quinta-feira, 4 de abril de 2013

CONVERSAS



...A conversa é um encontro de mentes com recordações e hábitos diferentes. Quando as mentes se encontram não se limitam a trocar factos: transformam-nos, reformulam-nos, tiram deles diferentes conclusões, adoptam novas linhas de pensamento. A conversa não se limita a baralhar de novo as cartas, mas cria novas cartas...

...É como uma faísca criada por duas mentes. E o que no fundo aprecio são os novos banquetes comunicativos que uma pessoa pode criar a partir dessas faíscas.


Elogio da Conversa - Theodore Zeldin

É de conversa que eu quero falar, daquelas conversas que não são conversas, que um fala e o outro ouve desligado do conteúdo. de repente acorda da sua letargia bocejando entre cada uma das frases que solta, interrogando, se ele vai continuar ou mudar de assunto. Cria-se um silêncio constrangedor em que cada um fica sem jeito. Sim isto acontece muito na chamada conversa de surdos em que a partilha se perde, onde não se baralham cartas, nem são criadas novas, nem sequer chega a haver jogo. E nem cartas escritas se podem fazer de tal conversa, porque o conteúdo se foi, se perdeu num qualquer labirinto entre os conversadores.


Ele fala que se farta, a voz dele torna-se um zumbido no meu ouvido. Não sei porque o faz, talvez tenha necessidade de descarregar as pilhas do silêncio, que durante horas acumulou. Talvez seja somente a sua necessidade de comunicar o que aprendeu no seu silêncio, e no qual foi devorando, outros silêncios, nas letras que seus olhos foram percorrendo. Já me tenho interrogado, se as pessoas como ele se apercebem, que os outros não estão a acompanhar o seu raciocínio, ou que já não se ligam às mesmas preocupações e interesses a que se devota, ou, se calhar, porque ignorar é mais saudável. Digo eu.

Ele não sabe que quando eu falo pelos cotovelos, é porque ele nem sequer grunhe no desenrolar da conversa e que o seu silêncio atento me diz da distância a que se encontra. Fico atemorizado se o silêncio pairar entre a nossa conversa—que não existe— e prefiro o monólogo a esse silêncio entre nós. Tenho medo de ter de dizer a última palavra, antes de me despedir finalizando a conversa. Diz ele.

De fora, ao longe observo os conversadores, que não conversam, o fio condutor, que poderia existir há muito se partiu, nos “eus”, nas diferentes memórias que temem recordar, nas preocupações diversas de cada um, deixando de existir a faísca entre as duas mentes, não existindo uma refeição comunicativa quanto mais um banquete.

Eu, o observador, já tenho saudades daquelas conversas partilhadas, quase tertúlias, que tínhamos, sem horas nem local escolhido, em que devorávamos tudo o que cada um comunicava. Um dia destes tenho de matar saudades fazendo uma orgia comunicativa, onde se soltem foguetes, faíscas e trovões.

DC

terça-feira, 2 de abril de 2013

CINZENTO POR DENTRO


Caminhei olhando as pedras da calçada, pisando alcatrão, cimentos nos passeios, terra e jardim, sem fazer distinções. Caminhava afastando-me do que me agitava, do que fazia temer e tremer, da angústia, da falta. Olhava e via o piso correr, enquanto me fatigava nesses pensamentos confusos que nos levam a insanidade. Minha mente funcionava como uma pintura abstracta, onde só a cor e a composição faziam sentido, o resto perdia-se no gosto do observador. A chuva caía molhando as lentes dos óculos tornando mais difícil o ver. Temia tropeçar, como tantas vezes tropeçara em outras decisões e caminhadas da vida, e esborrachar-me ali no chão duro, fazendo lesões no corpo, mas ao mesmo tempo sentia que se isso acontecesse a dor seria menor que a indiferença com que somos premiados, e no quanto ela nos fere por dentro. 
O céu cinzento e a chuva, contribuíam para que se enegrecessem vontades e os objectivos traçados se perdessem nas conjecturas, sem que se lhe adivinhasse fim.

