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segunda-feira, 19 de julho de 2021

Talvez o (a)mar



Esse teu sorriso iluminando o rosto seduz-me, é suporte deste meu desejo de esperar o reencontro. Escassos são os dias, que não fico, observando imagens do teu rosto; os teus contornos, as sobrancelhas, as pestanas, a cor dos teus olhos, a tua boca, o cabelo que o adorna. Chego até a imaginar, o modo como respiras, quando a emoção se adentra fazendo dilatar o peito num suspiro profundo. És uma musa que me traz ao pensamento e à boca as palavras, que guardadas se perderiam do seu sentido. És um sonho à luz do dia que se prolonga e atordoa vindo da noite agitada. Chegas assenhorando-te, da minha atenção, alimentas a minha criatividade, fazes o relógio mudar todo o seu significado do tempo e do verbo existir. És uma memória que não descortino a origem, de facto é como sempre existisses em mim, como o sangue que me circula nas veias. Perder-te seria como plantar vazios, em vez de flores, no jardim da vida. Talvez o (a)mar, talvez o sol, ou a brisa do fim de tarde, trazendo o aroma do pinheiro-manso e o silêncio dentro de mim, me tenham libertado para este meu dizer.

dc


quinta-feira, 8 de julho de 2021

Acontece



Na agudeza dos problemas da carne, ficam os sentimentos desvairados que ocorrem quando de longe se observam os efeitos. Ficam os olhos envidrados, a voz sufoca, a mente se treslouca e o porvir inadivinhável. Então tudo se dilui em foguetório sem blindagem, de bocas que se sufocam, corpos que se entrelaçam, num descaminho de emoções, onde nada prevê as consequências. Usufruir enquanto dura, sem criar barreiras ao pensamento e ao evoluir das emoções. Sem comprometimentos, colorir quanto possível, ausentes de objectivos e muito menos certezas. Começou e foi indo até onde deveria ir, com fim imprevisível, aproveitando a viagem que leva o mundo da imaginação ao mundo físico, provando todas as variações que os corpos se dispõem liberar. Mais do que trocar carícias e fluidos, é trocar integridades, num erotismo sénior, dando largura à vida e profundidade à existência. Viver a idade sem estorvo do calendário.

 

dc

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Também o medo

 


Os “mortos” colocaram as máscaras para se simularem vivos. No lugar dos olhos, existe um buraco fundo onde se escondem as palavras, que os mortos não pronunciam. Uma vida que se gasta na espera que o medo se vá, que morra, e as ausências se percam pelo tempo. Incapaz de enxergar o rosto dos outros, fica-se por um pensar tolhido pelo medo. Muitos se afastam, cruzam as ruas de um lado ao outro, mudam de passeio, fogem das pessoas. Fechados ao amor, perderam-se de abraços, de beijos e carícias, enleiam-se em cansaços, em correrias e regras absurdas sem sentido. Pensar é proibido, deram aos outros a força de decidirem por si, mesmo que com voz de falsete, ou em vozeirão de sabedoria feita que ninguém questiona. Pressinto o absurdo, a desculpabilização futura, quando o estrago se evidenciar na humanidade perdida, e os autómatos começarem a fazer sombra naquilo que fomos e não voltaremos a ser. É certo que a “normalidade”, será uma outra, como sempre acontece, até se tornar comum, convivermos pacificamente com aquilo que se alterou. As elites terão humanos ao seu serviço, médicos, “personal trainer”, massagem e empregados vários, os pobres terão robots, internet para se comunicarem e até fornicarem. Não estamos todos no mesmo barco, alguns têm o iate, muitos outros nem jangada. Entretanto, pacificamente, vamo-nos assumindo como responsáveis, censurando-nos a nós próprios, “cidadãos que se creem livres” adaptando-nos cada vez mais, à figura de não sermos ninguém, mesmo quando a nós, cabe decidir, a quem dar a força de decidir por nós. Aceitamos mutações e outras explicações para tudo, sem que se permitam a um fim, prolonga-se a agonia, não se vai do mal, vai-se pela cura. Se houver futuro, não telecomandado, talvez a verdade surja, caso contrário passará para as calendas gregas. Atordoados, pressionados com as falas mediáticas, que plantam o medo, passamos ao lado dos movimentos de nucleares exércitos, com nucleares engenhos que se passeiam a descoberto pelo espaço europeu, com beneplácito dos governos, em exercícios, sem aviso prévio, enchendo mares, calcorreando estradas, voando pelos ares, simulando o terror, fazendo-se salvadores de males maiores, relativizando o perigo e esquecendo o passado de Hiroshima e Nagasaki, e da actual Central Nuclear Fukushima cujo o acidente nuclear de grau elevadíssimo, cujos resíduos a deslocar para o alto mar, que podem pôr em causa a natureza e a vida das pessoas. Acredito na ciência que aprende com a natureza e nos ajuda, a com ela evoluirmos, mas não quando está contra ela e ao serviço de fins inconfessáveis. Também o medo terá de se ir. Só poderei dizer: não temo a morte, se me tiram o prazer de viver.

