domingo, 30 de setembro de 2012

UMA SÓ LEMBRANÇA



Como sempre nos seus encontros acabavam na fnac, passeando entre as prateleiras.

Dirigiram-se a secção infantil. Pouco depois, estava ele de ar compenetrado, auscultadores nas orelhas ouvindo atento a música que no aparelho de escolha estava tocando. Olha atento para o avô, esperando a palavra importante que não chega. Este, pouco depois, solicita-lhe angustiado que deixe o aparelho para que outras crianças possam ouvir, e que avance continuando a caminhar pela livraria. Novamente ele pára e namora tempos infinitos, as várias caixas com plasticina, marcadores, jogos de montar, olha para o avô novamente, que se faz distraído, como se não reparasse na forma como ele o olha alternando com a observação dos objectos.

O avô procura não encarar os seu olhitos brilhantes. O dinheiro cada vez mais escasseia e é preciso para satisfação de outros compromissos. A sua reforma à largos anos não é actualizada e os subsídios que davam para ter um extrazito agora na sua grande parte ficou o Governo com eles, como imposto para pagar as indecências bancárias. Aquela simples lembrança tem de ficar para outro momento possível.

Ele sem pedir nada dizia “Vô olha...estás a ver olha...”, e o avô, muito a custo, lá teve de lhe dizer que nesta altura não seria possível. Olhou mais uma vez o avô e fechou o rosto, pôs-se na lateral da gôndola, onde os objectos estavam expostos, muito atento a colocar as imagens com íman sobre a pintura que lá se encontrava. Fê-lo com destreza e muita atenção como se tudo o anteriormente ocorrido já tivesse desaparecido. O avô pegou-o ao colo, aqueles dezoito quilos de vida e muito sentimento, rodou com ele no ar para que ele observasse tudo de cima como se tudo tivesse importância relativa, ele ria-se para satisfazer o avô mas com o olhar distante, como se não o visse.

Saíram, foram caminhando e o silêncio se instalou até chegarem a casa, pouco mais que meia dúzia de palavras foram ditas. Manteve-se sempre de forma contida, ele cumprira o que a mãe lhe dissera, “ não peças nada ao avô .. certo?”

É certo que as crianças precisam mais de pão, de saúde, e afecto, mas uma pequena lembrança que as fizesse sorrir também seria bem vinda.

QUERO ACREDITAR NO POEMA POVO

Quero acordar e na tua voz confiar
Nas lutas que persegues para te libertares

Quero acreditar no poema povo
Quero viver o surgir do Homem novo

Quero acreditar que o povo está na rua
Por sentir que na verdade a luta é sua

O seu sangue percorreu Portugal sem cansaço
Chegando em vaga ao Terreiro do Paço

Milhares de voz entoando verdades como punhos
Trazendo da austeridade seus testemunhos

Numa jornada de luta contra o poder
Ao qual se recusa submeter

É neste povo guerreiro que dá o corpo e luta
Que acreditamos para vencer esta disputa

Este povo que tantos sacrifícios tem vivido
E sabe que Unido Jamais Será Vencido

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

LENDO NOTÍCIAS


Lendo as notícias nos meios de comunicação diários, ficamos todos os dias aquém da verdade e da realidade dos factos. As notícias já têm um formato condicionado, por quem é dono e porque quem dirige o meio de comunicação. São estes que determinam o que é importante, ou não, são eles que estabelecem o critério. Os conselhos de redacção, hoje, são um bluf.
O que se passa na Grécia, ou as manifestações gigantes em Espanha, a alienação de património do estado pelos governos atinge toda a Europa, mesmo os países dos quais ainda não ouvimos uma palavra sobre a "sua crise". Estes assuntos são motivo de notícia e devem preocupar todos os europeus, mas se repararmos bem, fala-se muito mais da guerra da Síria e das eleições americanas.

