terça-feira, 25 de setembro de 2012

EnQUANTO DOrmIA


Enquanto ela dormia, ele roubava através de linhas e cores a presença de seu corpo. Fixava o instante possível, que a luz do amanhecer, através da janela semi-aberta, permitia ver.

Talvez não conseguisse captar todos os ingredientes visuais ou emocionais naquela imagem, mas restaria o essencial que motivara a urgência de a passar ao papel, mesmo que este não fosse o mais apropriado.

O registo permaneceria pelos tempos fora, mesmo que as memórias, já gastas, o atraiçoassem.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

EnQUANTO VIAjaS


A carruagem está meio vazia, olhas pela janela vendo a paisagem correndo ao teu encontro como imagens de um filme trazidas pelo vento. O seu correr perante os teus olhos, fazem-te esquecer as preocupações e transportam-te para um outro lugar.

Imaginas a tua chegada e a espera de quem te gosta, a roupa, o sorriso, o brilho dos seu olhos, o abraço e o beijo cheio de promessas. Vês e revês o cenário imaginando diferentes reacções de ambos, de um só, ou simplesmente mudas as cores da roupa o calor do beijo, a diferença do abraço, a riqueza da promessa.

A viagem vai decorrendo e as estações cortam o teu pensamento, interrompem a paisagem que se desenrola aos teus olhos. O teu pensamento muda. A tensão se vai desvanecendo e a imaginação te traindo entra em outros cenários. Já não só, mas a dois, no espaço perdido de uma carruagem semi-vazia, onde os outros se tornam voláteis.

Sentes a humidade em teu corpo, deleitas-te com as imagens e deixas-te ir nesse devaneio, nesse espasmo de aventura, perdendo o chão, a noção do tempo e a bússola dos sentidos, somente o desenrolar das emoções...

... a ponte surge, com ela a paisagem da cidade em cascata que se vai tornando cada vez mais nítida e entrando pelos olhos aquecendo-te a alma... e pensas nas múltiplas vezes que aqui regressas, sempre com o mesmo prazer da primeira vez, em que o regresso aconteceu. É o retorno ao berço, à memória que se aviva e traz o arrepio na pele.

Anos vivendo longe, numa outra cidade, onde as raízes não encontram chão, alimentam essa necessidade de um dia regressar definitivamente.
Parado no cais da estação ele vê o comboio que se aproxima, levanta-se e aguarda que o comboio pare, que a sua imagem surja do fundo escuro da porta.

Finalmente a espera ansiosa se desvanece no abraço apertado, no beijo sôfrego, na alegria de se reverem.

Nova partida, nova viagem, mas esta sem carruagens e sem limites para o gozo das emoções.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

CApTAR IMAGENS

Sei que não fácil entender e é difícil de explicar, o quanto é importante fixar momentos de vida através de uma imagem que nos entra pelos olhos. Quase sem reflectir fazemos o enquadramento, focamos, calculamos a luz, encontramos o punctum como dizia Barthes e carregamos no disparador.

“As imagens falam por si”, diz-se. Momentos únicos de uma passagem do tempo, que falam de uma outra vertigem, um olhar, com ou sem cor, conforme o prazer estético que se pretende. Interpretar e ver a realidade com outros olhos, captando subtilezas, aproveitando a luz e suas potencialidades, composição e interacção dos elementos na estrutura da imagem.

Se para alguns é uma acto fortuito, ou uma pausa para fixar lembranças de férias, festas, etc., para memória futura, para outros é algo mais do que isso, é paixão, orgulho tensão, emoção, trabalho, cartão de visita de competência, e qualidade de escolha. É uma relação amorosa entre o que se depara perante o olhar e a técnica com que se capta e descreve o que se viu.

Talvez por isso desejamos que todos apreciem o que fizemos e do que fomos capazes e assinamos por baixo o nosso orgulho. Egoísmo? Vaidade? Talvez, mas que lhe havemos de fazer se paixão é tão grande?

terça-feira, 18 de setembro de 2012

+ VALe TarDE do Que NUnca


Eu estive lá e não me regozijo mais do que das muitas outras vezes que estive lá, mas fico feliz, pois como diz o povo na sua sabedoria “ mais vale tarde do que nunca”

Sempre participei livremente em manifestações, desde que na defesa do bem comum e com a consciência de que não eram voláteis os assuntos e as pessoas. Sábado verifiquei, que muita gente apareceu na manifestação marcada pela net. Lá se foram os tempos de se fazer e colar cartazes, para fazer publicidade ao evento. É de facto mais prático, não se sujam as mãos e nem há trabalho, ou seja propaganda fruto do tempo e das “modernices”. Talvez eu seja um velho do Restelo, por ainda me lembrar, quando perdíamos noites, antes e depois do 25 de Abril, para mobilizar as pessoas para a rua, com sacrifícios tais que não lembra o diabo, mas com a riqueza do companheirismo e cumplicidades inerentes à luta.