dc

 

     6. Apelar para as emoções
     As mensagens que são projetadas a partir do poder não têm como objetivo a mente reflexiva das pessoas. O que eles procuram principalmente é gerar emoções e atingir o inconsciente dos indivíduos. Por isso, muitas dessas mensagens são cheias de emoção.

     As terríveis 10 estratégias de manipulação massiva, reveladas por Noam Chomsky

     020-11-09

        A absoluta contaminação mediática pelas informações (e desinformações) associadas   à COVID-19, alimentando o clima de pânico entre as populações, tem ainda outro efeito perverso: omite às mesmas populações outras situações igualmente graves e que têm todo o direito a conhecer. Uma delas é a escandalosa decisão do governo do  Japão e da empresa que gere a central nuclear de Fukuxima de lançar no mar mais de um milhão de toneladas de águas radioactivas originárias dos reactores fundidos na catástrofe de 2011. Águas que entrarão na cadeia alimentar de milhões e milhões de  pessoas. Um acto criminoso que apenas engrossa essa pandemia esquecida: a de índole nuclear –civil e militar.

        Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

 

 


quarta-feira, 23 de junho de 2021

Ninguém sabia...

 


.... quem era ela, nem ela sabia que ele a queria a ela, nem mesmo ele sabia muito bem, porquê ela. Ele queria dela, as mãos no seu rosto, os seus olhos dentro dos seus, as carícias das mãos dela, os beijos dela, todos seus. Ela existia em alguém à sua espera, como ele à espera dela, para se encontrarem nas circunstâncias de cada um, nas exigências em comum, no dois em um, ultrapassando obstáculos, quebrando arestas, passando nas mais estreitas frestas, neste nosso mundo diverso. Todos os dias ele procurava, o seu amor quase perfeito, adentrando olhos nos olhos, absorvendo o perfume do ar, observando o vestir e o jeito de andar no cruzar das ruas, no limiar dos passeios, entre o ruído da multidão, entre as sombras na escuridão. Acontecia que na rua, ao nela circular, por vezes, era tal a intensidade do seu pensar, que se surpreendia de não a encontrar e a poder abraçar. Nunca foram cachorros perdidos nas ruas, correndo a mitigar o cio, nem necessitados de edital colado ou agrafado em sítios variados, sabia que mais dia menos dia iria tropeçar, naquilo que os aproximaria. Sem recorrer aos mecanismos da modernidade, acreditou sempre que aquele sentimento tão profundo, dentro de si, teria de sair para o acontecer, sem procura ou anúncio a colocar. Talvez um sorriso, um acontecimento banal, fosse a porta para tudo se iniciar, e depois, muito mais a conversar, tocar e aprofundar, num melhor interpretar onde cada um queria chegar.

dc

Para trazeres seja o que for para a tua vida, imagina que já lá está
Richard Bach – Pontes Para Eternidade

  

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Na encruzilhada....