A mente por vezes trai-nos com o seu mapa de memórias e sentimentos, trazendo-nos pensamentos soltos e frases, “ não podes querer ter sol na eira e chuva no nabal”, “não se pode ter pau e bola”. Surgem e ligam-se umas com as outras em abstracção, sem procura, como reflexo de algo que escondido em nós não se quer revelar. “Mais importante do que fazermos o que nós gostamos é fazermos as coisas com quem gostamos”. Restos que ficam de um filme, diálogo, pensamento? Nada se esclarece. Nem sequer a razão porque transpus a porta de casa, me coloquei debaixo da chuva e do céu cinzento, caminhando sem norte. Também não era importante saber, ou aduzir razões, se o instinto, ou aquilo a que chamam intuição que me atirou para o espaço exterior. Havia uma necessidade, certamente, de estabelecer um caos interior, para não deixar que as preocupações quotidianas se assumissem.

De quando em vez levanto os olhos, não deixando que a cegueira, se instale, adentrando em mim. Sinto o cansaço que nos outros faz regra em defesa do seu espaço. No egoísmo do eu, como se não houvessem mais eus para além do nosso, e na incapacidade de pensar na troca de uma incerteza pela prazer de viver, nem que seja curta a sua passagem. Há machos que morrem na cópula, porque é essa a sua natureza, mas não o deixam de fazer. “mais vale um gosto na vida que....”

DC

segunda-feira, 1 de abril de 2013

DIA DOS PINÓQUIOS





É Dia
das Mentiras, ou dos Enganos, na realidade este dia deveria deixar de ter este nome e passar a chamar-se o Dia da Verdade. Temos de inverter as coisas, as mentiras passaram a ser o Pão Nosso de Cada Dia, ao longo dos trezentos e sessenta dias do ano e as verdades muito raramente surgem no quotidiano das pessoas.
Engana-mos a fome, perante o estômago, e mentimos pelo que dizemos comer e não comemos e à família, aos amigos, os vizinhos e todos os que nos rodeiam.
Mente-se, falando da roupa, da sua qualidade e preços, comprando roupa usada, —agora até é moda (?)— ou roupa oferecida por amigos, e até, em algumas situações, aproveitando as deixadas junto aos contentores, que almas caridosas não misturam com o resto do lixo.
Mentem os pais aos os filhos e sobres os filhos e seus comportamentos, ou abdicando de si próprios, para os encobrirem, ou oferecerem aquilo que não podem.
Engana-se o companheiro/a, namorado/a, marido ou esposa. sobre os sentimentos, as emoções e as asneiras que fazem à custa disso.
Mentem os desempregados sobre a origem do dinheiro, dividindo o subsídio em meses, saindo de manhã cedo todos os dias para ficarem no café ou irem até ao fundo de Desemprego à procura de trabalho, ou fazer cursos “formação”.
Mentem políticos governantes, quando querem ganhar as eleições e mentem depois de o conseguirem, porque tudo o que prometem desaparece do mapa de compromissos com o povo e a quem dizem estar a zelar pelos seus interesses, trocando-os pelos dos poderosos do mundo da finança, com as Troikas, destroikas e os cunhacimentos.
Mente a igreja, escondendo os seus pedófilos, o seu mundo interior atribulado e as suas manigâncias económicas, fazendo conluio com o dinheiro e o mundo da finança.
E até os que falam verdade são interpretados como mentirosos porque aquilo que dizem é tão contra-natura que só pode ser mentira.
Por isso, e sem enumerar todos os factos, lugares, espaço, ou tempo de tanta mentira, proponho que se produza um abaixo assinado, que institua a mentira como um facto nacional e o Dia das Mentiras se transforme em Dia das Verdades, porque essas sim,
são cada vez  menos fáceis de produzir.

sábado, 30 de março de 2013

Na PÀSCOA....


