quarta-feira, 24 de abril de 2019

Aos "Tóxicos"


Somos um intervalo, no tempo que decorre na vida de alguns. O intervalo, em que preenchem as dúvidas, enquanto o tempo corre apressado. Um espaço aberto, dado como certo para o desabafo. Espaço de excelência, onde descansam e dividem a consciência. Um depósito onde deixam as suas angústias e as suas dores.
Somos quem querem que mude, porque não modificam quem queriam que mudasse, laboratório de experiência, das suas análises, das suas dúvidas, das suas crenças.
Somos tudo e nada, perante as suas razões, que estão acima de todos.
Nós somos, quem somos, nesse intervalo de todos, sem que procurem saberem nada de nós. Alguns chamam a isso confiança, porque lhes convém, outros chamam-lhe afinidade para tentar chamar-nos para o seu campo de interesses. Alguns até nos chamam irmãos, primos, pais, amigos, anjos, e todos os adjectivos colados para o justificarem. Na realidade esses muitos, para quem “somos”, não são mais que uns quantos indiferentes, incapazes de assumirem os seus próprios erros, virtudes e defeitos, que procuram sobrecarregar as nossas consciências, com as preocupações que os acometem, assim dividindo.
Cansamos de ser espaço morto, no tempo que decorre na vida de alguns que se lembram de chorar no ombro as putices que cometem para aliviar a sua própria carga. Cansamos de ser um intervalo, das suas memórias, quando à sua volta, já nada nem ninguém abre o seu peito e os seus ouvidos, às suas dores desgraças ou alegrias. Cansamo-nos de ser tão maus como eles próprios, passando por compreensivo, experiente, social, amável, bom escutador, ou até cofre de segredos.
Os meus amigos verdadeiros são menos que os dedos de uma mão, para esses eu sou o que existe, visto a pele do que são e vivo as sua vidas como se da minha fosse. Esses outros, os tais outros para quem somos, que vão à merda nem no Natal têm perdão.

dc

segunda-feira, 22 de abril de 2019

"Trapos velhos"


A notícia comenta que um homem morreu aos quarenta e cinco anos de morte súbita, uma outra saúda dois idosos que aos oitenta e muitos se apaixonaram e casaram, e uma última conta que um casal, tendo ela vinte oito anos e ele cinquenta e seis, se tornaram pais de uma criança, nascida do seu relacionamento, e que continuam apaixonados.
Ele próprio certamente não gostaria que o deixassem entardecer com a convicção de que não há tempo de recomeçar, muito menos, que o rotulem com a treta da “maturidade” tirando-lhe a oportunidade de viver. Quem, avalia quem e se atreve a designar o que é certo, ou errado, quem determina a idade de nos apaixonarmos? Temos um tempo que nos foge, não nos impeçam de ser felizes, não estabeleçam os padrões que vos são fáceis de caracterizar, mas longe da vivência de cada um, da sua forma de encarar a vida, dos cuidados que teve para se preservar activo, saudável, capaz! Somos bons para que a reforma seja aos setenta, quanto ao resto que se lixem esses “trapos velhos”, será assim?

dc 


domingo, 21 de abril de 2019

Quanto tempo mais?



Corre contra a corrente, se nadasse afogava-se rapidamente. A espera é dolorosa quando deixamos ao outro a capacidade de decidir, no seu tempo, quando quer, ou não, dar o passo para o patamar seguinte. Ficamos sem força de decisão, para avançar, ou parar, e, inexoravelmente, vamos deixando a chama diminuir na sua intensidade, quando reparamos só restam as cinzas e o calor desapareceu.
Há marcas que não se apagam, vão-se desvanecendo, como um calo ósseo que vai sendo absorvido no correr dos meses, mas a cada variação atmosférica nos vai lembrando o que aconteceu, com aquela sensação aborrecida que nos traz à memória o que não queremos reviver.
O calor doentio, e a humidade a ele colada, se faz presente nesta data da chamada ressurreição, que todos os anos se repete. Comunica o falar da morte, seca a garganta, afasta as palavras e o cérebro fica como pasta gelatinosa que não encontra caminho para se fazer sentir, somente se molda aos momentos. É nesta apatia, como se dum coma social se tratasse, que se deixa ficar olhando a quebra do rio e os espelhar nas águas, lembrando que muita água correrá debaixo das pontes até que a paciência se esgote junto com a esperança
.

