domingo, 15 de agosto de 2021

Amor(b)eijo

 

Como se fosse um caminhar, os seus lábios, colam-se em outros lábios, são duas bocas semiabertas, percorrendo distâncias imensas no desfrute das sensações. Envolvem-se as salivas, as línguas se cruzam, em repetições sucessivas; a sensualidade é absurda, as bocas sorvendo, mordendo, se acalentando na respiração, procurando, bem fundo, como se quisessem encontrar a razão, que liga duas bocas se amando. Sem que as palavras se acrescentem, as bocas fazem o caminho para a descoberta do indizível, que nos corpos que se despertam. É uma busca errática e conduzida pela intuição que a proximidade desbloqueia. O que foi princípio, se vai metamorfoseando, com o rolar do tempo, as emoções se esclarecem e a aprendizagem, culmina na explosão dos sentidos; muito mais tarde a serenidade se encarregará de esmerar, revivendo. À superfície chegarão, novos saberes, novas vivências e aromas, as morfologias se desvanecem, fica somente o prazer de sentir o aturdido silêncio, retemperador, depois do êxtase.

 

dc

 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Quem sabe

 

 

O vento forte adejava as bandeiras, azul, dourada e branca, designando as qualificações da praia. Deitado, de costas para o sol, numa duna próxima da rebentação do mar, esparramava-se na toalha colocada sobre areia e se esmaecia com o calor do sol. Ali, só uma leve brisa corria. O ruído do mar, que à duna chegava, trazia como música de fundo o piar agitado das gaivotas e o vozear das pessoas da praia, embalando-o no berço macio da inconsciência. Sentia o calor adentrando, no seu corpo, num prazer indecifrável, que o deixava incapaz de se mexer. Subitamente uma gargalhada cristalina, rompeu o ar envolvente, indo até ao mais fundo de si e o fez levantar a cabeça, curioso de saber, a origem. Uma jovem mulher, rosto de linhas suaves, cabelo preto e curto, corpo esbelto e moreno, precariamente tapado, por um biquíni preto, destacava-se na orla do mar, onde fazia corridas curtas, recuando, ou avançando, em volteios, brincando com ondas que se desfaziam no areal. Parecia uma criança, chegada do interior, vendo pela primeira vez o mar. Além dos atributos físicos, que despertavam a sua atenção, havia toda aquela alegria surpreendente. A sua gargalhada, foi um canto de sereia que o tirara da letargia. Foi uma resposta a uma pergunta que não fora formulada, e precisava ser encontrada. Há quanto tempo, não sentia tal jovialidade, que o fizesse capaz de fazer coisas inesperadas, como tocar às campainhas das portas e fugir, ou andar de baloiço. Um gesto infantil, como aquele que vira, que lhe retirasse do rosto a sisudez, quebrasse as rotinas e desse fluidez à criatividade, para bem da sanidade mental. Talvez se isso acontecesse, a sua timidez deixaria de ser um travão, ao relacionamento com as pessoas e facilitasse o caminho para uma ética de convivência, e, gazua para conversas frutuosas, prontas para libertar os sentimentos engaiolados. Quem sabe..

dc


sábado, 31 de julho de 2021

Entre lá e cá

 

Só nos apercebemos que a vida nos envelhece, quando acordamos para o dia com esperança de que o inusitado aconteça, quebre a rotina e que o lugar dos sonhamos se torne a realidade futura. Talvez até, que aquele sentimento, a que alguns, mais conhecedores, chamam de amor, surja num piscar de olhos, ou num sorriso vindo do nada, e o possamos sentir bem fundo. Ao olhar aquele corpo jovem com colar de pequenas pérolas, desenhando o colo do seu pescoço esguio, ele se pergunta, porque não eu, ser razão merecedora do seu olhar do seu desejo, da sua alegria e presença na sua vida? As pérolas que no peito baloiçam o hipnotizam, durante breve instante. Entre a vontade, o desejo e as subtilezas da esperança, adormeceu, inclinando a cabeça sobre o peito, ao jeito de corpo morto e tudo se confundiu numa espécie de limbo, sem que a materialidade se tornasse palpável.
As ondas vão-se espraiando no areal e o vento forte traz os borrifos, que caem sobre o seu corpo despertando-o. Absorto olha em volta, o areal está deserto, esfrega os olhos enquanto pensa que faço aqui só?