Em Portugal as manifestações que se fazem têm diferentes tratamentos jornalísticos, tentando dizer que umas são melhores do que outras, que umas são partidárias, outras não, e  assim procurando dividir a opinião pública, que cada vez é mais coesa na defesa dos seus interesses e na apreciação das verdadeiras causas da crise. Também neste caso, os meios de comunicação puxam os cordelinhos fazendo valer a sua força e servindo interesses de quem manda.
A culpa nem sempre é do jornalista, que vive de uma liberdade fictícia, na prática o seu emprego também está em causa, o que por vezes leva a que ele se auto-censure.
Já vem de longa data "homem prevenido vale por dois". Aqui este conselho serve para estarmos atentos àquilo que os meios de comunicação dizem, ou melhor o que não dizem, ou dizem errado.

Será bom não ficarmos só pelo que dizem o nosso jornal, revista, televisão, ou rádio, preferidos, devemos sempre consultar outros, de diferentes quadrantes de opinião, sejam eles bons ou maus. Se possível ir à internet, vendo e lendo outras noticias.

É imprescindível fazer comparações entre as várias formas como as notícias são dadas, as imprecisões, as faltas de elementos de notícia, a tendência política que revela, a qualidade do que és escrito e dito, só assim poderemos extrair da intoxicação mediática o que nos esclarecera efectivamente.


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

TODOS OS DIAS desEspera


Todos os dias dramaticamente espera, que o hoje seja diferente de todos os outros.

Todos os dias há longos anos, mas agora mais do que nunca, “sobra mês e falta dinheiro”.

Todos os dias é obrigatório pensar em pagar ao merceeiro, os impostos, o condomínio, o médico e medicamentos, arrumando para um canto viver a vida.

Todos os dias inicia o dia pensando em coisas materiais, das quais gostaríamos de estar longe.

Todos os dias o cérebro se cansa, o corpo se fatiga, para encontrar a solução, e sempre conclui: “ Quando chegará o dia que mandarei todas as obrigações e compromissos à merda?”.

Todos os dias reserva alguns minutos, no reservado, vulgo, sanita, para ter pensamentos diferentes, como diria o outro pensamentos de merda, mas pensamentos em que gozo com todas as coisas que gostaria de fazer para benefício próprio e para os outros. E pensa, como gostaria de gritar na cara do Primeiro, “ Vai comer merda, meu sacana”, ou como me ficaria bem estar de havaianas e calções, gozando os prazeres do mar, despreocupado, sem contas para fazer, gozando “estar em família”, lendo, ou simplesmente fixando os olhos, como que vazios, olhando o horizonte, como se nada mais existisse.

Todos os dias pensa como seria bom ser rico. Viver sem preocupações económicas, sociais ou outras. Rico sem dinheiro, porque este foi uma invenção maléfica de alguns.

Todos os dias viver a vida pela vida, como um primitivo, a quem não criaram necessidades, como nesta sociedade capitalista onde nos fomentam essas necessidades que não tínhamos e depois, como um anti-depressivo passam a fazer parte do nosso quotidiano, e nos instigam a mantê-las.

Todos os dias imagina o que seria efectivamente se todos tivéssemos a liberdade de fazer o que mais gostamos em harmonia com o que todos os outros gostam, sem o vicio do poder, do egoísmo, das guerras, da crueldade da maledicência gratuita, sem o querer ter, para ser poder.

Todos os dias, mas todos os dias tem de refazer o roteiro dos pensamentos, para seguir acreditando que um dia, será possível estar bem com o mundo e o mundo com ele, só não saberá se nesse dia já será tarde, e embora não acredite no céu sabe que nessa altura atingirá o silêncio total e paz. Talvez não chegue tão longe, antes entrará para um qualquer hospital psiquiátrico, respirando éter, tomando prozac, de braços abertos roçando as paredes vivendo um imaginário, que só na infância tivera. E pensará: “O mundo lá fora está louco”

terça-feira, 25 de setembro de 2012

EnQUANTO DOrmIA


Enquanto ela dormia, ele roubava através de linhas e cores a presença de seu corpo. Fixava o instante possível, que a luz do amanhecer, através da janela semi-aberta, permitia ver.