dc

sábado, 13 de abril de 2019

A dúvida


Não sei se são os seus lábios vermelhos e carnudos, se a expressão que vejo nos seus olhos, ou se é o desejo dum amor que me confunde e faz ver o que não existe. Na realidade está presente, e não sei como descobrir o que se passa neste labirinto instalado no meu pensamento, sem saída para me decidir. Tento tocar-lhe, mas ela é como a linha do horizonte, quanto mais caminho na sua direcção, menos são as hipóteses de o fazer. Continuo na dúvida, se são os meus pensamentos que me atraiçoam, ou se ela é mesmo tão intocável. Se é esta emoção que me domina, que não me permite meter a razão no que sinto, ou se será o medo do vazio, do silêncio, que me confunde, temendo que a realidade, dos meus sentimentos, esteja distante, daquilo que ela sente? A imaginação é fértil de mais, que transforma o nosso querer, em vontade, em necessidade de realizar algo que não depende de si. Para se dançar o tango são precisos dois, e neste caso, que sincronizem os passos, tenham noção do espaço, do tempo e da música que escolheram.

dc



terça-feira, 9 de abril de 2019

Cidade para que te quero


Fico do alto, bem longe dos seus cheiros, naquele vão enorme com uma espécie de gradeamento que me protege e esconde. Vou observando tudo aquilo que lá longe se move, veículos, pessoas e animais, como um desenho animado de uma cidade de brincar que eu posso fazer andar, ou parar, carregando no botão que a mantém ligada à corrente. 
Isolo-me da cidade, crio paredes invisíveis entre mim e os outros, entre mim e toda a sua actividade, que já não é a minha cidade, mas a daqueles que a visitam. São às dezenas com mochilas às costas, arrastando malas para o primeiro alojamento, ou, com garrafas de água e um saco plástico com fruta, circulando quase com frenesim como moscas. As esplanadas enchem-se de pessoas a falarem línguas estranhas, a comeram, acepipes que não são tradicionais, a beberem cerveja, ou vinho branco gelado que às vezes esconde a má qualidade, bebem vinho do porto, porque é doce sem saberem exactamente o que estão a beber e tomam muito café, porque além de ser acessível, tem a qualidade difícil de encontrar nos seus países. É gente que visita uma cidade em que os autóctones foram enviados para dormitórios nos seus limites, para que eles os “estranjas” possam encher a cidade que visitam. A cidade tornou-se uma grande gaiola artificial onde os operadores de turismo enriquecem, os bancos fazem câmbios e as câmaras e governo se aproveitam. Os verdadeiros cidadãos são as marionetas que divertem e compõem o cenário. Já não é uma cidade, habitada com as suas idiossincrasias, é uma cidade com poucos moradores e muitos trabalhadores sazonais. Quem ao sábado aproveitava, para ir à cidade fazer compras estratégicas, tendo estacionamento gratuito, agora tem de o pagar. Um arquitecto famoso em Portugal dizia, que a cidade era das pessoas que nela habitam, hoje a cidade é desse público flutuante que dá ideia de que é habitada. Vários foram os eleitos que prometeram fazer com que a cidade fosse dos que nela habitam, até prometendo voltar trazer pessoas a morarem nela. Tudo ficou no plano eleitoral, rapidamente obedeceram ao critério dos chamados interesses económicos. As recuperações dos edifícios fazem-se pensando, no hotel, no hostal(?), no boteco, (já não se diz tasco). A Avenida dos Aliados já se começa a chamar a Avenida dos Hotéis, não tarda que até comecem a aparecer ruas com nomes como Angela Merkel, May, Napoleão etc. etc. E em vez de Pensão Montalegre, apareça Hostal Happy Mountain. Os cidadãos, os tugas, passam a pagar os preços incomportáveis do turismo, em tudo que é sítio ao ponto de dentro do seu país ao pernoitarem numa das cidades que não a sua, paguem uma taxa. Afinal a cidade é de quem? O país é de quem? Quem elege estes todos senhores que comandam os nossos destinos como portugueses? Há quem diga, “é assim em todos os lados da Europa”, e eu pergunto, afinal para que serviu a CEE, para sermos cada vez menos nós e sermos cada vez mais deles, os que mandam, os donos de tudo, os senhores do poder e do dinheiro, que eleitos pela maioria do povo, só se preocupam com uma minoria, justificando com o, bem maior?

dc