terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

De regresso ao mar



O corpo leva-me ao encontro da brisa, do cheiro da maresia, que inspiro como um animal selvagem, enchendo os pulmões de oxigénio, inebriando-me. Eu corro ao longo dos pensamentos que as ondas do mar renovam. Não acelero a passada, deixo os pés entrarem na areia sentindo a humidade da orla da água, o chapinhar soa aos meus ouvidos como uma canção, dando ritmo e pausando as batidas do coração. Ali amenizo todas as tensões, afasto problemas, encontro-me frente a frente comigo próprio, minimizando cansaços e todas as dores.
Na minha mente repete-se, como um estribilho: vieste do mar até mim, é no mar que procuro esquecer-me de ti. É possível que tenha de ser assim, este procurar na raiz, a solução.
Foi junto ao mar que pela primeira vez me extasiei com o teu corpo e te vi quase nua, seduzido por cada curva e contracurva que o delineavam. Foi uma loucura o prazer de beijar os teus lábios quentes pelo sol e pelo desejo. No mar lavámos o corpo depois do amor e respirámos o ar cheio de odores diferentes, carregando as energias, descansando no areal, sentindo aquele arrepio gostoso do contraste do corpo enregelado pela água e o calor do sol esquentando a pele. Não ficávamos ao sol para ficarmos morenos, mas para gozar aquele quente e frio. Por vezes repetíamos tudo desde o início, até sermos tomados pelo cansaço, que nos tornava lentos, dengosos, aliciando a ficar inertes e esparramados na areia. O caminhar no regresso, ao fim de tarde, era penoso, pelo cansaço e, porque o sol se pousava no horizonte fazendo-nos sonhar com a sua beleza, mexendo com as nossas emoções.
Agora, aqui estou eu regressado junto do mar, fazendo a catarse, tirando dentro de mim, todos os resíduos negativos deixando-me purificar, como se o mar fosse um soro que repara todas as anomalias.
“Aproveito e corro ao longo dos pensamentos que as ondas do mar renovam” deixando-me livre para renascer.

dc

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Que merda!



Não é fácil não, enfrentar-te deixar que te apoderes de mim, que me tragas ao meu corpo esse cansaço, a perda de frescura, da vontade e incapacidade para realizar e produzir objectivos. Não é justo, todo o processo deveria funcionar ao contrário, seria melhor para usar a experiência com mais aproveitamento e menos erros. Seria certamente contra natura, mas era definitivamente mais interessante, que tudo fosse regredindo até há idade do ventre, até mais fundo ao gozo de que me deu origem.
Tudo está feito deste modo, que havemos de fazer. No volume que nos desenha, vão surgindo as marcas do tempo, e se não a cuidarmos, a mente se vai infantilizando nas birras, no egoísmo, na soberba até que tudo se esconda na negritude do desconhecido. Que merda!

dc

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Na madrugada dos dias




Na madrugada dos dias, surgem as perguntas. Na mão que procura, o vazio das respostas. Já não sinto a tua respiração e o teu sono solto, nas minhas costas. Nem o calor, nem o cheiro, é uma ausência por inteiro. A saudade é dolorosa, e feita de muitos nadas que corporizavam a tua presença. Onde andas? Quantas vezes eu estou dentro do teu pensamento, ou nem sequer existo ainda para ti?
Cuido do cabelo, visto-me a preceito, pinto os meus olhos, retoco os meus lábios de vermelho vivo, como se esperasse encontrar-te, inesperadamente, nunca qualquer sítio, como acreditando que o acaso e a esperança se unam a meu favor. Tudo em vão, como sempre, acabo estagnada olhando o espelho, deixando as lágrimas correrem pelo rosto, transformando-o numa imagem de terror que transparece a minha alma.
Será que o amor terá de ser dor e arrependimento? Se calhar nem é amor, é um apego cínico que mexe os cordelinhos dos meus sentimentos, explora a minha falta de auto-estima, os excessos vários da vida quotidiana, que me criaram a convicção de que a tua presença é imprescindível para me libertar e sentir que estou viva. Esta carência permanente de sentir o afago dos teus dedos na minha face, como se limpasses todas as impurezas daquilo que são as vivências sociais e profissionais. A premência de sentir os teus lábios nos meus, como se me trouxesses à vida, depois do colapso.
As palavras insuficientes para explicar este meu sentir, são as únicas que permitem revelar-me e dizer de algum modo, que gosto de ti e que me apeteces.


dc

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

14 Fevereiro




Olho, esses teus olhos mareados e profundos, sinto-me diluir dentro de ti, como a água que bebes. Primeiro nos teus lábios e na tua boca por inteiro, depois, escorrendo por dentro até chegar bem fundo, espalhando-me fazendo parte de todo o corpo, transformando o nosso ADN. Fazemos a osmose do encantamento, pele na pele, boca na boca, mãos nas mãos, cada vez mais um só corpo, um respirar, um falar da mesma forma e seu entender. Não quero perder essa vertigem que nos torna bioidenticos, encaixando todas as células e pequenos átomos como tivéssemos nascido de um mesmo ventre, mas não irmãos. Existes, como se não existisses, porque existimos um, no outro. Talvez a isto se chama amor.