.... perversa da sua existência, os sinais se repetem e o medo da frustração, levanta barreiras e cria um impasse, na já difícil tomada de decisões. É a tal estória; queremos e não podemos, ou podemos e não queremos, sempre encontramos ou inventamos obstáculos para manter o nosso individualismo e não abrir as portas do que somos. A vontade de começar algo de novo e diferente é intensa, mas logo se esmorece, pela preguiça mental e comodismo individual, que se recusa a aceitar, que nem juntos os pauzinhos, são suficientes para construir um lugar para que a serenidade se evidencie e valha a pena acontecer. Na realidade nem repara que a imagem do seu reflexo, é vazia e incolor, e tira o brilho das coisas, que dentro de si elaboradas, pretendiam melhor destino. As desculpas são muitas e a oportunidade deixa de ser, afastam-se as perspectivas e antes de tudo começar, já findou. Esquece, que o que se passa na sua vida, é o resultado das suas escolhas e de acreditar, ou não, na sua própria capacidade de atrair e ajudar a que as coisas boas aconteçam e se realizem. E assim, é como um sonho que não se realiza ficando na beirada da consciência.

dc

 


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Esperar é ganhar(?) tempo



Encurtam-se-lhe as palavras, não fluem, travam pela falta de ligação. O vocabulário, é insuficiente, para efabular e transformar o texto em algo criativo que valha a pena ler. Tem vezes, que o discurso parece pronto para as falas, mas algo estranho, faz-lhe esquecer a ligação e o sentido. A voz some-se quando devia expressar-se, a escrita é ilegível, uma afasia doentia, troca os sentidos. Talvez o temor de ao escrever se desnudar perante os outros, revelando a personagem real, que é a sua “cara” ou a forma como percebe o mundo em volta, fora dos interesses materiais. Precisa de manter alguma da sua intimidade, emocional e fugir dos padrões comuns dos tempos modernos e digitais que tudo se diz, onde tudo se revela, tudo faz a notícia acontecer. Não fazer uma “selfie“ escrita, evitando o bullying mundano. Reservar-se ao silêncio, guardar a fortaleza que é o seu espaço de estar. Esperar é uma forma artificial de ganhar tempo para que a esperança se realize.

 

dc


sábado, 29 de maio de 2021

Uma estória de silêncio

Quando se conheceram, já as rugas mapeavam o seu rosto e a maquilhagem era insuficiente para o esconder. As coxas já começavam a ficar roliças e pesadas, contrastando com o peito débil encimando o corpo. Coisa pouca, perante o seu sorriso atrevido, o brilho dos olhos, cor de mar, o veludo da sua voz e aquele perfume do seu corpo. “Pode-se dar tudo a uma mulher, menos a idade”. Tudo nela ultrapassava o tempo, trazendo para o presente a vivência duma navegação à vista em mar ondulante de delícias, e sonhos de voos errantes, entre nuvens, sem destino. Na realidade parecia uma flor que se não deixava morrer pelo estio, ou qualquer outra estação. Aparentemente frágil, tinha expressões, físicas e faladas, de segurança e firmeza na realização dos seus desejos e vontades. Com inteligência, verdade seja dita, usava o sorriso e a voz quente, encaminhando as coisas para satisfação das suas vontades. Tinha um discurso reduzido, pouca capacidade de partilhar intimidades, de dividir razões, ou conversar sobre hipóteses nunca antes, por si, elaboradas. A aventura nela só tinha um caminho, a descoberta do amor que queria. Como toda a rosa tem espinhos, ela não era fácil, tinha de ser seduzida todos os dias. A sua rebeldia, provocava insegurança e dúvida, assim mantinha o seu amado, sempre na expectativa de que, um dia, tudo poderia dar certo. Era confuso, para os de fora, perceber como se apaixonaram e evidenciaram momentos tão ricos de emoção, durante longo tempo. Na verdade, durou o tempo necessário da realização total do puzzle, as peças, desiguais, se encaixaram na reentrância, ou saliência de uma e outras, desenhando a imagem final. O amar, acontece, sem haver uma fórmula para dar certo, ou que explique que ambos se completam pela semelhança, ou pela diferença. É bem provável, tenha sido a procura de encaixar as diferenças, a motivação para se manterem, mesmo quando a distância ia provocando estragos.