Avançando, vi de facto muito gente na baixa do Porto, o que me podia levar a perguntar onde estava esta gente quando da greve geral, quando da greve dos professores quando das manifestações que ao longo destes anos, e em especial, no último ano se têm efectuado? Se tivessem aparecido nessas outras manifestações como na de ontem, será que o país estaria a atravessar tão grave situação?

Muita gente ficou á espera que a revolta dos outros resultasse no seu benefício.

Dizia uma senhora virada para as câmaras de televisão, que nunca tinha ido a nenhuma das anteriores manifestações, mas agora... o que me lembra o poema "Indiferença"* que diz:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
Tanta coisa tem sido posta em causa pelos sucessivos governos PS/PSD, entregando tudo o que foram conquistas de Abril, ao poder financeiro, inventando a democracia social, económica, cultural, etc.etc, quase nos fazendo acreditar que a democracia tem variantes e não é só uma.
Eu gosto de ver o povo, sem classificações de meio ricos, os mais ou menos ricos, os mais ou menos pobres, e os mais ou menos da classe média, (e a luta de classes onde fica?) mas todos aqueles que na sua individualidade constroem este pais numa democracia única no respeito por cada um e na aceitação de quem é eleito para dirigir todo um povo e não em benefício de alguns.

Não comparo esta manifestação com a “manifestação das caçarolas” do tempo do Allend(Chile), de apoio à direita que tudo fazia para derrubar o seu governo socialista legalmente eleito, em que as pretensas donas de casa que nunca o foram reclamavam, mas temos de pensar no que ela significou e quais os objectivos que se alcançaram.

Lembro-me dos Pachecos, dos Durões, dos Barretos, que se diziam em tempos de esquerda e onde estão agora? Lembro-me de alguns Primeiros, outros Presidentes, outros bombistas, que hoje comentam para a televisão e dizem estar ao lado do povo que eles traíram, nesse outro tempo, tentando assim branquear o mal que fizeram à democracia. Alguns deles foram os primeiros a darem indemnizações aos regressados do estrangeiro para onde tinham fugido a seguir ao 25 de Abril, deixando as fábricas abandonadas, muitas delas já falidas. Puderam fugir em “nome da liberdade”.

Sou dos que não acredito, que sem partidos se construa o futuro de Portugal, como também, não acredito que gritar “Oh Coelho vai para rua que esta terra não é tua”, e a seguir se batam palmas ritmadas. Há quem lhe chame Esquerda Festiva. EU chamar-lhe-ia “Indignados bem vestidos”. A malta de esquerda veste bem, mas não faz da luta uma romaria revolucionária, ou uma passagem de modelos, tal era o vestuário de um “negligé”, fresco, leve e com muito gosto, com que muita gente pavoneava e observava de fora a marcha. Não temos de andar de fato macaco, mas na verdade é preciso sentir o fato macaco.

Permitam-me que duvide das pessoas que dizem há anos não votam e não acreditam nos políticos, que no futuro próximo, ou que voltem a votar, porque nessa altura a desculpa será a de não encontrarem alternativas. Até porque de facto a alternativa está efectivamente à esquerda, e em todos os outros partidos em que eles, costumam dizer “ não se revêem”.

Acredito sim, que no meio daqueles muitos milhares presentes, dos quais muitos deles por solidariedade foram engrossar o protesto, estejam pessoas que reconhecerão, terem andado anos arredados da verdade do país esquecendo-se da ditadura fascista, e todo este percurso desde o 25 de Abril, até aos dias de hoje. Acredito que muitos outros comecem a perceber que não chega integrarem-se na “esquerda festiva”, ou serem uns "indignados", é preciso mais do que isso, só a luta organizada e a união de todos fará deste Portugal um pais melhor onde todos têm direito ao estudo, ao trabalho à saúde a acima da tudo à sua dignidade.

