segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Há NOITES e noites



Há noites em que tememos o amanhecer que nos despe e tira a intimidade com a sua claridade.

Há noites em que a felicidade é um lugar para chegar, amar e ouvir dizer: demoraste tanto.

Há noites em que se sente a falta daquele beijo de inocentes lábios húmidos, quase de criança, pousados levemente como se fossem a brisa fresca do nascer do dia nos levando ao sonho

Há noites que não se esquecem, ou não são para esquecer. Quando a melodia adentra encantando e alimentando o sonho prazeroso do reencontro dos corpos e as emoções que deles se libertam.

Há noites que deveriam ser eternas, com permanente repetição melhorada no comum dos dias, sem datas marcadas.

Há noites em que as imagens se desvanecem na ausência das sombras, em que os sons são murmúrios e as palavras são insuficientes para as descrever.

Há noites e noites, em que a espera traz o medo de que não volte a acontecer.

É por todas essas noites que ainda se mantém a esperança, de que há sempre um outro lado bom da vida que acontece.
 
DC

 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Uma outra Maria



Maria, vive assim todos os dias, se deita e levanta, com a mesma a certeza da noite e do dia. Tem um trabalho diário intenso, responsável, comum é o horário por turnos, que quase fica com tonturas no momento inicial da adaptação a cada turno que varia. Vive o casamento, pela rotina dos dias e com os desencontros que o horário de trabalho traz, contribuindo para o esgotamento do amor que os uniu. Raro existe outro espaço em que o tempo permite a distracção. Não pensa muito em futuro, o presente já é tão confuso de resolver.
Tudo seria mais fácil se tivesse agora um alguém, que fosse o seu verdadeiro amor, com quem partilhasse, uma espécie de braço suplementar da sua vida. Quando assim acontece, tudo é mais fácil, para suportar as noites e dias incertos e encontrar horas, minutos, ou segundos, para o sorriso espontâneo que surge, para o prazer de estar, ser e existir. Nesses momentos gratificantes, onde os abraços do companheiro, dão conforto, são o carinho e atenção, necessários a uma harmonia, na vivência. Sentir nos seus braços, o acolhimento, o beijo apetecido, a carícia certa. Aquele beijo que sem demora, dura o tempo que se quiser, e deixa surgir mais amor, na manhã que desponta, na tarde que se amorna, ou noite de luar que chega. Esse amor que é o intervalo necessário para que a vida valha a pena ser vivida. Maria é um ser partido, filhos crescidos, e um casamento sem norte, talvez por ter morrido, na rotina de uma vida tirada à sorte.

dc

domingo, 15 de dezembro de 2019

Nem sempre dá certo




Chegou com a mesma leveza de voo com que partiu sem surpresa. 
Ele batera já demasiadas portas, no entender do amor. Ela distraindo-se para apagar dentro de si um amor perdido.

Ele escutando, partilhando sem pressa de seduzir, quem ainda mal conhece. Ela querendo a posse e o domínio, para que tudo aconteça na medida dos seus desejos, naquele seu hábito de quem gosta de mandar, inerente a si própria.

Ambos se estabelecem na distância em objectivos diferenciados. Ambos partem por caminhos “nunca antes navegados”, evitando que o evoluir se descontrole e possam sair magoados.

Uma estória afinal que nem sequer começou, se para um, era fácil parar e tudo ficava como ficou, para o outro, com o amor do passado que nunca abdicou, para o longe se voltou.