De repente o silêncio, o orgulho sobrepôs-se, travando a iniciativa da descoberta do seu significado. Faltou maturidade para o aceitar e incapacidade para avaliar e interpretar a importância que ali assumia. Esperar, sem perceber a mensagem subliminar, é matar o que ainda estava vivo e, assim, possível fecho de um ciclo. Sendo o silêncio a sua praia, com ele se encontrava e reencontrava, sabia também que era melhor que o vazio, o silêncio era reflexão, espera, acção sem palavras, ou gestos, era um intervalo de preparação para o acontecer. Não era o vazio, era só ausência, o vazio seria mais, o nada, a inexistência de si próprio, as emoções no limbo. Há muito aprendera que tudo tem um princípio e um fim; no início tudo se diz e se faz, tudo alimenta o prazer da descoberta, para que o romance se escreva, sem falas perdidas. O fim traz a dor e alguém se pode machucar, isso torna as coisas difíceis. Nesse momento, faltam-nos as palavras para expressar o que sentimos, perde-se o discurso, as palavras, não se tornam falas e morrem no pensamento. Fica impossível avaliar os factos da rotura, porque a dor se sobrepõe ao demais.

 

dc


segunda-feira, 10 de maio de 2021

A imagem desfocada


Em determinado momento descobrimos, que a memória de alguém outrora importante nas nossas vidas, ficou reduzida a um rosto, tudo o mais, já se diluiu nos interstícios daquilo que fomos acumulando, como conhecimento físico, ou das emoções que percorrem a pele e se dispersam em milhares de terminações nervosas. Na imagem desfocada da memória os traços evidentes foram-se esfumando; os seus lábios, a cor dos seus olhos, o realce e forma das pestanas e sobrancelhas, os fios de cabelo, castanho-claro, esfumam-se no emoldurar do rosto, a delicadeza do seu nariz, em contraste com as maças do rosto, suaves e rosadas de outrora têm um desenho difuso. É um rosto que funciona de forma subliminar, que vai perdendo a capacidade de se evidenciar no meio de muitos outros que circulam ao seu redor, perdendo a clareza da forma, para se distinguir, dos demais; é uma imagem suavizada quase sépia de uma beleza estranha, que evoca tristezas e ausências, sem a consciência do porquê. Possivelmente, aquele rosto trouxe-o dos sonhos, numa última tentativa de resistência, à perda definitiva, caso contrário lembrar-se-ia dele com maior rigor e definição, assim como do corpo e outras coisas partilhadas, que estavam ligadas ao passado.

dc



quarta-feira, 31 de março de 2021

Atrevo-me

....., caso raro, a dizê-lo. A beleza dela ofusca outras que estejam próximas. É tão bela que faz doer observá-la. O seu rosto tem um desenho perfeito com sinais únicos de distinção, leveza, mistério no olhar, boca sugerindo sorrisos, e, uma farta cabeleira que pronuncia caminho para dedos desejosos de carícias. Tudo nela é diferente e marcante. Percebe-se a distância resguardada em que se coloca. Será do amor, que a mantém segura e a afasta de vontades impensadas, ou assédios incómodos? Se um dia resolver fechar-se no seu castelo, irá trazer assombros e sofrimento, porque ela é um colírio para os olhos, mesmo sem as falas de encantamento.

 

dc

 