Tenho esperança que num futuro próximo, muitas destas pessoas serão solidárias irão para a porta das fábricas apoiar os direitos de quem trabalha, que serão solidários nas empresas, nas escolas, que se indignem com a exploração, que não critiquem as manifestações, as greves e que estarão solidários em todas as decisões que ponham em causa o bem colectivo da sociedade

Os meios de comunicação, apareceram em massa e deram uma cobertura como já não se via há muito a estes acontecimentos como se tivessem acordado agora. De facto eu nunca vi tanta quantidade de representantes dos media, digo eu agora, “desde os primórdios da revolução”. Assim como não tenho memória de ter estado numa manifestação com tantos fotógrafos amadores, com tão boas máquinas, procurando registar aquele momento único, talvez para eles.

No passado para a direita, a “esquerda pequeno -burguesa” não fazia mossa antes pelo contrário. “A esquerda festiva” ou “os indignados” , de igual modo, nos tempos de hoje também não fazem e como tal não lhe dão valor algum. O Poder económico admira muitas “esquerdas festivas” e até lhes chama democráticas, porque têm medo de qualquer força organizada. A “esquerda festiva”, reivindica tudo, só que não põe em causa a estrutura e o sistema que regem as nossas sociedades, o capitalismo.

Faço votos que me engane e todas estas pessoas que participaram na manifestação sejam consistentes e conscientes e a partir de agora estejam atentas não permitindo os abusos do poder.


Atribui-se este poema a Bertold Brecht, como a outros autores como por exemplo Martin Niemoller.

NUNCA TE TRAÍ


Parto para a manhã enevoada ao encontro da cidade e delicio-me com o algodão doce que a abraça, como se os meus desejos se tornassem realidade e meus braços se agigantassem num envolvimento de agradecimento a este ninho que me viu nascer e sempre me aconchega. PORTO ÉS A MINHA CIDADE


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

NATUREZA MORTA...HOMEM MORTO


Ele tinha os olhos brilhantes, com um ar meio esgazeado, andrajoso no vestir. O corpo projectado para a frente, em cada passada parecia querer encontrar o equilíbrio. As mãos pareciam garras com as unhas sujas e compridas, nas costas um saco daqueles de plástico pretos que se usam para o lixo, um outro tipo caqui, sebento. Nos pés as sapatilhas deixavam os dedos respirar pelos buracos da biqueira, fruto talvez do desgaste das caminhadas, ou pelo longo tempo de duração. Tinham todo o aspecto de serem herdadas de um qualquer contentor do lixo, pois os dedos saíam um pedaço de fora dos buracos.

O seu olhar prendeu-se nos carros que paravam na frente de um edifício onde se encontrava um telão enorme com uns dizeres e umas figuras. As pessoas que saíam dos carros tinham um ar pomposo, bem vestidas, uns com roupas a rigor, outros com aspecto negligé como soi dizer-se. Dirigiam-se apressados para a entrada que os engolia a todo o momento.

A necessidade de obter algo daquela gente fê-lo aproximar-se com rapidez do local. Era uma galeria de arte, e numa das janelas laterais à porta, com dimensão idêntica, na parte de dentro via-se uma pintura em grandes dimensões. Era uma natureza morta, de um pintor muito conhecido. O Homem parou de olhar fixo observando em pormenor. O peru de papo para ar tostado, parecia deixar no ar o seu cheiro apetecível, um copo e uma garrafa, semi-cheios de vinho, frutos e sobremesas várias, enquanto olhava as mãos mexiam irrequietas, a boca abria e fechava como se mastigasse cada bocado, do que se deparava perante os seus olhos. Quanto mais olhava mais descontraído ficava, as suas mãos acariciavam a barriga. O mundo à sua volta desaparecera, nada havia ali a não ser o recheio do quadro e ele. De repente solta-se-lhe um arroto, que o deixa perplexo desviando os olhos para o lado com receio de que alguém tivesse ouvido. Quando o faz, vê passar junto de si uma garota morena, linda como o sol, esbelta, de blusa ligeiramente aberta onde se vislumbrava um peito firme e bem desenhado, na parte de baixo uma mini-saia, mostrando umas pernas altas elegantes rematadas e uns pés metidos em sapatos altos, abertos, deixavam ver uns dedos pintados de vermelho. Aquela imagem impactou-o fortemente e começou a sentir um aperto no coração, ao mesmo tempo que se sentia o corpo esvair-se, como se procurasse o chão... caiu.