dc

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

“Oh! Avô, é a vida”




Os anos passam a correr, de um momento para o outro, onze anos se passaram. Aquele bebé bolachudo de cabelo encaracolado, se transforma num jovenzito, que deixou o blá blá, e já tem resposta na ponta da língua. Agora não aceita com facilidade que coloquemos contenção, no uso dos telemóveis, no computador, ou nos tempos que perde a ver televisão. Se por acaso, fazemos qualquer referência de algum exemplo nosso, ou aconselhamos determinados comportamentos, ou a inadequação de determinados termos, sempre responde: “Oh! Avô, é a vida”, e depois usando uma certa ironia, brinca perante o meu olhar severo: “Oh! meu avozinho querido”, e abraça-me.
Temos alguns gostos em comum, cumplicidade e partilha de ideias, como passear à beira-mar, a paixão por tudo o que são canetas, lapiseiras, lápis de cores, aguarelas, enfim tudo o que dê para escrever pintar e desenhar. A fotografia é outro ponto comum. Gosta bastante de fotografar, o que fazemos a dois com alguma frequência. É um prazer apreciar o seu empenho na escolha do tema, tem qualidade nas opções, inconscientes, de elementos de composição, como enquadramento equilíbrio de cores e espaço, e até, na sua adaptação de cores para preto e branco.
Tirando aquelas “rajadas”, que me lembra que está na idade de quem quer sair do “armário”, no resto é dócil meigo, interessado e bom aluno.
Fazer anos, para ele, é uma alegria enorme pelo prazer de receber lembranças e ter gente à sua volta e o famoso bolo com velas. Com razão, é este o momento em que deve ter esse prazer de celebrar com empenho, lá chegará o dia em que fazer anos será bem “chato”, por que é mais um ano que se envelhece. Até lá, parabéns, importante é manter a alegria, empenhar-se na obtenção de saberes e o prazer de viver e conviver com família e amigos.
dc

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O tempo de amar



Parecia estúpido dizer, que as palavras de amor se afadigam na procura do lugar e tempo certo onde pousar. Havia uma razão para assim pensar. Elas não devem ser desperdiçadas em algo morto, insensível à sua força e ao que delas se depreende. Passaram milénios a  serem usadas e a ter expressão na boca, nos escritos das gentes e na mente de tantos escritores, que lhe davam quase sempre o lugar certo e o momento adequado a serem utilizadas. Não entendia porque se menorizam os tais escribas e superlativam os trejeitos materialistas e tecnológicos, onde as mesmas palavras se tornam mais frias e são distribuídas a granel, quase se perdendo, como anunciando um prematuro defunto. Agora já não se olha o mar e a sua linha do horizonte à procura duma resposta, fica-se pelas imagens, artificiais, plásticas, limitadas, de uma qualquer plataforma digital, imitações distantes, ausentes da dimensão real, dos cheiros, das texturas que não se tocam, onde as palavras vivem como hieróglifos. Quando as pessoas perante a realidade, já não caminham olhando na direcção dessa linha que faz divagar o pensamento, preferindo agarrar horizontes em imagens perdidas de sentimento, fica o amor desaparecido no buraco negro da ignorância. Assim, vai-se desfazendo o conteúdo, a sensibilidade e o amor das vidas a dois, das famílias, entre humanos e os próprios animais. Não falta até, quem escreva, como se de uma evolução se tratasse, dizendo que um dia no futuro próximo, será um mundo de homens e mulheres sós, onde as expressões de amor, faladas ou escritas perdem o significado e força de outrora. O tempo de amar é roubado, para sobreviver numa qualquer profissão que traga o pão à mesa, sustente os Big Brothers e as maleitas de uma sociedade que visa somente o lucro.
Todos sabemos que existem ciclos, mudanças, a que nos vamos adaptando e são inerentes à evolução do ser humano, mas há também quem se afadigue, a que aceitemos tudo, até um retrocesso, como sendo evolução. Também sabemos que nos procuram colocar num contexto diferente, falando da inevitabilidade disso acontecer, como se a evolução dos seres humanos, fosse destinada a matarem-se uns aos outros, naquele fatalismo do “sempre houve ricos e pobres”, ou “sempre houve guerras” e não a de construir algo melhor para si próprios. Ouvimos as pessoas dizendo aos que amam não terem tempo. A pais, filhos, avós, netos, amigos, e por aí fora, assoberbados com as tarefas que a sociedade lhes coloca nas suas diferentes áreas de acção, e eu pergunto-me: Se as pessoas não têm tempo para se dedicarem a viver e aos que amam, o quê e quem amarão elas, e de que vale viver a vida?

dc