sábado, 12 de setembro de 2020

Quando o tempo pára

Adorava que toda ela tivesse aquela cor, transparente, do mel. Apaixonara-se pelo seu rosto de olhos rasgados, de um preto profundo, e pelo seu cabelo negro, que no seu esvoaçar, lhe realçava as linhas das faces. A sua boca era carnuda de lábios rubros, entreaberta num sorriso ténue, descobrindo levemente a brancura dos seus dentes. Todo o seu corpo sinuoso insinuava grandes voos, os pés pequenos harmoniosos, apetecendo beijar, as mãos de dedos delicados, completando a palma da mão, sugeriam a seda e sinfonias de carícias. O ventre liso, desenhava e realçava as coxas roliças perfeitas, e um afrodisíaco odor, acicatado pelo desejo, que de si, trazia a promessa incalculável de sensualidade e prazer. A imagem permanecia, no disco rígido. O caminho faz-se caminhando. A realização dos sonhos faz-se, quando nos disponibilizamos para ultrapassar distâncias e continentes se necessário, para que, nos mistérios do “karma”, se encontrar aquele ser que povoa os nossos sonhos e insónias, de modo repetitivo, como se dum dom trazido desde o lugar de nascença, aquele lugar. Agora abraçados, desfilávamos falas, entrecortadas pela repetição dos gestos, que nos enleavam levando-nos cada vez mais longe na descoberta. O relógio deixara de contar o tempo, nada de mais importante havia para fazer se não aquele permanecer.

dc


domingo, 26 de julho de 2020

Ela ama o sol e o mar


 Ela falava adivinhando pensamentos. Um dia conhecera-o, mais de perto e com alguma intimidade, mas assustou-se com o que descobriu e fugiu. Prendeu o olhar debaixo dos óculos escuros que dominavam o rosto. Os lábios tinham perdido o sorriso e ficaram presos a uma linha inexpressiva. Ele ficou retido na paragem que a viu partir, sem ter a inteligência e sabedoria para desvendar a origem do acontecido. Talvez ela pensasse que ele seria o príncipe encantado, surgido do beijo, mas na realidade a magia não aconteceu, continuou sapo fora da história. Anos mais tarde, se confessou, sorrindo na serenidade dos dias, só, vivendo no seu timing, amando o mar, e o sol que não traía as suas expectativas, trazendo-lhe vida e alegria, mesmo quando as nuvens o mascaravam. Ela adorava acordar com o sol e o seu adormecer vermelho, quente, enchendo o céu repousando sobre o mar, abrindo a porta à lua que chegava. Adorava adormecer com a lua beijando-lhe o corpo e a brisa fresca que o sossegava. O outro não era o príncipe, mas não ficou sapo para sempre, era agora uma referência amiga com o qual as falas e a liberdade se expressavam, mantendo aberta a porta às histórias dos dias. Longa era distância, perto a apreciação do mar e o sol que a ambos fazia feliz.

dc

sábado, 18 de julho de 2020

Amor de Verão


Passava os dedos sobre a superfície das coxas generosas e suaves que delimitavam o começo do ventre e o abdómen que sem ser magro era liso e sem saliências inconvenientes dos descuidos estéticos, as marcas naturais da idade. Sua pernas eram duas colunas poderosas que suportavam o resto do seu corpo harmonizando todo o conjunto que fazia a sua bela figura de mulher. Sabia que ela não era só um corpo, por isso o encantavam os seus raciocínios lógicos, a sua cultura, a personalidade forte e a sua ternura, quando em conversa. Quantas vezes ele deitado de bruços sobre a cama, enquanto falava com voz baixa e pouco clara pelo sono e por não querer dizer demais, ela o escutava com um braço atravessado sobre as suas costas, enquanto da sua boca, saíam uns ligeiros murmúrios, intercalados por beijos roçados sobre a sua pele do ombro. Quase sempre resultava no descaminho voraz que interrompia a pacatez das falas.
Ela era a deliciosa surpresa, que surgira para interromper a sua solidão e vazio amoroso dos últimos anos da sua vida, enriquecendo-o com o seu amor fresco, sem a identificação dos anos pelo bilhete de identidade. Ele não era possuidor de grandes rendimentos, ela vivia do seu salário pouco generoso. A diferença de idades era algo acentuada, mas nada que os preocupasse, sabiam que o presente que viviam era doce e suficientemente forte, para que se pudesse dizer um dia com o destino traçado, “valeu a pena”.
Ele tantas vezes percorreu com um só dedo o contorno do seu corpo como se fizesse um desenho a lápis, que iniciava nos dedos de um dos pés e se prolongava por todo o seu corpo até ao outro lado, terminando da mesma forma, ao mesmo tempo que a sua boca acompanhava todo o seu percurso. Era uma espécie de tactear cego, como se quisesse fixar dentro de si a sua morfologia corporal. Ela, enquanto isso, ia falando em voz baixa, meio rouca que o enlouquecia. Tinha sempre estórias para contar, factos para relatar, desejos para realizar e ternura sem fim no seu expressar. Não havia momento escolhido para se descobrirem, qualquer lugar, ou momento, construía um beijo, um desejo e uma osmose de corpos e peles que se confundiam adentrado-se, com toda a alegria de um sonho que a cada etapa se realizava. Assim foi todo aquele Verão, como no Inverno que se seguiu e todas as estações, surgidas no correr dos anos.