Notícia: 12 de Setembro de 2012
Ontem pelas dezanove horas, junto à galeria Art Nouveau, na Rua José Pintor, um individuo do sexo masculino, com cerca de cinquenta anos, caiu inanimado. Prontamente foi socorrido e enviado ao hospital vindo a falecer. Conforme informação, dada pelo médico, nas urgências, o indivíduo com cerca de cinquenta anos de idade, morreu, de acordo com os sintomas, de congestão, razão pelo qual será autopsiado hoje mesmo, segundo o clínico, estranhamente, não possuía qualquer conteúdo no estômago. O indivíduo em causa, não possuía qualquer identificação, pelo que se pede a quem o reconhecer pela fotografia, que se dirija aos serviços de atendimento da polícia.



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

AMOR SENIOR

Chegaram, sentaram-se na esplanada, deixando que a brisa os refrescasse, ele era alto enxuto, com o cabelo todo branco, calças cinzentas de tecido fino, camisa branca, sapato preto clássico, apontando para uns 65 anos, ela baixa gordinha, não demasiado, talvez com menos idade, ligeiramente mais baixa que o seu parceiro, com um ar simpático, sorriso nos lábios, vestida com uma blusa simples, preta, e um colete leve por cima, saia de tecido florido daqueles que parecem sempre encorrilhados, sapato preto de meio tacão.

Ele tinha uma voz seca, com tonalidade autoritária, marcial, ela com uma voz e uma forma de estar muito daquelas mulheres que está habituada a trabalhar enfrentando a vida, Ambos pareciam gente boa em plena reforma, ou com a vida já bem assente.

Interessante a conversa que se desenrolou, percebia-se estarem ali depois de um almoço de domingo, a dois, gozando um espaço das suas vidas, talvez viúvos querendo reconquistar a vida. Ele falava de um qualquer baile do “arrasta o pé”, local que se subentendia ser comum aos dois, no qual uns amigos lhe disseram terem visto alguém conhecido, ela pronta sugerindo ir ao local passar um bocado. Autoritário, macho, disse logo que não, de forma seca, justifica de seguida, começando a falar de visitar a filha "hoje" que reclamava a sua presença, segundo ele, a filha lhe estava a cobrar quanto à forma como vivia a sua vida. Ele lamentando ter de reclamar quanto ao seu direito de fazer o que queria da sua vida e não admitindo interferissem. A senhora, a seu lado, corroborava falando da sua filha e dos problemas comuns aos dois.

Tudo isto em voz semi- audível, percebia-se pelo decorrer da conversa que viviam cada um no seu espaço e que viviam a aventura de um namoro sénior, maduro. Vozes sem agressividade, palavras soltas um à vontade saudável de quem gosta de se encontrar, para almoçar, viver os momentos, falando gozando as delícias do amor, e depois retomarem as suas vidas no dia seguinte até ao próximo encontro.

Namoro moderno em “gente antiga”. Cada um com o seu próprio espaço, cada um com a sua família, cada um evitando confusões de uma decisão precipitada de vida a dois, com as famílias se misturando, com as confrangedoras situações que se conhecem entre casais divorciados, ou viúvos, com partilhas e direitos discutidos ao milímetro. Vivem a “anormalidade” de não estarem juntos como mandam as regras sociais, preferem a sua independência, económica e social, o seu espaço, a manutenção das suas vivências com os amigos, a não obrigatoriedade, de, por gostarem terem de se colar na pele do outro. Certamente terão cada vez mais ânsia de se verem, cada reencontro será mais rico que o anterior, haverá mais estórias para contar, mais partilhas a fazer, mais beijos e carícias para dar, mais prazer de estarem juntos. Naqueles momentos a dois, estão disponíveis em pleno um para o outro.

Não pareciam, os dois, pessoas dotadas de grande formação e cultura. Não sei como deduzi tanto sobre eles, e o que levou a pensar onde aprenderam tal forma de estar, mas julgo que na verdade a sabedoria e a experiência de uma vida a sós, após um divórcio, ou viuvez, por vezes dá tanta riqueza e liberdade, que as pessoas dela não abdicam de modo fácil ou menos ponderado.

Viver juntos uma relação de amor, já não é única opção. Importante é a alegria de se amarem quando juntos.