quarta-feira, 26 de junho de 2019

Não há como disfarçar


Tentei por várias vezes, alisar a folha de papel amassado. Procurando encontrar nele as frases que escreveras, afinal não fazia mais que tentar apagar as rugas que marcam a exposição da pele ao tempo de vida. As palavras falam como passado, podem ficar escondidas nos vincos do papel caído no caixote do lixo. Aqueles vincos que tenho em cima de mim, podem ser amenizadas, mas não desaparecem e o botox não será solução. Seria um desperdício, os vincos seriam disfarçados, no entanto, continuaria um inchaço mais velho que a pele enrugada, seria algo como um bêbado colocando pó de arroz no nariz vermelho, que não conseguiria matar o tempo e as suas marcas.
Desde sempre pensei e penso, que a melhor forma de enfrentar a idade é trabalhando o corpo e a memória. Para o corpo fazendo exercício físico, para a memória fazendo exercício de leitura e raciocínio permanentes, mesmo sabendo que, neste último, se pode correr o risco de disfarçar a doença de Alzheimer, pois perante as dificuldades, que entendemos como cansaço da idade, vamos escamoteando aos olhares comuns a doença galopante. Assim pensando, deixei de querer disfarçar as rugas, ou de desfazer os vincos no papel para ler as palavras que escreveste em outro tempo, umas e outras não trariam solução ao problema, a seguir ao sessenta e nove, existe o setenta e não há como fugir. Carpe diem.


dc

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Sem me perder de mim


Se fosse possível passar os meus dedos pelos teus olhos, e secar as lágrimas que correm pelo teu rosto, eu o faria. Se tivesse um dom que me permitisse, ajustar todos os mapas do cérebro, para te afastar desse caos em que vives, fá-lo-ia. Se eu fosse médico, com a sabedoria da dimensão física do corpo humano e das suas emoções, tudo faria para curar a dor do teu coração.
Não quero saber, nem me preocupa, quem te magoou por não ter sido aquilo que alimentaste em ti e que esperavas fosse. Preocupa-me, é saber se te sentes como deves ser, que não perdeste a tua auto-estima, a tua inteligência e capacidade para te impores perante o desafio de superar a tristeza do passado recente, de concretizar os teus objectivos, trabalhando sem perder a noção do espaço e tempo, acreditando voltar a amar, sem perderes o espanto e o sorriso, que a todo o ser humano foi concedido. Falo disso, porque sempre te amei no silêncio, mesmo quando os teus sorrisos, não eram para mim, os teus dedos passeavam num outro rosto, e os meus olhos se perdiam do gesto, para se fixavam no teu rosto, e nos teus olhos doridos pela expectativa gorada ante a reacção do teu gesto. Enquanto estive preso ao meu silêncio, nunca me perdi de mim, nem de quem eu sou, nem da esperança férrea do meu gostar-te, para poder um dia ser oportunidade de encantar-te, de ser a resposta às tuas emoções e sentimentos construindo laços comuns.
Estás na encruzilhada, onde vários percursos te desafiam, eu continuo espectador das tuas derivas e expectando que as tuas decisões rumem em relação ao meu ocioso amor.

dc

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Se deixares, talvez...



Se deixares que o tempo corra
Talvez a verdade ocorra.

Se deixares que a dor passe
Talvez alguém te abrace.

Se deixares que a vida aconteça
Talvez a realidade te favoreça.

Se deixares de travar o presente
Talvez leves tudo mais à frente.

Se deixares livre o caminho
Talvez se mude o teu destino.

Entre o deixar e o talvez está o meio
De enfrentar o novo sem receio.

dc

sábado, 15 de junho de 2019

Olhando mais longe


Concentrada, fechada, toda arrumada, num lugar só seu. Sem querer ouvir, sem querer dizer, somente pensar no que quer, como lidar com as expectativas e como fazer. Sente ser necessário mudar, fazer algo, não deixar arrastar-se pelo que a rotina lhe oferece, tem de procurar oferecer-se uma vida nova, mudando ela própria, evitando repetir os mesmos erros e, possivelmente cometer muitos mais, até acertar.
O querer, é um passo importante para realizar. Não adianta falar e expressar para outros os seus desejos que não entendem, melhor será fazê-lo para si própria, alimentando cada vez mais a força interior que leva à decisão. Sou muito mais do que aquilo que de mim vêm. É preciso começar
 a ter a consciência de que não se pode dividir e entregar a sua experiência aos que a desperdiçam, é melhor aproveitá-la em benefício próprio e construir as condições que permitam concluir com sucesso os seus objectivos. Há batalhas perdidas que têm de se deixar para trás e encontrar novas estratégias, para que a “guerra” que nos propusemos vencer se cumpra. 

dc

domingo, 9 de junho de 2019

Sombras


As sombras na memória perseguem-me. Escolho fugir do sol, ou caminhar na noite escura para que não me incomodem, mas elas não me deixam. Adormeço e elas estão lá, mal me apercebo ali estão elas povoando o meu pensar. Abro os olhos tentando fugir delas, bebendo água, na tentativa de as afogar, ou que vão no arrastamento de engolir. Persistem, não falam, mas persistem como imagens de breu, tirando-me a hipótese do azul claro do céu, das cores do arco-íris, da paz que desenha o voo da pomba, dos cheiros que me levariam para outros lugares. Como se a ceifeira tivesse chegado mais cedo, ao desumanizar as certezas, retirar-me das crenças e afogar-me no visco lamacento da indefinição. As palavras são dela, escrevem para me provar que eu não existo. Eu sou a sombra das sombras, são elas que me dão um pequeno espaço na sua existência. Vezes sem conta, apercebo-me do som das palavras, olho-me no espelho, mas não vejo o mover dos lábios, são elas falando entre si, fazendo humor com a minha incapacidade de proibir-lhes existência. Existo como desenho num vidro transparente, no qual é necessário soprar o vapor quente, para que se leia o que nele existe. Sei que esperas, que te dê um sinal, de que estou algures esperando por ti, na realidade será uma espera sem tempo, as sombras tornam pesados os passos e agarram-me a um lugar sem passado nem presente.

dc


quinta-feira, 6 de junho de 2019

Eles falam, falam...

Na verdade, pensei-te sempre, alguém perto de mim, querendo, abraçando, desejando assegurar o meu querer-te na força do teu, em laços únicos que faziam a vida a dois prevalecer no correr dos tempos. Embalaste os meus pensamentos, tempos infinitos, em regressos e começos inesperados, que se desfaziam na espera e no vazio do tempo. É uma espécie de maldade que fazemos a nós próprios, ao inventar um estereótipo do que será o amor das nossas vidas. Quando a realidade o desmente, passamos a ver tudo com defeito. Nem sempre fomos assim, em algum tempo, fomos livres e amamos longe desse pensamento, mas depois quebrou-se trazendo o desconcerto a desilusão o fracasso. Nestas horas que se desenrolam fazendo os dias, a certo momento, julgo descobrir que me gosto o suficiente para não acatar os conceitos e as razões daquilo que os outros dizem ser a base do amor. Eles confundem, como eu fiz, o desejo com a realidade desse sentimento, difícil de identificar ou explicar por palavras. Como diz o outro: Eles falam, falam, mas não dizem nada. Amamos porque amamos, ponto. Nada há explicar ou justificar. Hoje é difícil soltar-me de ti, deixar que vás definitivamente de dentro mim, mas terá que ser. O caminho a seguir, é esquecer que és o “amor” que eu gostaria de ter, e não o “amor” em si que tu és. 



dc