Hoje estava novamente só. Contrariando a ordem natural das coisas, a morte antecipara a sua partida. No entanto, não era uma solidão incómoda, mas procurada. Sentia a sua ausência de facto e por vezes de forma dolorosa. Eles tinham-se dado tanto, um para o outro, um com o outro, que não faltavam memórias que preenchessem as lacunas, além dos afazeres diários sociais e de sobrevivência e as pausas para ler, ou escrever. No aproximar da noite, em especial, sempre se lembrava, de que mais vale amar por algum tempo alguém, mesmo que o sofrimento possa acontecer, do que nunca ter amado, com o mesmo prazer e alegria que com ela viveu. Tinham-lhe dito que os amores de Verão morrem com a Primavera, o seu, dela, tinha percorrido muitas estações do ano sem esmorecer até à sua partida. O vento leste traiu-me, trouxe o calor ao corpo e arrastou-me para esta saudade e desassossego para o qual as palavras não chegam.


dc

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Além do espelho


Olhamos o espelho, vendo para além de nós. O rosto é somente a aparência onde nos fixamos estáticos, enquanto adentramos, nos nossos pensamentos e raciocínios. Não raro acontece acordarmos dessa letargia, com uma voz que chega lá de longe, como um eco, para nos dizer que estamos com bom aspecto, ou atrasados para um qualquer compromisso da nossa rotina. Penteamos o cabelo, passamos creme nas faces, ou borrifamos um pouco de água de colónia e de seguida uma vista de olhos à restante decoração de que nos vestimos para parecermos pessoas. Aquele momento fugaz de auto-observação em que nos detivemos, olhando o reflexo do rosto que não vimos, surgirá mais tarde, fazendo parte das nossas interrogações. Será regurgitado para a luz do dia, vivenciado como um filme do qual tentamos perceber as razões e as dúvidas que ocorrem da sua ficção. Se não observamos, atentos, os traços da face, não é possível que tenham sido as rugas, marcando o percurso dos aniversários decorridos, ou os cabelos brancos como número de identidade, porquê da razão do olhar invisível, abstracto, como que suspenso no tempo? Será uma defesa do nosso cérebro, ou a necessidade de deixar as rotinas? O que se passa em nós, que cada vez mais, com o evoluir dos anos, vamos tendo esta espécie de brancas temporárias, em que nos afastamos do que nos rodeia e nos deixamos tomar pela meditação, para além do lugar de estar? Talvez seja a ameaça à vida que hoje sentimos, este terror que nos colocam, da quarentena para a calamidade, numa maldade insana de nos fazer contar os passos, alargar as distâncias, e temer o respirar da vida, na crença de que só assim podemos existir, temendo, que nos coloca dentro da gaiola, sem a liberdade do voo, que nos faz perder o siso, nesse olhar que vai para além do espelho onde nada vemos.

dc

domingo, 14 de junho de 2020

Basta ser domingo



Tudo se mantém entre o sonho e o pesadelo da realidade. Que importa quantos anos passem, quantas as caminhadas feitas sem destino, quantas as manhãs frias pela ausência, quantas noites escuras com breu de olhos abertos esperando sonos, quantos os silêncios com o olhar perdido nas paredes carregadas de livros e pinturas, quantas as flores cortadas ou árvores podadas? Nada. Tudo isso são coisas que não arredam o que sente dentro de si. Ficaram os cheiros, a pele tatuada pelo toque dos seus dedos e doçura dos seus beijos, o amor feito sem pressa, as idas e vindas quebrando tempo e distância trazendo o sorriso e brilho aos olhos; a paragem do tempo, sentados na beira rio junto à foz, olhando o morrer do dia na linha do mar. São memórias em tinta invisível que facilmente se revelam, desse mundo submerso entre o sonho e a realidade, como o facto de ser domingo.

