terça-feira, 5 de junho de 2012

DeIxA QuE eU Me riA



Deixa que eu me ria
Que eu gargalhe fundo no meu íntimo
Deixa que transvaze esta ironia
Este remoque que me sufoca e asfixia
Esta farsa que se alastra e se apega
Que contagia.

Deixa que eu me ria
Que não goteje a mágoa deste dia
Que não lacrimeje, que não atormente
Que não chore, simplesmente.

Deixa que eu me ria
Que meu riso, mesmo hipocrisia
Me liberte, me afaste, me alivie
Me isente desse embuste que atrofia
Deste mundo falsário e pecaminoso
Deste perjuro, falso e doloso,

Deixa que eu me ria
Deixa que eu me ria!

do livro de poesia
Mentes Perversas
(… e outras conversas!)
Ana Paula Lavado


EU NÃO FUI AO ROCK IN RIO

Eu não fui ao Rock In Rio, porque ao contrário de muitos, eu não digo: “Não é por causa disso que as coisas vão mudar”. Claro que não, num país em crise como o nosso, é uma forma “fixe” para os politólogos virem justificar para os media que afinal gastamos acima do que devíamos por isso a austeridade do governo é adequada. Não está em causa se gosto de ouvir música, ou dos músicos que lá aparecem como vedetas. Eles são pagos e como tal fazem o trabalho, vergonha é ter que lhes dar durante a sua estadia para além do que ganham, mimos durante as actuações que são um insulto para todos aqueles que vivem em dificuldades em Portugal. Sustentam-se vedetas que vivem da miséria e que em muitos casos dão um contributo sério para indigência dos jovens. Diz-se que o futebol é o ópio do povo, ali naqueles espaços o ópio, heroína, coca, ecstasy, etc., fazem parte do espectáculo, para embriagar os sentidos de muita juventude que nem vota, e que vive literalmente à custa de seus pais, e alguns deles reformados. À boa maneira portuguesa protegem-se “os meninos”, porque no passado se passou muita fome e eles “os meninos perdem a noção de que a maioria das famílias mal têm dinheiro para sustentar a casa, mas pode-se gastar um bilhetinho que dá para a carne para colocar no prato durante uma semana.
Triste país este que pede austeridade e permite que se abram supermercados ao fim de semana, e que usam falsos aliciantes para aumentarem o consumo das pessoas, fazendo-as endividar ainda mais, indo atrás de um benefício precário, que na maioria dos casos ronda em prejuízo. Triste país que permite estes espectáculos em tempo de crise, e que sustenta, o ópio do povo, para que se distraia dos grandes problemas que deviam estar na ordem do dia.

Que interessa que o povo pague a dívida que não fez? Que interessa que o SNS de saúde desapareça, e a sua qualidade todos os dias seja posta em causa como se a saúde fosse uma mercadoria? Que interessa que o desemprego atinja um milhão de pessoas?
Que interessa que os bancos nos cobrem mais taxas e enriqueçam com a crise? Que interessam os políticos corruptos? Importante, mas mesmo importante, é mais um rockinho para a próxima semana, ou mais um Festival de Dás ao Coiro num cantinho qualquer do país para que a maltinha se vá entretendo até ficar sem nada.

domingo, 3 de junho de 2012

CAmInHos

"Procure os seus caminhos, mas não magoe ninguém nessa procura.
Arrependa-se, volte atrás, peça perdão!
Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!“

Fernando Pessoa 




sexta-feira, 1 de junho de 2012

EU TAMBÉM JÁ FUI CRIANÇA


Eu também já fui criança descalça pela calçada.
Eu já fui criança e nem sempre muito amada
Tropecei nas palavras e nas contas que me ensinavam
E fazia amigos de rua, no pontapé da bola de trapos
E sem querer muitos vidros transformei em cacos
Tive amigdalites, otites e sarampo que faziam meu pranto
Dos pedaços de madeira fazia meus brinquedos
E até tínhamos brincadeiras tipo casa dos segredos
Jogávamos às escondidas, ao eixo também saltávamos
E como tínhamos muita fome das árvores a fruta tirávamos
Todo este brincar, viver, e pular depressa se acabou no lar
Na casa para se comer cedo se tinha de trabalhar
Assim perdia a criança todo o seu voar