.....não ofereci amêndoas torradas, nem de licor, nem daquelas de chocolate, ou de espécie alguma. Também não ofereci um coelhinho, nem um ovo pintado, pão-de-ló, ou fios de ovos, e muito menos absolvição, não sou católico e menos ainda padre. Ofereci uma voz com palavras sentidas, opiniões várias, cultura diversificada, um ouvido atento, um sorriso na distância, um espaço para pensares. As outras coisas só na Páscoa se oferecem, o que ofereço tem todo o tempo e espaço estabelecido por ti, assim tenhas vontade.
DC

sexta-feira, 29 de março de 2013

ESCREVO-te muitAS VEZES



Tenho escrito algumas vezes procurando chegar ao centro de ti mesmo, e não consigo. Uso as palavras doces que tanto gostas, as frases que me revelam, só para ti, e mesmo assim não consigo abrir esse cofre onde te fechas.

Não mates a minha vontade de te escrever, não me coloques a dúvida do teu sentir, faz-me acreditar que “ouves” o que eu digo, e me abraças enroscado nas frases que elaboro, e me beijas com o acento circunflexo dos teus lábios.

Faz-me sentir que não corro o risco de a chave se perder, e de as minhas palavras desaparecerem, transformadas em letras desgarradas como grunhidos, puf ahg ih .

Não me troques pelo tempo no computador, ou pelo jogo de futebol do clube que adoras, porque um tem muita tecnologia e o outro, por vezes, é fanatismo exacerbado e ambos te robotizam, afastando-te do que eu escrevo.

Escrevo-te muitas vezes. As palavras fazem as frases e descrevem o que eu sinto. Algumas vezes sonho, que o que eu te escrevo te provocará resposta, e que nesta, as palavras virão para me assegurar de que “ouviste” as minhas emoções e o quanto receptivo a elas és.

Não demores, a escrever e a responder ao que eu escrevo, porque provocas em mim o receio de que é tempo de te perder.

Enquanto te espero, pinto os meus lábios com letras góticas, arranjo cabelo no melhor itálico, faço unha com todos os acentos e visto-me com a simplicidade duma arial regular, para quando chegares te receber com frases de poeta.

segunda-feira, 25 de março de 2013

COMENTADORES OU COMENDADROES

Gaiola dos Papagaios
Há uns pobres coitados que são comentadores de televisão que passam o tempo a fazer futurologia, sobre politica. Eles não serão certamente tão “coitados” assim, na prática eles sabem bem qual é o seu papel, e desempenham-no tão bem, que de facto parecem uns “coitados”. Quando acertam dizem “ EU não disse!”, quando falham passam ao lado e começam a falar de uma outra figura pública qualquer, ou de uma outra medida, económica e social, área na qual ainda acertam menos, assobiando para o lado. Agora o tema é o regresso do Sócrates, para disfarçar, dar protagonismo e obterem o efeito pretendido, arrasar mais uma vez os PS, antes das eleições, trazendo à liça o seu maior coveiro. Porra lá estou eu a comentar.

Alguns desses comentadores de “democracia” insuspeita, que andam a disparar para todos os lados, mesmo contra os partidos dos quais fazem parte, contra as medidas governamentais, de repente quando ouvem falar em moções de censura, ou que o governo pode cair, gritam aflitos, “ aqui del-Rei, porque precisamos do terceiro, ou quarto pacote da Troika...o país caía para o lado de esgotamento... que tudo seria uma catástrofe, a bancarrota, a banca cosida” e por aí fora.

Afinal para que servem os comentadores, que aparecem todos os dias a comentar, que comentam as acções dos outros e suas falhas, sem falar das suas opiniões e acções que não se concretizam, mas que com muita lata vêem dizer: “não era bem assim, era mais assado, e mais ao lado e depois prá frente”, e todo um chorrilho de asneiras que parecem ser de indivíduos dotados de inteligência acima da média, Assim fica o povo embasbacado, sem saber o que lhes chamar, se comentadores, ou comendadores, ao serviço da comenda dos “gajos da massa”.


