Em determinado momento descobrimos, que a
memória de alguém outrora importante nas nossas vidas, ficou reduzida a um
rosto, tudo o mais, já se diluiu nos interstícios daquilo que fomos acumulando,
como conhecimento físico, ou das emoções que percorrem a pele e se dispersam em
milhares de terminações nervosas. Na imagem desfocada da memória os traços evidentes
foram-se esfumando; os seus lábios, a cor dos seus olhos, o realce e forma das
pestanas e sobrancelhas, os fios de cabelo, castanho-claro, esfumam-se no
emoldurar do rosto, a delicadeza do seu nariz, em contraste com as maças do
rosto, suaves e rosadas de outrora têm um desenho difuso. É um rosto que
funciona de forma subliminar, que vai perdendo a capacidade de se evidenciar no
meio de muitos outros que circulam ao seu redor, perdendo a clareza da forma,
para se distinguir, dos demais; é uma imagem suavizada quase sépia de uma
beleza estranha, que evoca tristezas e ausências, sem a consciência do porquê.
Possivelmente, aquele rosto trouxe-o dos sonhos, numa última tentativa de resistência,
à perda definitiva, caso contrário lembrar-se-ia dele com maior rigor e
definição, assim como do corpo e outras coisas partilhadas, que estavam ligadas
ao passado.
dc