 

dc

 


domingo, 25 de julho de 2021

Noite de lua cheia


Chegou de mansinho, pé ante pé, dominando o fim do dia. Olhei o telhado, não havia gatos, nem uivavam os lobos, era mais uma lua dos namorados, que nas mesas se enredavam de braços, pernas se tocando e ameaças de beijo. Os sorrisos mais que muitos, e entre o lusco-fusco da mudança da luz derramavam segredos, em conversas, pé de orelha. Fiquei na dúvida, se seria a lua a razão do que acontecia, ou se a lua só vinha fechar o dia. O sol se fora e a noite ainda não escurecida, servia como espaço etéreo, para os felizes que adoçavam o seu mundo.

 

dc


sábado, 24 de julho de 2021

Fim de tarde

Sonhava-lhe a boca, como os dedos flutuando sobre o corpo, causando o erótico subversivo. Olhava-a no fundo dos olhos e devassa-lhe o desejo, adentrando pelos interstícios e reentrâncias, no espanto da descoberta. O corpo tem uma morfologia própria e um odor que o faz um ser único. Essa identidade, que o transforma num ser apetecível à osmose, à sintonia que seduz quem vê, sente e cheira e o distingue entre os outros e cria memórias eternas. Assim reflectia e apurava os sentidos, olhando para além de mim, esperando que chegasse, focado no horizonte longínquo de fim de tarde, mitigando a saudade.

 

dc


segunda-feira, 19 de julho de 2021

Talvez o (a)mar



Esse teu sorriso iluminando o rosto seduz-me, é suporte deste meu desejo de esperar o reencontro. Escassos são os dias, que não fico, observando imagens do teu rosto; os teus contornos, as sobrancelhas, as pestanas, a cor dos teus olhos, a tua boca, o cabelo que o adorna. Chego até a imaginar, o modo como respiras, quando a emoção se adentra fazendo dilatar o peito num suspiro profundo. És uma musa que me traz ao pensamento e à boca as palavras, que guardadas se perderiam do seu sentido. És um sonho à luz do dia que se prolonga e atordoa vindo da noite agitada. Chegas assenhorando-te, da minha atenção, alimentas a minha criatividade, fazes o relógio mudar todo o seu significado do tempo e do verbo existir. És uma memória que não descortino a origem, de facto é como sempre existisses em mim, como o sangue que me circula nas veias. Perder-te seria como plantar vazios, em vez de flores, no jardim da vida. Talvez o (a)mar, talvez o sol, ou a brisa do fim de tarde, trazendo o aroma do pinheiro-manso e o silêncio dentro de mim, me tenham libertado para este meu dizer.

dc


quinta-feira, 8 de julho de 2021

Acontece



Na agudeza dos problemas da carne, ficam os sentimentos desvairados que ocorrem quando de longe se observam os efeitos. Ficam os olhos envidrados, a voz sufoca, a mente se treslouca e o porvir inadivinhável. Então tudo se dilui em foguetório sem blindagem, de bocas que se sufocam, corpos que se entrelaçam, num descaminho de emoções, onde nada prevê as consequências. Usufruir enquanto dura, sem criar barreiras ao pensamento e ao evoluir das emoções. Sem comprometimentos, colorir quanto possível, ausentes de objectivos e muito menos certezas. Começou e foi indo até onde deveria ir, com fim imprevisível, aproveitando a viagem que leva o mundo da imaginação ao mundo físico, provando todas as variações que os corpos se dispõem liberar. Mais do que trocar carícias e fluidos, é trocar integridades, num erotismo sénior, dando largura à vida e profundidade à existência. Viver a idade sem estorvo do calendário.

 

dc