quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Um olhar oblíquo




O cansaço se espalha pelo corpo, como a água nas cheias se vai assenhorando da terra nas margens do rio. Entra lentamente e vai aumentando o caudal, até que o seu deslizar e intensidade vai arrastando tudo consigo. Assim é este cansaço longo de viver, de esperar, de não saber o rumo que dar. O corpo pesa, a mente pesa, a vida pesa neste correr de anos de experimentar, tentar no erro e acerto, no acerto e erro, sempre se esvaziando mais, deixando cada vez menos tempo de acerto, aprendendo cada vez menos, azedando, e sem espaço para errar sequer mais uma vez.
O teu olhar torna-se oblíquo de acordo com os livros e revistas que na estante te desafiam. Já não inclinas a cabeça. São os olhos que se entortam na azáfama de encontrar algo que te faça levantar do cadeirão, que te provoque a curiosidade e te faça empenhar em mais uma viagem que não a tua. Tal a preguiça, a ausência de vontade de partir, de fazer cacos, de lutar, de conversar e discutir conhecimento.
Escreves algumas palavras, “botas” sentimentos em letras redondas, em folhas de papel transparente que ninguém tem curiosidade de ler, nem saberiam a fórmula capaz de tornar legível o que expressas.
Tantas vezes como lagarta na couve, vais roendo pedacinhos e entrando no miolo do que em teu redor vive e se agita, correndo o risco de morrer sufocado nesse adentrar no tormento de procura sem resposta. Ninguém quer saber do que queres. Todos têm demasiado, de preocupação e chatice para reparar na tua normal incapacidade, perante a frescura dos que
recorrem à ignorância e se deixam levar pela superficialidade das coisas. Crítico? Talvez, demasiado de ti próprio, temendo a insensibilidade e passar ao lado dos que esperam o teu apoio, mesmo que signifique a dureza das palavras, o sofrer por eles, o de viveres, sem que te vejam e saibam, as dores que lhes ensombram os dias.
Deixa-te ir, lentamente, os dias tornar-se-ão menos pesados. O entardecer assumirá seu caminho, e depois, depois que se lixe, já ninguém saberá quem é quem e tudo irá parar ao caixote do lixo dos objetos amorfos.


dc

terça-feira, 11 de outubro de 2016

No silêncio me interrogo





No silêncio me interrogo ...

Tantos foram os silêncios que já vivi,
Tantos foram os silêncios procurados,
Tantos foram os silêncios não desejados
Tantos foram em palavras desenhados.

Percorre-se-me a vida nesse limbo
Nessa forma de aprender e sonhar
Nessa forma de sofrer e desejar
Nessa forma de ausência e de ruído.

...sobre todas as coisas
 e digo...

Gosto do silêncio quando ele não me quebra
Gosto quando me dá força, me inspira e alegra,
Quando não precisa de palavras para o definir
Quando funciona como notas música
Em melodias que na alma tocam
E fazem sorrir no silêncio de as ouvir.

Assim é o silêncio, um não ouvir relativo
Que acontece enquanto o sentir me faz vivo.


