sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Sombras

Quando as sombras nos dominam, ninguém está perto para nos trazer a luz. Ficamos presos nos pensamentos desacertados, limitados no raciocínio e sem porta por onde fugir, ou lugar para se reencontrar. O clima emocional se desequilibra, tropeçamos nas dúvidas prementes, entre o que somos e o que não conseguimos ser. Suspensos, correndo o risco de que uma ligeira brisa nos empurre na queda, tornando-nos a massa mole que atapeta o chão e se espezinha, sendo, com sorte, adubo de um futuro, outras, prazer de quem esmaga pelo prazer de sentir o barulho crocante de um corpo de seiva já desaparecida, vampirizada pelos que, necessitados, em nós, encontraram alento.

 

 

dc

 


sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Sábia natureza


Sabendo deste Outono arrasado pela penúria de alegrias e de máscaras sem bruxas, sem a guloseima de um abraço, ou de um beijo de ternura e celebração, a natureza nos presenteia com a sua cor de apelo ao renascimento, num acreditar, que nem sempre estaremos no redil de quem manda.

 

dc

 

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Antes que o mês acabe

Antes que o mês acabe e perca o folgo ou a vontade de dizer.


Como se pode ter fome de um beijo, se as borboletas viraram larvas?
Como se pode desejar um abraço de alguém que o olhar se perde no longe e os braços ficam caídos?

Na realidade tinha a boca cosida com as linhas da indiferença, os braços presos com ligaduras negras e os olhos tapados por óculos enormes de lentes escuras.
Quando quis questionar sabia da não resposta. Viu o papel pousado na mesa que dizia: não quero sequer pronunciar palavras que possas ouvir, não quero sequer a disponibilidade de um abraço, não quero dar-te a cor dos meus olhos nem aquilo que eles dizem.

Qual a razão do apego, se somos apagados pela indiferença de quem se ama, se somos aquele pontinho negro deixado pela mosca marcando na brancura do papel, que faz desesperadamente mudar de folha?

 

Como se não bastasse, aparece o isolamento confinado, o medo incutido, a liberdade perdida. Perdemos a respiração ao ar livre, a boca tapa-se, cala-se a fala e os temerosos denunciam. O abraço de outrora não acontece, a distância prevalece e o desabafo se interioriza alimentando revolta, o desespero, e tudo isto se acrescenta ao que já antes magoava suficiente.

 

dc

 


domingo, 11 de outubro de 2020

Em jeito de desabafo

“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.”
– Charlie Chaplin, em ‘trecho do discurso proferido’ no final do filme “O grande ditador”.

 

A mulher atravessou a rua, mesmo com máscara na cara, afastou-se para o passeio oposto, aquele em que fazíamos a nossa caminhada, como se tivesse visto o Diabo. E pensei, para os meus botões. - Esta gente funciona a combustível “cagaço”, segue as normas(?), ou acredita que todos estão contaminados menos elas? Resta-me a ironia para pensar e escrever, o que possivelmente para alguns serão disparates, sobre o assunto.

Sim desinfectem as mãos, respirem o vómito da vossa respiração horas a fio nas máscaras, evitem males maiores, o vírus é mortal, assim podem morrer de morte assistida, durando mais alguns meses. É melhor morrer aos bocadinhos de que duma vez só. Vamos, temos de nos defender, o mais que pudermos, do vírus louco e fiquemos loucos, perante o mundo que nos é roubado todos os dias. Ponham máscara tirem máscara, seja como eles querem, seja em casa, na rua, ou junto ao mar, deixem a imunidade de mãos a abanar. Deixem-se contaminar pelos parasitas de menor porte, que atravessam o nosso caminho, dizendo-nos que é por um bem maior. Continuem comendo a comida plástica, que essa é boa para manter a baixa imunidade, deixem os vegetais e os frutos de lado, é melhor tomar uma vacina, ou um fármaco qualquer, dá menos trabalho, do que confeccionar ou comer bons alimentos. Não abracem, não beijem, não se cheguem perto de ninguém, mantenham a distância social, refugiem-se no mundo virtual, é mais fácil para vos darmos a notícias em pacotes. Comuniquem no Skipe, no Whatsapp, no Facebook, fixem-se no ecran do telemóvel ou do computador e lerão as fake news, mais “verdadeiras”, aprenderão imensos jogos que vos poupam de pensar na vida. Informem, informem de tudo para que sejam elaboradas estatísticas, sejam bons informadores, porque sociedade vigiada, é só na China que acontece, aqui é para o bem. Trabalhem em casa, podem manter a distância social, sem máscaras, caso contrário terão de se sujeitar a horários diversificados, que os patrões há tantos anos defendem, e assim evitam que as empresas, nesta fase difícil, tenham de gastar dinheiro na electricidadde, em espaços próprios, em carros que não sejam os necessários para o serviço do patrão, além das despesas extras de internet e outras. Vá lá colaborem sempre vão tendo emprego. Enriqueçam os pobres youtubers, os donos do Facebook, da Amazon, vejam e deixem-se ver na distância de um cabo. Façam amor sem desgaste de peças, nem odores incómodos, ou artefactos não desinfectados. Não é necessário cheirar ou tocar, poupa-se no banho e na lavagem de roupa. Refugiem-se em casa, deixem ir à rua os mais novos, eles fazem da máscara um fétiche da moda. Aceitemos viver como zombies. Até já reforçaram a dose televisiva da série Walking Dead para que possamos aprender a sobreviver, matando os contaminados pelo vírus da desgraça. A cura é criar cada vez mais castelos, com barreiras de acesso, com mísseis e espingardas, para abater os doentes, se não for amassando-lhes a cabeça, que seja, mantendo-os à distância social. Fica-me a dúvida qual das máscaras as pessoas usam ainda?
Abusivamente, ouso utilizar as palavras, desse que foi um dos maiores de todos os tempos, que me permitem rematar estes meu desabafo.