A data não está marcada, os dois ainda não têm a sabedoria da natureza na rotina das estações do ano, ou do ciclo das marés. Um dia irá acontecer, mais cedo do que tarde, e nessa altura se saberá qual o fio condutor que mantém os espíritos ligados a essa chamada, estória de amor.


dc


segunda-feira, 11 de maio de 2020

As flores resistem


Considerada frágil, ela reagiu contra todas as tentativas de esmagamento. Uma fura-vidas. Tiraram-lhe o sustento, na tentativa de a quebrarem. Gemendo e sofrendo, foi vivendo com precariedade, até ao dia em que ainda viva e jovem foi conviver com os mais idosos, lugar de verdadeiros apreciadores da sua beleza e capacidade. Embora através deles pudesse fazer um retrato do seu futuro, sentia que voltara à vida. Houve tempos em que à sua volta tudo foi cortado, e ela resistira, crescera, impondo a sua figura diáfana, com um sol vivo centrado no seu corpo. Um infinito esverdeado completava-a, lembrando, um farol para novas rotas sobre o mar. Ela resistira lutando, para ser presente, na vida dos outros que amava e a amavam. Quando a quiseram, como modernamente se faz, embalsama-la em cimento, ela resistiu e criou a sua brecha para respirar e hoje é um exemplo, de abnegação e força que encanta, uma amostra viva, de que até as flores resistem às vicissitudes da dureza das tempestades ou ao meio social onde habitam.

dc

sábado, 14 de março de 2020

VH+1- we love the…

No silêncio da casa, a música ressoa reflectida pelas poucas paredes ausentes de livros. A sua sonoridade adentra pelos pensamentos e traz emoções várias, transporta-me para a carruagem dum comboio de sons, numa viagem de um único destino sem paragens intermédias. Sinto que os olhos se fecham, as imagens desenham-se na mente de uma forma quase real. Por que não me deixar ir, como se de meditação se tratasse. O pensamento, viaja e cria cenas sucessivas, com gentes e lugares diferentes, numa vertigem de acontecimentos que parecem encaminhar-nos para respostas que de algum modo quero saber. Os acontecimentos e as frases visuais parecem querer mostrar algo imensurável, a tensão interna aumenta, mas algures no cérebro, como se existisse uma chave de código, condiciona o acesso, e estabelece o limite até onde ir. Surge a necessidade de abrir os olhos e rapidamente encontrar um chão, como uma espécie de apneia, ou um aviso de que estamos a passar os limites do que devemos conhecer, sobre nós, ou do mundo que nos envolve. Uma caixa de Pandora, que aberta irá trazer-nos para um mundo que nos modificará a existência.
Olhos bem abertos, uma sensação indescritível, assenhora-se do corpo, com a estranheza e um desconforto que me divide entre o que deveria ter descoberto e um medo fundo das consequências caso isso tivesse acontecido.
Viver o ser humano que somos ainda está longe do nosso conhecimento. Não falo, daquilo que alguns chamam de vidas passadas, mas sim da capacidade de armazenamento de conhecimento acumulado, que dentro de nós reside, e, parece impedido de surgir à luz do dia, temendo pela nossa sanidade, ou onde poderíamos chegar com tal conhecimento.