Dizem-nos que esses senhores fazem parte da “liberdade de expressão e comunicação” de uma sociedade moderna. Fico confuso, porque não percebo a razão de só haver comentadores praticamente de um quadrante político e não se ouvem de outros sectores de opinião em especial da parte daqueles que são os mais lesados na sociedade.

Privatizaram-se canais televisivos e outros media, com a falsa perspectiva de que haveria mais escolha de programas e de opinião, pelos vistos como o governo, até obter o que queriam defenderam uma coisa, depois de a obterem e estarem no poleiro fazem outra.

Desgraçado povo que tão enganado é e que ainda lhes faz rapapés.


Devíamos fazer uma campanha de vinte e quatro horas sem ver Televisão, um dia sem comprar jornais, um dia sem comprar revistas e por aí fora a ver se estes senhores da comunicação percebiam, inclusive os próprios jornalistas que o povo é quem mais ordena e como tal é para ele e com ele que devem estar independentemente do accionistas.

Hoje os jornalistas já se auto-censuram porque têm medo de perder o emprego, se assim continuamos, vamos dar razão a alguns vendedores da banha da cobra que nos querem vender os jornais formatados da internet e de origem duvidosa.

sexta-feira, 22 de março de 2013

A VIAGEM


Longo tempo passou desde a minha última viagem para longe da área onde habito. Todos temos uma área de conforto onde parece existir tudo o que necessitamos. A loja, o jardim, o transporte, o café, o restaurante, o amigo, o hospital, enfim tudo aquilo que nos torna a vida num quotidiano rotineiro, do qual muitas vezes reclamamos, mas que “nos fica tão bem”.


Sempre fui bicho do buraco, por insegurança? Por comodismo? Isso queria eu saber. Na verdade, uns adoram viajar, outros preferem não ter de se incomodarem a sair, porque não podem levar a casa às costas com tudo aquilo que pensam precisar e que são o seu “sempre à mão”.


Sair em viagem para mim é uma necessidade sanitária, preciso de limpar a mente e voltar a reencontrar o prazer do retorno à origem, quando ela finda. Gritar na entrada da porta dizendo; “cheguei, lar doce lar”. Tomar um banho, deslizar no sofá e reviver os dias finais da viagem. O restante será revisto de forma divertida, só, ou com os amigos e familiares, entre risadas alegres esquecendo até que não gosta nada de viajar e de romper as suas rotinas.


Vou fazer uma pequena viagem, não pelas razões do costume, e sim porque terei o prazer de encontrar um outro lugar, onde espero, o acolhimento seja doce, a cidade me seja apresentada com todo o seu esplendor, e as delicias gastronómicas caseiras sejam um prenúncio, de uma noite com pouco dormir e muito prazer, sentir, sorrir e viver.


Fico sentado olhando a mala, ainda com um pequeno espaço, onde caberão mais algumas coisas. A mala é pequena, mas grande o suficiente para levar o essencial para tão pouco tempo, dúvidas tenho se o meu recheio é o suficiente para preencher esse alguém que espera minha visita.


A viagem parecerá tão longa, como curto o tempo de estar, mas estou convicto, que as memórias que se desenharão naqueles dias, serão tão perenes que permanecerão como marcas na pele, como outras, com o sabor dos morangos com chantilly.

Entretanto, como é habitual antes de qualquer viagem pequena, ou grande, fico sentado olhando o espaço envolvente da sala como se temesse perder as suas referências, ou deixar abandonados os meus livros, pinturas, e outros elementos decorativos, que a preenchem. Assim vai a noite, lentamente adentrando, e eu no meu silêncio vou alimentando a expectativa, pensando no transporte, nos horários, se nada fica esquecido esperando que o sono surja e o dia traga alegria na partida.

DC