Talvez não conseguisse captar todos os ingredientes visuais ou emocionais naquela imagem, mas restaria o essencial que motivara a urgência de a passar ao papel, mesmo que este não fosse o mais apropriado.

O registo permaneceria pelos tempos fora, mesmo que as memórias, já gastas, o atraiçoassem.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

EnQUANTO VIAjaS


A carruagem está meio vazia, olhas pela janela vendo a paisagem correndo ao teu encontro como imagens de um filme trazidas pelo vento. O seu correr perante os teus olhos, fazem-te esquecer as preocupações e transportam-te para um outro lugar.

Imaginas a tua chegada e a espera de quem te gosta, a roupa, o sorriso, o brilho dos seu olhos, o abraço e o beijo cheio de promessas. Vês e revês o cenário imaginando diferentes reacções de ambos, de um só, ou simplesmente mudas as cores da roupa o calor do beijo, a diferença do abraço, a riqueza da promessa.

A viagem vai decorrendo e as estações cortam o teu pensamento, interrompem a paisagem que se desenrola aos teus olhos. O teu pensamento muda. A tensão se vai desvanecendo e a imaginação te traindo entra em outros cenários. Já não só, mas a dois, no espaço perdido de uma carruagem semi-vazia, onde os outros se tornam voláteis.

Sentes a humidade em teu corpo, deleitas-te com as imagens e deixas-te ir nesse devaneio, nesse espasmo de aventura, perdendo o chão, a noção do tempo e a bússola dos sentidos, somente o desenrolar das emoções...

... a ponte surge, com ela a paisagem da cidade em cascata que se vai tornando cada vez mais nítida e entrando pelos olhos aquecendo-te a alma... e pensas nas múltiplas vezes que aqui regressas, sempre com o mesmo prazer da primeira vez, em que o regresso aconteceu. É o retorno ao berço, à memória que se aviva e traz o arrepio na pele.

Anos vivendo longe, numa outra cidade, onde as raízes não encontram chão, alimentam essa necessidade de um dia regressar definitivamente.
Parado no cais da estação ele vê o comboio que se aproxima, levanta-se e aguarda que o comboio pare, que a sua imagem surja do fundo escuro da porta.

Finalmente a espera ansiosa se desvanece no abraço apertado, no beijo sôfrego, na alegria de se reverem.

Nova partida, nova viagem, mas esta sem carruagens e sem limites para o gozo das emoções.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

CApTAR IMAGENS

Sei que não fácil entender e é difícil de explicar, o quanto é importante fixar momentos de vida através de uma imagem que nos entra pelos olhos. Quase sem reflectir fazemos o enquadramento, focamos, calculamos a luz, encontramos o punctum como dizia Barthes e carregamos no disparador.

“As imagens falam por si”, diz-se. Momentos únicos de uma passagem do tempo, que falam de uma outra vertigem, um olhar, com ou sem cor, conforme o prazer estético que se pretende. Interpretar e ver a realidade com outros olhos, captando subtilezas, aproveitando a luz e suas potencialidades, composição e interacção dos elementos na estrutura da imagem.

Se para alguns é uma acto fortuito, ou uma pausa para fixar lembranças de férias, festas, etc., para memória futura, para outros é algo mais do que isso, é paixão, orgulho tensão, emoção, trabalho, cartão de visita de competência, e qualidade de escolha. É uma relação amorosa entre o que se depara perante o olhar e a técnica com que se capta e descreve o que se viu.

Talvez por isso desejamos que todos apreciem o que fizemos e do que fomos capazes e assinamos por baixo o nosso orgulho. Egoísmo? Vaidade? Talvez, mas que lhe havemos de fazer se paixão é tão grande?