As sombras na memória
perseguem-me. Escolho fugir do sol, ou caminhar na noite escura para que não me
incomodem, mas elas não me deixam. Adormeço e elas estão lá, mal me apercebo
ali estão elas povoando o meu pensar. Abro os olhos tentando fugir delas,
bebendo água, na tentativa de as afogar, ou que vão no arrastamento de engolir.
Persistem, não falam, mas persistem como imagens de breu, tirando-me a hipótese
do azul claro do céu, das cores do arco-íris, da paz que desenha o voo da
pomba, dos cheiros que me levariam para outros lugares. Como se a ceifeira
tivesse chegado mais cedo, ao desumanizar as certezas, retirar-me das crenças e
afogar-me no visco lamacento da indefinição. As palavras são dela, escrevem
para me provar que eu não existo. Eu sou a sombra das sombras, são elas que me
dão um pequeno espaço na sua existência. Vezes sem conta, apercebo-me do som
das palavras, olho-me no espelho, mas não vejo o mover dos lábios, são elas
falando entre si, fazendo humor com a minha incapacidade de proibir-lhes
existência. Existo como desenho num vidro transparente, no qual é necessário
soprar o vapor quente, para que se leia o que nele existe. Sei que esperas, que
te dê um sinal, de que estou algures esperando por ti, na realidade será uma
espera sem tempo, as sombras tornam pesados os passos e agarram-me a um lugar
sem passado nem presente.
dc