Hoje dá gosto ver as crianças protegidas
Com amor, alimento, saúde e ensinamento
Já não se trata a criança como se fosse um jumento
Hoje a criança tem direitos expressos em regulamento
que todos pretendemos façam parte do seu crescimento
Ainda assim alguns malandros tentam desvirtuar
Tudo o que durante tantos anos para elas tivemos de conquistar
Tirando aos pais vida e saúde e dinheiro para as sustentar
Outros as exploram e delas se servem para seu benefício
Mas o povo que não dorme defende suas crianças contra tal sacrifício
E com vontade dá luta em todas as frentes sem soçobrar

Dizia o poeta “O melhor do mundo são as crianças”e tinha toda a razão
o sorriso de uma criança encanta qualquer coração.
Dos pais recebem amor, dos irmãos, dos primos e tios também
E dos avós toda a sua experiência e ternura amando-os como ninguém
Neste dia que foi criado para da criança ser chamado
Não devemos fazer dele comércio ou levar muito a peito
Importante é fazer de toda a criança um ser muito amado
Todos os dias abraçado, beijado e acompanhado
Para que tenha um futuro mais que perfeito

O HORIZONTE SUGERIA-LHE ESPERAR
















Tenta apagar com a borracha do tempo. No entanto a cada momento encontra vestígios da sua passagem. Letras, palavras, frases preenchendo folhas; imagens várias com poses diversas, em diferentes cores e locais; resíduos de cheiro e objectos pessoais. Partiu já faz muito tempo, e deixou seu rasto marcando-lhe a vida daquela maneira. Como poderia ele, tão de passagem, ter-lhe feito tanta dor.

Procurava junto das amigas, quando em conversa, como se fizesse uma catarse, descobrir o que teria acontecido para que aquele amor mantivesse vivo, arrastando-a para uma dimensão que não percebia. Ouvia-as fazendo juízos, descrevendo, seus modos, formas de estar, sua intelectualidade, seu corpo, seus defeitos. Perante tudo o que ouvia, nada a afastava do desejo de o ter mais perto, de se sentir nos seus braços, aconchegada pela sua ternura, absorvendo o seu hálito saboreando seus beijos, bebendo seu cheiro, ouvindo suas palavras que a entoação da sua voz tornava mágicas, pela riqueza dos sentidos que projectavam na sua mente, e vibravam em seu corpo.

Sentira-o bem física e emocionalmente algumas horas e ouvira-o em dezenas de outras, de tal modo que o seu som parecia, por vezes, surgir do desconhecido, fazendo-a tremer e olhar para todos os lados, como se sentisse na sua pele o toque dos seus olhos, observando de longe na escusa sombra de um qualquer espaço.

Ali olhando o mar tudo parecia fazer sentido. O horizonte sugeria-lhe esperar, não deixar que a passagem dos dias lhe tirasse a riqueza ao seu sonho. Quem sabe num próximo mergulho, ou no levantar dos olhos do areal, ele lhe surgisse sorridente enchendo o espaço com a sua presença e dizendo “Estou aqui para te ajudar a desenhar o futuro”.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

SEDUÇÃO

Passava eu numa rua movimentada da cidade, quando de repente a vi.

Era linda. Uma cor de pele deliciosa, um perfume inebriante, com umas ligeiras rugas na pele, mas ainda na flor da idade. Foi amor à primeira vista, e não descansei enquanto, não a obtive. Ela era a criação de Deus, o fruto mais apetecido de Eva no paraíso.