Toda a estória tem um enredo, nele, alguns segredos por desvendar. Afinal ficaram sem perceber, ou dar a conhecer, onde cada um queria chegar.

dc

sábado, 7 de dezembro de 2019

FLY


O voo perfeito entre o lazer de um e outro, na ternura da convivência, na modorra do sol de inverno, no deleite da partilha, num olhar que pede a carícia, que não se faz rogada e a torna criança mimada. Um retrato a dois em meditação, entre a agitação dos que circundam na rapidez dos afazeres e a calmaria que se instala, sem um latido, ou voz menos clara, para além da luz que não cria sombras bem definidas, mas define quem são. Deram-lhe um nome, que evoca voos infinitos, de perfeito entendimento e dedicação mútua.

dc


Amor numa folha em branco


Quando acordo o maior frio que sinto, é quando estendo mão para o travesseiro, ao meu lado e tu não estás. Passados tantos anos, ainda tenho o hábito de te procurar para dar o primeiro beijo do dia. Sinto o tecido debaixo dos dedos e não a pele do teu rosto, que sempre tacteava ainda no lusco-fusco do amanhecer. Partiste primeiro do que eu, não para o tal lugar eterno e desconhecido, onde o amor é uma folha em branco, onde não te lembras quem és, muito menos da memória de mim.
Todos os dias me levanto procurando encontrar uma forma de contar a nossa história, para a repetir até à exaustão, enquanto prendo as tuas mãos nas minhas, ou te acaricio com o meu olhar, sem perder a esperança de renasceres. Todos os dias regresso, com a mesma dor que não trás milagre.

dc

domingo, 24 de novembro de 2019

Na boca da estória

A tua boca foi o princípio da minha paixão e o amor que nasceu. Foi nos seus deliciosos lábios sedosos, molhados e quentes, o lugar onde o meu coração te sentiu primeiro, derretendo o gelo dentro de mim. Da tua boca recebi a força e energia, que mantém ainda hoje a chama acesa, dela fixei o sabor de frutos silvestres que desvendou a tua natureza, humana sensível, que alimentou este meu gostar, que se eternizou. Se os olhos falam, a tua boca foi uma conversa demorada de prazeres infindos e descobertas. Hoje, já não existe mais gelo dentro de mim, mas a calma que acontece às pessoas, que pelo menos uma vez na vida, foram tocadas por esse prazer de conhecer o que é o amor. Há quem relativize o beijo, com relação aos prazeres da carne, aos valores psicológicos, talvez porque não entendam que o sabor do primeiro beijo, fala mais de nós, de que uma história em livros de muitas páginas, ou das que se contam entre lençóis.

dc

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

As cenouras


Desde que nascemos, dão-nos a cenoura da esperança. A mãe engana-nos com a chupeta, para que se cumpram os horários entre refeições, ou aproveita, para calar o choro com que nos manifestamos contra o engano. Crescemos com a promessa de que evoluiremos no padrão e qualidade de vida, se conquistarmos “coisas”, se nos esforçarmos por atingir objectivos, que nem sabemos a razão da sua existência. Assim fazemos o ensino básico, o secundário, o superior, o mestrado, o doutoramento e por aí fora, já na esperança de que quando findar nos abrirá as portas para um emprego, onde iremos subir escadas sem fim, e talvez, se nos deixarem, atingiremos o topo de carreira, na idade da reforma. Colado a isto tudo, vêm os filósofos da vida, falarem-nos karma, na auto-estima, no esoterismo, na inteligência emocional, etc. etc. tentando travar a revolta, de acabarmos de cabelos brancos, a urinar pelas pernas abaixo, a dormir de pijama caduco, olhando o espelho com olhos cansados, de um percurso de não nos lembramos bem afinal qual era o objectivo. Ou seja, procuramos mais conhecimento, crescimento, qualidade de vida, amar, estar com a natureza e morremos aos poucos nas etapas que durante o caminho nos vão engolindo, deixando-nos endurecer e sem viver, aquilo que certamente, sem nada dessas cenouras, teria decorrido, aos solavancos, talvez menos promissores, mas livres para sermos gente. São vários os especialistas que abordam este tema e lamentavelmente, a maioria de nós, só ao fim de muitos anos nos apercebemos da sua verdade. Afinal quem lucra com o desenhar destes caminhos que a sociedade envolvente faz questão de nos apresentar?

dc