dc


domingo, 9 de outubro de 2016

"Pescar" imagens





Fim de tarde, o sol ainda brilha, já não tão forte, é acompanhado por uma ligeira brisa fresca. Momento ideal para passear na marginal da Foz do Douro e ver o dia findar apanhando os seus diferentes matizes.
Um mundo de gente diversa se estaciona sentada, uns só observando, outros conversando e, muitos outros pescando, Há gente que circula, caminhando, correndo, andando de bicicleta e outros, não poucos, de máquina fotográfica captando imagens.
Dizem, que alguns médicos recomendam pescar, para as pessoas relaxarem, ganharem paciência e como forma de pôr o stress, a mais, fora do corpo. Eu como sempre, levei a minha “cana de pesca”, mas de caraterísticas diferentes, a minha máquina fotografica Cyber Shot Sonny, herdada, já com alguns anos, e fui pescar umas imagens.
Conforme me fui envolvendo com o acto de fotografar, preocupando-me com a luz e seus efeitos, os enquadramentos dos motivos a captar, fui-me abstraindo completamente envolvendo-me de tal modo que se passaram quase três horas sem que me apercebesse disso.
Como pescar, fotografar vai-se tornando um “vício”, uma necessidade, não pelo efeito calmante, que também tem, mas pela sedução de captar o que aos nossos olhos se vai apresentando, cada vez mais, de modo diferenciado. Podemos fotografar dezenas de vezes no mesmo local, que cada dia, cada hora, cada minuto é sempre uma novidade, pelos diferentes factores que estão envolvidos. A luz, o tema, a paisagem e o que compõe tudo se altera e isso são sempre fontes de inspiração. Para além disso, a utilização de diferentes recursos da máquina, como sensibilidade, lentes, rapidez, e várias outras potencialidades, acompanhada pela  escolha de enquadramentos e de temas, provocam um progressão geométrica de dimensão incalculável.
Podemos não obter os efeitos e qualidade estética de que os perfeccionistas e especialistas desejam, mas somos sempre surpreendidos, pela evolução que vamos obtendo e pelo efeito de algumas experiências. Que é um prazer enorme o captar e ver os seus efeitos reproduzidos, não tenho a menor dúvida.
Fotografar é bom e eu gosto.

dc



quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Através das cortinas





Sentada, na sala despida, olha o mar sem fim através da janela. Escolheu o lugar, a casa e aquele mar para seu recato. Saiu do mundo em que nascera e habitara com outros, para viver o seu mundo. Escolheu fugir do frio que tinha, da cidade onde vivera, dos amigos. Nada a prendia, nem aos lugares, nem às pessoas, era andarilho em viagem à procura do seu estar. Estava ali porque sim, na sua solidão, no seu silêncio, no seu gritar. Ria desbragadamente, dançava com qualquer ruído parecido com música, e coloria seu vestir com o florido encanto dos hippies. Trabalhar era para viver, não viver para trabalhar, no quê e no por quê, nem se prendia a pensar.
Como tudo na vida, mesmo que se não queira, as memórias existem e de vez em quando surgem, cada vez mais perdidas da referência, como se fossem estórias contadas de livro. Já não sabe, se sempre foi assim que viveu, ou se agora procura descobrir no só que agora vive, no seu silêncio, aquilo que aconteceu. Começou a reparar cada vez mais naquilo que a rodeia, o olhar tornou-se mais agudo, o pensamento mais célere, sente e vê antes de que os outros se apercebam o que acontece. Aquilo que escolheu como paz de espírito traz-lhe mais “eus” para a sua vida, enchendo-a, talvez de mais, do que não queria.
Sabe uma coisa, quando se come vezes sem conta, uma comida que se gosta, sem que se acrescente variantes, seja no acompanhamento, seja no lugar onde se come, seja com quem se come, acabará por enfastiar. “Somos seres sociais”, pensava ela, nada é para sempre, se fosse não havia razões para que a palavra felicidade existisse. Por isso, ou vive e abdica de algo partilhando e vivendo os altos e baixos, seja do sol, ou intempérie da vivência dos dias, ou morre lentamente, absorvida pelo tédio, nesse só que escolheu e agora já não lhe dá respostas.
Não sendo solução, talvez um animal de estimação aconteça, para preencher o espaço em buraco de ausências. Será que o bichano lhe coçará as costas, lhe dará o caminhar abraçada no areal, o beijo de mel, responderá ao que interroga, chamará o cento e doze? ...


dc





quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Com a face no muro



Dou com a face no muro
Sempre que te procuro
Sempre que te sonho
Sempre que te quero

Rodo mundos te procurando
E ainda não sei
Se algum dia te encontrarei
Julgo que existes algures
Num certo lugar e espaço
Há não sei quanto tempo
Só que ainda não encontrei

Sei que chegarás a seu tempo
Sabendo que a vida é o momento
E nada temos a perder.
Sei que serás meu regaço
Sabendo quanto te procurei
Sei que não negarás o teu abraço
Sabendo que sempre te sonhei.

dc