O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.”

Charlie Chaplin, em ‘trecho do discurso proferido’ no final do filme “O grande ditador”.

 

 

dc

 


domingo, 27 de setembro de 2020

Fim de Tarde


Os dias passam na sua rotina, do acordar ao deitar, sem curvas e contracurvas, tudo sem alma, mesmo o sol sorrindo, ou a chuva caindo, esteja calor ou frio, nada se altera, assim se esgotam as semanas, meses e as estações do ano. Nesse correr da vida, as pessoas passam, as conversas não distraem, as presenças tornam-se inócuas, não me trazem a frescura do teu abraço, o cheiro de ti, a presença do teu corpo, a doçura dos teus beijos. Faltam-me os teus gracejos refinados pela ironia, e as falas certas com que me rebatias as ideias e propostas, procurando ir mais fundo adentrado em nós. É uma saudade tamanha, da qual me apego em silêncio, como se fosse o ar necessário para respirar. Fico de olhar preso, naquele longe sem horizonte, como se a resposta fosse possível vinda do infinito, inconsciente de que as coisas têm o seu fim e a morte é inevitável.

 

dc


sábado, 19 de setembro de 2020

Afinal o morto continua vivo

"As crises nos acordam para as coisas boas que não percebemos."
Robin Williams num dos seus filmes

Fizeram-lhe o funeral antecipado e, como se isso fosse coisa pouca, ostracizaram-no antes da morte, para que esta fosse mais fácil de acontecer. De propósito? Não, mas com a mesma inconsciência e prática, lhes é proposta por esta sociedade autoritária, dita moderna e democrática, em que o umbigo de cada um maior que a humanidade da qual fazem parte, num apelo insano ao individualismo ao “nós” antes do que tudo. Resistiu como sempre fez. Muitos silêncios, muitos vazios dentro desses silêncios foram necessários, e tempo para muitas coisas dentro de si, mudaram, para encarar a solidão como algo apetecível e lhe dar espaço próprio para pensar, para ouvir o que não se faz presente, reforçar, ou reajustar a sua identidade, com os valores e com evolução da vivência. Foi tempo de analisar possíveis erros e esboçar novos desafios e objectivos. Encontrar pequenas pontas perdidas, na manta de retalhos dos sentimentos e emoções, descobrir novos elos de ligação. Afinal o morto continua vivo, não para assustar nas visitas às campas dos cemitérios, mas para sorrir ao mar, ao sol e gozar o tempo de liberdade numa esplanada "desmascarada" de um qualquer café.

 

dc

sábado, 12 de setembro de 2020

Quando o tempo pára

Adorava que toda ela tivesse aquela cor, transparente, do mel. Apaixonara-se pelo seu rosto de olhos rasgados, de um preto profundo, e pelo seu cabelo negro, que no seu esvoaçar, lhe realçava as linhas das faces. A sua boca era carnuda de lábios rubros, entreaberta num sorriso ténue, descobrindo levemente a brancura dos seus dentes. Todo o seu corpo sinuoso insinuava grandes voos, os pés pequenos harmoniosos, apetecendo beijar, as mãos de dedos delicados, completando a palma da mão, sugeriam a seda e sinfonias de carícias. O ventre liso, desenhava e realçava as coxas roliças perfeitas, e um afrodisíaco odor, acicatado pelo desejo, que de si, trazia a promessa incalculável de sensualidade e prazer. A imagem permanecia, no disco rígido. O caminho faz-se caminhando. A realização dos sonhos faz-se, quando nos disponibilizamos para ultrapassar distâncias e continentes se necessário, para que, nos mistérios do “karma”, se encontrar aquele ser que povoa os nossos sonhos e insónias, de modo repetitivo, como se dum dom trazido desde o lugar de nascença, aquele lugar. Agora abraçados, desfilávamos falas, entrecortadas pela repetição dos gestos, que nos enleavam levando-nos cada vez mais longe na descoberta. O relógio deixara de contar o tempo, nada de mais importante havia para fazer se não aquele permanecer.

dc