dc

quinta-feira, 12 de março de 2020

Aqui e só


Aqui só, sentada, na penumbra o silêncio e eu formamos o enquadramento necessário, para dar azo a imaginação, analisando e construindo projectos. Não existe calor nem frio, nem chuva ou sol, nem a brisa se sente, mesmo com as coxas desnudas. A percepção do corpo é mais nítida, a urgência de ti é maior e o diálogo abstracto vai procurando perguntas e respostas, sugestões e soluções, que mitiguem as razões da ausência, a distância que existe, o abraço que não chega e o cheiro das flores não surge anunciando a Primavera possível. O pensamento vai mais longe, do que este lugar onde me encontro, e vai-me mantendo no fio da navalha entre o estar ou partir.

dc

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Borboletas

Olhou a data marcada nos registos e ficou-lhe a surpresa. Cinco anos passaram desde que se abraçaram, beijaram e fizeram amor. Era tempo de apagar as imagens guardadas no disco rígido da memória, que impedem o evoluir para outro estado de pensamento. Elas são uma espécie de nevoeiro que impede a visibilidade do que acontece no presente, fechando a porta à vida e à oportunidade. Apercebia-se como era um lugar-comum, as pessoas fixarem-se em determinados momentos da sua vivência, como se nada mais existisse, para além desse mundo pequenino onde habitavam as suas emoções. Era imperioso sair do buraco negro onde se metera, onde perdera referências, tinha de ir ao encontro de jardins com outras modulações e espelhos de água de íris intensa. Abrir-se a outros sons, a cheiros diferentes, deixar-se sentir as gargalhadas que como pássaros voavam até si e, sobretudo, sorrir aos sorrisos que com ela se cruzam, aos olhares que se lhe insinuam, à estética das palavras que se apressam a chegar aos seus ouvidos.

É certo que a borboleta já saiu do casulo e vai voando, pousando na boca, nos cabelos, no ombro desnudo. Transpira liberdade, é o fim do condomínio fechado, dentro do peito, que um amor tardio fixara dentro de si. Mas, há sempre um, mas que nos diz, que tanta racionalidade é um subterfúgio para disfarçar as emoções que ainda estão inscritas na pele. As cicatrizes demoram muito tempo para que sejam absorvidas e se transformem numa simples cor rosada sem importância, ou simplesmente a memória de algo irrepetível.

dc

sábado, 25 de janeiro de 2020

É difícil esta batalha contra o tempo



É difícil esta batalha contra o tempo.

É possível que tenhas um outro alguém que aninha nos seus braços o teu corpo. É bem possível que já não tenhas a memória dos cheiros, dos beijos dos abraços. É possível que te ame tanto quanto eu, ou te seja cómodo estar mais perto. No entanto, ainda, não me apercebi se fui colocado na redoma dos trastes que não vale a pena conservar. Se a minha voz e as minhas palavras, já não fazem sentido, na partilha das tuas saudades e memórias. Deste lado, ainda vejo as tuas fotografias, e vou por dentro de cada pormenor que revelam, tentando encontrar as respostas, porque sendo a vida tão curta, porquê apequenarmos tudo o que de bom existiu. Até porque amar é deixar que a felicidade te abrace, que o teu sorriso seja harmonia do teu rosto, que os dias sejam leves como nuvens de algodão. Mesmo que de longe seja somente olhar atento, abraço sem espera.

dc


segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Há NOITES e noites



Há noites em que tememos o amanhecer que nos despe e tira a intimidade com a sua claridade.

Há noites em que a felicidade é um lugar para chegar, amar e ouvir dizer: demoraste tanto.

Há noites em que se sente a falta daquele beijo de inocentes lábios húmidos, quase de criança, pousados levemente como se fossem a brisa fresca do nascer do dia nos levando ao sonho

Há noites que não se esquecem, ou não são para esquecer. Quando a melodia adentra encantando e alimentando o sonho prazeroso do reencontro dos corpos e as emoções que deles se libertam.

Há noites que deveriam ser eternas, com permanente repetição melhorada no comum dos dias, sem datas marcadas.

Há noites em que as imagens se desvanecem na ausência das sombras, em que os sons são murmúrios e as palavras são insuficientes para as descrever.

Há noites e noites, em que a espera traz o medo de que não volte a acontecer.

É por todas essas noites que ainda se mantém a esperança, de que há sempre um outro lado bom da vida que acontece.
 
DC