Abreviei, tudo o que tinha para fazer com uma vontade enorme de ficarmos a dois. A rua não era lugar para desfrutar tal beleza. Quando, já em casa, e cada um a seu modo se acomodou, fiquei a observá-la tempos infinitos, antes de me decidir pousar os meus lábios naquele pedaço saboroso da natureza. Mentalmente fazia as minhas conjecturas, tentando encontrar o momento certo. “ Será melhor antes de, ou depois de? Será que o cheiro se perde debaixo do toque dos meus lábios, da minha boca por inteiro? Como será depois de ela partir? Nada será como dantes? É difícil encontrar beleza de tal dimensão. Regressei à realidade e olhei a sua pele, ligeiramente matizada junto ao pescoço, e para as suas curvas arredondas e bem delineadas. Definitivamente merecia um espaço próprio no tempo. Iríamos ambos para o alpendre, observar o espelho de água em que se transformara a ria. Pelo que já deduzira, ela iria continuar a provocar-me e a seduzir-me no seu silêncio. E eu, cada vez mais procuraria eternizar o momento. Esperaria se possível até ao pôr do sol. Quando este se partisse na linha do horizonte, entre o céu e as águas calmas, aí, então sim, naquele momento iria pôr cobro a tal tormento.

E assim foi, após uma refeição ligeira e bem agradável, decidi-me.
Comecei lentamente, com a ânsia e o frio aço com que a natureza, de longos anos de sabedoria, nos dotou, a tirar-lhe, bocadinho a bocadinho a sua roupagem. Fazia-o com lentidão, prolongando cada momento. De repente a surpresa. A lentidão inicial, de desfrute foi-se tornando cada vez mais ansiosa, tal era o que ia encontrando. Afinal debaixo de toda aquela beleza e roupagem, a sua pele estava macerada, de manchas, cada vez maiores e mais fundas. Eu bem procurava encontrar, no lugar mais profundo do seu ser, um bocadinho que fosse, que tivesse resistido, e permitisse manter a chama acesa. Na esperança de que no seu seio pudesse lançar a semente de um futuro de algo mais maravilhoso e profundo. Fui perdendo a alegria e o prazer ia-se. Procurei ir mais fundo num diálogo de surdos. Daqueles em que só um fala e pensa. Onde se procuram respostas, e não são dão dadas. A vida pregara-me uma partida.

Mais tarde, procurando refazer-me, psicologicamente do que se passara, consultei especialistas vários em busca de explicação. Todos foram unânimes. Ela era fruto de uma amor desavindo. Tinha sido, maltratada logo no ventre de sua mãe. A mãe também ela, já tinha sido maltratada, pelos seus ancestrais. E quem tinha lançado a semente à terra, teria sido um aventureiro, que aproveitando os tempos modernos, fizera daquela “terra” um tempo de passagem para herdar benefícios, sem olhar a meios.

Nos seus curtos anos de vida, ela não tinha tido, aquilo a que nós chamamos “berço”.

Quando eu a vi pela primeira vez, o seu brilho intenso tinha-me seduzido de tal ordem, que me tornou vitima fácil de um padrasto ganancioso, que procurava obter um bom lucro da relação temporária, em que ela era um apêndice.


Desde esse dia, sempre que passo por aquela rua, atravesso para o ouro lado. Afinal eu não sei escolher maçãs, e detesto aquela frutaria.



DOM 01JUN08 11,15

NÃO ME ATREVO A FALAR


Não me atrevo a falar
na noite de céu azul e lua cheia
com receio de errar no meu dizer e apagar
todo o amor que me enleia

Fico olhando o céu e a luz que se espalha
no meio das estrelas com seu brilho distante
Esperando vencer também esta batalha
de dor e tristeza, de alma agonizante

Os dias enublados só por vezes atravessados pelo sol
tornam-se-me indiferentes na vida que decorre
e fazem-me pensar na dor com que tanta gente morre

Em frente do precipício fugindo do que me persegue
não recuo para pensar sobre aquilo que ali me leva
dou dois passos em frente no vazio onde a razão é cega

Liberto aquele amor que me enleia e meu medo de partir
nesse voo em noite de lua cheia num destino sem retorno
deixando a mente livre para voltar a florir no prazer do abandono