Esse beijo sinfonia Que nossos corpos enlouquecia, Beijo que se prolongava Contrariando o tempo Que escasseava. Nos beijávamos A toda a hora, Como amávamos. Sem cansaço Nem demora No seio de um abraço. Entre o beijo de partida, e beijo da chegada, Tu beijavas eu beijava Beijos com calor, ou ternura. Beijo da nossa loucura Beijos de nosso amor.
Não os guardo como troféus, ou suporte de memória, nem como objectos perdidos, Quero querer, que o acaso os deixou, largados inadvertidamente. São objectos com o valor das emoções e de pertença, que fazem no seu existir, a tua existência. São objectos com vida, com cheiros, de diferentes texturas e cores, que contam diferentes histórias, como livros sem palavras, Histórias recriadas e todos os dias saboreadas conforme o momento e o tempo que agora decorre.
Quem passasse por mim, naquele momento se aperceberia que alguma coisa se passava, No meu rosto se veria um sorriso de ternura e nos olhos um brilho especial. Não era para menos. Eu próprio, acabara de ver algo, que me tinha perturbado e trazido à superfície uma série de emoções e interrogações.
Ele um homem a rondar os setenta anos, alto, magro, roupa desportiva, boa figura, um rosto afável, com uma “perinha” no queixo, óculos graduados semi-escuros, com uma testa prolongada pela calvíce, um autêntico Sean Connery, Ela parecendo ter idade semelhante, baixinha a rondar metro e sessenta, vestida de saia casaco cinza escuro, blusa branca, sapato meio tacão, enfim, sobriedade e cuidado no vestir, rosto bem marcado pela idade, mas ainda com traços de beleza, e acima de tudo. revelando uma ternura imensa no sorriso que sublinhava o mexer dos lábios. Ambos de cabelos brancos, Ela falando e maneando a cabeça, e ele ouvindo atento.
O que me fez ficar enternecido, foi aquele caminhar, um ao lado do outro, de mãos dadas, firmes, como penduradas uma na outra, para que nada as pudesse separar. Passava por aqueles dois um sentimento diferente do comum, Não havia o ranço da idade, nem a relação dum casal, já há muito perdido do que os unira, pelo contrário exalavam um perfume de eternidade. Já não era o amor físico que os unia era algo mais profundo. Um amor completo, O que me afectara positivamente, e me provocara uma inveja salutar, foi aperceber-me da beleza de tal sentimento, que sobrevivia muito para além da estética dos corpos.
Olhá-los, fez-me lembrar o que escreveu Walter Riso no seu livro, Saber Amar.
DC
“Não somente és o “meu amor”, o que é compreensível e até lógico porque te amo, mas és alguém mais fundamental, mais próximo, mais “phílico”: és a “minha companheira”. Companheira de quê? De intimidade, de vida, de sonhos."
“Não apenas te desejo, não apenas a tua companhia me alegra, mas nasce em mim o desejo de cuidar de ti, com sossego, sem obsessão, sem apego.”
- Philia" (em grego: "φιλíα" transliteração para o latim:"philia") retirado do tratado de Ética a Nicômaco de Aristóteles, o termo é traduzido geralmente como "amizade", e às vezes também como "amor". Embora de fato o uso deste termo é muito mais amplo do que o primeiro
Ouço a música, o acordeão desperta o tango na minha alma, trás o cheiro intimíssimo, com que te banhas para mim. A guitarra fala colocando seus versos na minha boca, que desenha hipérboles em teu corpo, onde, naufrago exausto, procuro porto seguro. Cada momento é um passo da dança que desenhamos para nós, e a música vai correndo, silenciando o mundo, deixando-nos a sós com o murmúrio de fundo dos nossos desejos.
Tento explicar para mim próprio, que sentimento é esse que nos deixa trémulos, a dizer as frases ingénuas e incoerentes, a viver as fantasia mais loucas, ser criança ansiosa, de querer estar perto, cada vez mais perto, como se quiséssemos que o mundo, fosse, só, um nós quase egoísta. Existem palavras várias tentando explicar, mas não existe uma única definição, a sua interpretação varia de pessoa para pessoa, de momentos, de vivências. É um sentimento como a saudade, usa-se e define-se mal, saudade essa, que até se confunde, com esse amor, também ele saudade imensa.
Sem falar das frases de poetas, pintores, ou gente comum, eu diria, O Amor É. Só isso, mas cometo os mesmos erros dos outros pela necessidade de demonstração do impossível. O amor está no olhar, no andar, no falar, no sorriso, no voar, na química, no cheiro, no tremer dos lábios, no correr da noite dos abraços, e umas tantas outras coisas, que se sobrepõem ao comum dos dias contados e vividos.
É difícil deixarmos partir quem mais gostamos, muito mais, quando o fazemos pelo que entendemos ser a razão certa, Pior, quando ainda temos as marcas, do nosso ontem, e sabemos que tem de ser, Na verdade, se não podemos usufruir do presente, o futuro se torna longínquo. Não é a liberdade que se procura, é sim o compromisso com nós próprios, é dar uma oportunidade à vida, não magoando quem parte, ou quem fica.
O amor, não morre ao primeiro suspiro de uma volta da vida, fica-nos enterrado na pele como tatuagem e arrecada-se num pedaço, bem dentro de nós, daí a necessidade duma paragem no tempo, sem a tortura da ausência.
Assim fico mais uma vez esgravatando nas palavras, com o pensamento voando horas sem conta, pelos dias e noites, sem saber acima de tudo, quanto de amar implica, deixar-te partir.
DC
"Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos
reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade
de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa
cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o
absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando."
Sentia que algo morrera dentro de si. Caminhava em círculos dentro daquelas quatro paredes, negras, sem fresta de luz, ou qualquer saída. Tinha a consciência, de que do outro lado havia a cor, outra vida, mas esta fugia-lhe e não conseguia encontrar saída.
Sabia o que tinha de escrever, no entanto não escrevia, ajustava o bico da caneta, experimentava a escrita e perdia-se olhando para lá da janela. No exterior, os pássaros aproveitando o sol, que surgira após a invernia forte, cantavam e voavam alegremente e contagiavam-no. Recordavam-lhe o último quadro que pintara, céu azul, mar, os barcos ao longe e no areal, quente e apetecível,os guarda-sóis, como se o verão da vida estivesse lá. Queria viver mais um tempo, não queria partir já.
Tentava inconscientemente, agarrar-se aos últimos laços que ainda restavam, não queria que tudo se desmoronasse, Queria usufruir do que achava, ainda, cedo de mais para lhe ser retirado.
Deixou-se letárgico, como um réptil se aproveitando do sol, e esperando pacientemente que ela chegasse, Talvez ainda houvesse tempo para adiar a partida, ou quem sabe, adormecesse profundamente acordando num outro lugar, em um outro tempo. Quem sabe.