem Alves, lá das Minas Gerais...
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade...
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração..... E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor...
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança...
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio... Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos..... Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades. Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência... E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar...
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
Aquilo que na mente quer e não pára, o corpo já não obedece, e vai trazendo maior de dor que a própria ausência.
Noite dentro sentido as paredes apertarem-no, vê o tempo passar enquanto espera que o corpo reaja à doença. Por mais voltas que dê não consegue, ainda hoje, saber o que se passou.
Gostaria de a ter em seus braços antes de partir, sentir mais uma vez o calor do seu corpo saborear de seus lábios no beijo que tanto deseja.
Foi enredado num esquema de emoções que prendem como numa gaiola, onde nem cantar pode porque a voz lhe fugiu, como lhe fogem todos os dias bocados de vida.
Solta-se o rio. Vai procurando margens na pele por onde seguir, formando rugas no leito do rosto. Nada dói tanto, como querer e não poder.
Gostava de voltar a sorrir. Com o sorriso aberto como quando criança vindo de dentro sem estar enredado nas malhas estúpidas da dúvida e sem a pressão de se ter de ser certinho e bom “menino”.
Nesta entrevista com Julian Assange, fundador e dirigente de Wikileaks, o atual Presidente do Equador, Rafael Correa, fala sobre as dificuldades que os governos populares e progressistas da América Latina enfrentam em sua tentativa de mudar as estruturas elitistas dos sistemas de governo instaladas em nossos países, ao invés de se limitarem a administrá-las, como seria do desejo tanto das oligarquias locais como de seus sócios maiores dos países imperialistas.
Da exposição de Rafael Correa, podemos entender como, na era da globalização neoliberal, os meios de comunicação corporativos passaram a exercer de fato a função de principal partido político representante do grande capital, deixando para a partidocracia tradicional o papel de meros coadjuvantes na tarefa da defesa dos interesses dos setores hegemônicos do capitalismo.
Rafael Correa fala da profunda simbiose existente no Equador entre a mídia corporativa e o capital financeiro, assim como as consequências negativas para os governos progressistas e o conjunto da sociedade que advêm de tal fato.
No Equador, como também no Brasil e em toda a América Latina, os grandes meios de comunicação privados estão intrinsicamente ligados a quase todos os setores econômicos dominantes da sociedade: o financeiro, o industrial, o rural. Esses meios atuam como baluartes na defesa dos interesses de toda a classe capitalista, e são, por sua vez, compactamente protegidos pelo conjunto das instituições capitalistas sempre que se veem diante de alguma ameaça a sua atuação. Em tais momentos, os coadjuvantes pertencentes à partidocracia devem empenhar-se para blindar eficazmente os órgãos da corporação midiática. O conteúdo desta entrevista nos possibilitará entender melhor o poderoso esquema de proteção armado no Brasil para tentar evitar a condenação da revista Veja, comprovadamente envolvida no mega escândalo oriundo das atividades da quadrilha de Carlinhos Cachoeira.
A visão latinoamericanista defendida por Rafael Correa deveria servir de inspiração a todos os que buscam edificar em nossas pátrias sociedades dignas, soberanas e praticantes da justiça social. Para ele, o consenso não é algo desejável se for para manter intacta as estruturas de espoliação social herdadas de anteriores governos pró-oligárquicos.
Fiquei-me só pela sombra. Deixei-a flutuar, não quis saber dos seus vapores. Rejeitei ser iludido por um bem estar temporário. Embora o fascínio da sua cor e o cheiro que pairava no ar me fizesse secar a garganta, e a língua se enrolar inquieta, não me deixei iludir e mantive-me distante. O suor corria-me pelas costas abaixo, tal o esforço despendido para continuar longe da tentação.
A experiência do passado recente continuava viva em mim, quando o vi morrer deitado no leito agarrado ao vício. Tudo lhe servira nos últimos dias para apagar aquele desejo insano que o seu corpo solicitava a cada segundo. Nem o cheiro perfumado do after shave ou da lavanda barata o tinham impedido de emborcar todo o conteúdo.
As dores abdominais possuíam-no, a cor terrosa da sua face evidenciava a sua destruição física. O seu cérebro já não comandava e o fim estava a vista.
Ele morreu, deixou-me mais só, com o mesmo sangue viciado no corpo e com a mesma brutalidade com que marcara toda a minha vida. No silêncio da sua morte, trespassado pelo sorriso de alegria duma criança, que vira seu avô morrer, assustei-me, quebrando o cordão umbilical. Foi uma luz acesa no seio da floresta.
Acordei na realidade, teria de evitar repetir a história. Todos estes anos estive “agarrado” e fiz mal a todos os que me rodeavam. Primeiro perdi o emprego, depois perdi, os amigos e agora na iminência de perder as pessoas que mais amava. Não ouvia os filhos e castigava-os na dureza, e punha-os na frente da brutalidade infligida sobre a sua mãe. Correiadas, bofetadas, e tudo o mais que na hora surgisse, seguido de sexo bruto, violento. Violentava-me e era violento, agindo sem nexo.
Naquele mesmo dia todas as sombras deixaram de existir. Apaguei a luz do infortúnio que durante anos me dominara, sentindo o seu gorgolejar na pia da banca e o ruído do vidro estilhaçando, como se fosse uma nova música de sucesso.
Agora teria de manter a coragem e suportar a decisão. Suaria quantas camisolas fossem necessárias e vomitaria das entranhas todo aquele sabor etilizado no correr dos anos, feito sangue.
Havia uma nova esperança, a revolução chegara vestida de cravos vermelhos e apontava para uma outra sociedade com outros valores e apontava caminhos para renascermos. Já não seria um espelho social.
Assim fora escrito há trinta e muitos anos, hoje sinto-me novamente no limite e com medo de que tudo regresse. Estão-me a abafar os dias tirando-me as saídas. Desempregado, com contas para pagar, filhos estudando, e um sistema político asfixiante, que me vai roubando todos os valores materiais e morais que me restam. Se isto não muda...