O mês de Maio ainda não fechou
e a estória tem de ser contada, com o prazer das flores e temperaturas amenas
da Primavera.
Sabia que ela nem sempre o lia, ou queria saber da sua opinião, ou até o seus quereres,
mas ele não conseguia parar de a observar e esperar tranquilamente que ela
reparasse em si, enquanto ia registando mentalmente a leitura corporal, ligada
às emoções. Nem sempre os seus olhos brilhavam de felicidade. A beleza do seu
rosto mantinha-se intacta, fosse na alegria ou tristeza, o que se alterava era
a alma que ele assumia, no trejeito dos lábios, no brilho e nas ruguinhas em volta
dos seus olhos. O corpo também se manifestava, quando a emoção e a alegria
imperavam, no correr dos dias. Ficando solto descontraído, com gestos
envolventes, maviosos, de anca agitada no caminhar, braços e mãos que pareciam querer
abraçar e acarinhar. Quando a tristeza ou infortúnio a visitavam tudo isto
perdia, a espontaneidade, os braços e as mãos gesticulavam, os dedos esticados
como se fossem garras, uma tensão corporal evidente na rigidez que manifestava.
Tudo isso se passava, e ela ausente, envolvida no seu mundo, longe de reparar
nele. Tantas vezes ele a fitara intensamente, descaradamente, esperando um leve
sorriso, um brilho diferente nos olhos, um trejeito na boca em forma de
sorriso, algo que o fizesse acreditar que reparara nele, mas nada, para ela,
ele era transparente, era como se não existisse.
Como se pode amar alguém
daquela maneira, só lhe conhecendo a parte física o invólucro que é o seu corpo?
Nunca ouvira a sua voz e só lhe pressentia a gargalhada que, de onde em onde,
ela distribuía pelos que viviam o privilégio de conviver com ela.
Não esmoreceu nunca a vontade, um dia, uma qualquer circunstância os colocaria
frente a frente. A vida tem razões, que a razão desconhece e factos inesperados
acontecem. Um tropeção, um desequilíbrio no caminhar, colocou o braço dele,
como única forma de evitar a queda. Tal proximidade obrigou-a reparar nele, na mensagem
dos olhos que a observavam, na firmeza do braço que a suportava, na gentileza
da mão que se lhe oferecia. A voz do, obrigada, e o sorriso que se lhe seguiu,
foram o prelúdio de uma descoberta que se manteve durante largos anos.
dc